Fechado há seis anos, prédio do IE deve ficar pronto ano que vem

Comunidade escolar deve retornar ao edifício na Osvaldo Aranha que está fechado desde 2016

Por Bárbara Lima

Escola recebeu R$ 23,4 milhões do governo do Estado para o restauro
Ao passar pela avenida Osvaldo Aranha, nº 527, é possível ouvir o barulho das máquinas e ver a movimentação dos trabalhadores que restauram o imponente edifício do Instituto de Educação General Flores da Cunha (IE). Depois de seis anos de espera para a conclusão do projeto, que iniciou em 2016, a comunidade escolar parece estar mais perto de voltar à sua histórica casa. Com um aporte de R$ 23,4 milhões do governo do Estado para a realização das obras de restauro, o retorno deve acontecer em abril de 2023.
Segundo Renan Macedo, engenheiro da Concrejato, atual empresa responsável pela restauração, que estava no local na última sexta-feira (22), quando a reportagem foi até o endereço, as obras se encontravam na 15ª etapa (de um total de 26). Desde janeiro de 2022, após terem sido paralisadas em setembro de 2019, as obras reiniciaram e seguem um fluxo contínuo. “Trabalhamos de domingo a domingo”, ressalta. A Secretaria Estadual de Educação (Seduc) afirma que a previsão de entrega está marcada para o dia 19 de abril de 2023. Conforme o engenheiro, no entanto, cada etapa dura, aproximadamente, um mês, o que poderia estender as obras até junho do mesmo ano.
Apesar da boa notícia no avanço dos trabalhos, a comunidade escolar do Instituto de Educação General Flores da Cunha, datado de 1936 e tombado em 2006 pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado do Rio Grande do Sul (IPHAE), amarga os prejuízos de uma espera que, em 2016, deveria durar apenas 18 meses.
Comunidade dividida e com número menor de estudantes
De acordo com Maria da Graças Morales, presidente da Comissão de Acompanhamento do Restauro do IE e mãe de ex-alunos da instituição, a comunidade aceitou deixar o local em 2016 com a promessa de que logo retornaria. Ela explica que o projeto do colégio, na época, foi todo montado pela equipe da escola, juntamente com a Secretaria de Educação do Rio Grande do Sul (Seduc). “Nós saímos apenas porque precisávamos de reformas. Pensamos juntos em uma escola pública moderna, com espaço para projetos pedagógicos incríveis, que contemplam a tecnologia e as demandas do nosso tempo”, considera.
Desde então, o IE se encontra fragmentado e, de certa forma, espremido, entre a Escola Professora Dinah Néri Pereira, a Escola Estadual de Ensino Fundamental Felipe de Oliveira (onde ocorrem as aulas da Educação Infantil), o Colégio Rio Branco (EJA) e a Escola Roque Callage (5º ano do Ensino Fundamental até o Ensino Médio).
Por conta disso, conforme a Comissão, houve uma diminuição significativa na disponibilidade de vagas. De 2,5 mil vagas existentes, quando a comunidade deixou o edifício da Osvaldo Aranha, hoje, restam apenas 1.080. Perguntada sobre isso, a Seduc se limitou a dizer que “não há falta de vagas". "Contemplamos todos os estudantes que eram do Instituto de Educação, seguindo a legislação de zoneamento”, afirma em nota.
 
Transtorno e práticas pedagógicas comprometidas
Segundo a professora de Língua Portuguesa do Instituto há 22 anos, Heloiza Rabeno, 95% das práticas pedagógicas que existiam foram eliminadas, e os professores enfrentam transtorno nos deslocamentos para dar aula. “Nossos espaços, hoje, são apertados. Tínhamos uma biblioteca maravilhosa, hoje é pequena. Alguns professores precisam ficar se locomovendo de um local para o outro. Isso prejudica nosso senso de unidade”, reflete.
A professora relata ainda dificuldades para ministrar as classes. “Para você ter uma noção, nossos alunos não têm espaço para fazer Educação Física adequadamente. Por conta da falta de espaço, o barulho, muitas vezes, atrapalha outras aulas”, comenta. Para quem tinha ginásios e quadras de esporte – e quase 10 mil metros quadrados disponíveis, onde eram feitos campeonatos e gincanas – é uma perda considerável. “Tem aluno que nunca pisou no IE, tem professor que nunca pisou lá. Eles querem conhecer. Nossa comunidade, por acaso, não merece isso?”, questiona Heloiza.
Essa informação sobre a dificuldade em dar aulas de Educação Física, relatada por Heloiza, é importante, porque exemplifica uma perda irreparável do atraso nas obras, visto que, quando a comunidade deixou IE, existia um “projeto emergencial” para minimizar os impactos da mudança ao corpo discente e docente. Durante os 18 meses que deveriam durar a obra, os estudantes da unidade localizada na Escola Roque Callage, por exemplo, tinham Educação Física no Centro Metodista IPA, mas, com as realocações provisórias permanecendo mais tempo do que o planejado, essa prática deixou de acontecer, prejudicando os alunos, que hoje têm aula em um canto apertado na escola da R. Cabral, no bairro Rio Branco.
 
Questionada sobre a situação, a Seduc afirma que “qualquer questão referente ao bom andamento das atividades educacionais, a equipe diretiva da instituição de ensino deve contatar a 1ª Coordenadoria Regional de Educação, responsável pelas escolas estaduais da cidade de Porto Alegre”.
Outro problema que causa sofrimento à comunidade, atualmente, é o acesso a essas unidades. Isso porque a proximidade do IE com a avenida Osvaldo Aranha, local com alta oferta de transporte público, inclusive com ônibus das Regiões Metropolitanas, facilitava para pais trabalhadores. “Agora, muitos alunos precisam pegar dois ou três ônibus para chegar até o colégio, isso contribui para a evasão”, afirma Maria.
Ademais, a sede do Instituto é perto da Ufrgs, um grande diferencial que possibilita uma troca muito grande com a universidade. “Ficávamos do lado da Faculdade de Educação (Faced). Tínhamos muitos projetos juntos. Não podemos esquecer que somos, também, um local de formação de novos professores”, considera Heloiza.
Comunidade do IE questiona Projeto de Museu no local
Ainda em 2021, a Secretaria de Educação do Estado anunciou a construção do Museu da Escola do Amanhã, que deve ser gerido pelo Instituto de Desenvolvimento e Gestão (IDG), mesmo órgão que administra o Museu do Amanhã, no Rio de Janeiro. Segundo Maria, esse projeto não foi discutido com a comunidade. “Nós não somos contra, mas existem muitos prédios onde isso pode ser feito. Quando saímos do nosso espaço, o IE já tinha um projeto, que é uma escola pública moderna e de qualidade”, enfatiza.
Já a professora Heloiza pondera: “Museu e escola são de naturezas diferentes. Nosso prédio não está abandonado. Não há espaço para dividir. Temos medo que esse projeto atrase ainda mais a entrega. Existem pessoas que estão esperando para voltar”, relembra.
Ela relata ainda que, após o anúncio desses projetos, a Seduc entrou em contato com a Comissão de Acompanhamento do Restauro e com a direção da escola e disse que, “assim que o projeto estivesse pronto, seria aprovado com a comunidade”. Para Heloiza, "um projeto que a gente só teria que aprovar não é um projeto construído com a gente". Apesar disso, Maria e Heloiza afirmam que nem isso aconteceu. A versão da Seduc é de que o processo do Museu continua em tramitação. "O diálogo com a comunidade escolar é mantido de forma frequente através de reuniões com direção de escola, Comissão de Acompanhamento do Restauro do Instituto de Educação, com a Secretária Raquel Teixeira e com a equipe técnica da Seduc.”
Quando perguntado pela reportagem se as obras de um possível Museu já estavam nos planos de serem realizadas, no entanto, o engenheiro Renan respondeu afirmativamente. A ideia é que o Museu seja interativo e proporcione debates sobre o futuro da educação.
 
Instituto de Educação traz orgulho e sensação de pertencimento
Em frente ao Instituto de Educação General Flores da Cunha fica localizada a livraria Cirkula, dos proprietários Mauro Meirelles e Luciana Hoppe. Ao serem comunicados pela reportagem que o Instituto de Educação estava mais perto de reabrir, se empolgaram. “Eu quero que volte e quero que volte a ser escola”, entusiasma-se Luciana. Para ela, que, quando abriu o negócio em 2018, já não contava com a presença dos estudantes no bairro, o IE gera pertencimento, movimento e segurança para a vizinhança. “Nós sempre apoiamos essa causa, a Comissão se reunia aqui, deixava aqui os cartazes. Esse lugar faz parte da história.”
Para Mauro Meirelles, que, além de livreiro, é professor de Sociologia, o local é ainda mais especial. “Fiz estágio docente no IE. É um lugar único, lembra aquelas escolas da Europa, é um ambiente circular. Você não se sente enjaulado, você vê a vida lá fora. É um colégio com energia vital que proporciona liberdade. Estamos muito felizes que vai retornar”, considera. Ele também ressalta a importância para a formação de novos professores. “Eu dei aula como professor substituto na Ufrgs. Quando um aluno meu dizia que tinha feito estágio no IE, dizia que era diferente, especial.”
A professora Heloiza compartilha o sentimento. “É uma Harvard da vida. É um santuário. Lá é minha casa para dar aula, é lá que eu me encontro. É lá que eu me vejo com meus alunos, vejo eles sendo mais gente, mais humanos”, se emociona.