Além da população afetada diretamente pela Covid-19, o meio ambiente enfrenta as consequências geradas pelos resíduos hospitalares produzidos durante o período pandêmico. Cerca de 140 milhões de kits teste com o potencial de gerar 2,6 mil toneladas de lixo, principalmente plástico e resíduos químicos, foram administrados até novembro de 2021, de acordo com o relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS), divulgado no primeiro trimestre deste ano. Para se ter uma noção, entre 2020 e o ano passado, apenas a quantidade de resíduos biológicos por paciente aumentou de 1kg/dia para 10kg/dia no Hospital de Clínicas, em Porto Alegre.
“Um aumento de três vezes, pois no pico da pandemia outros serviços tiveram que ser reduzidos como, por exemplo, as cirurgias eletivas”, explica a engenheira ambiental do Hospital de Clínicas, Taina Flores da Rosa. Publicada logo nos primeiros dias da pandemia no Brasil, em março de 2020, a nota técnica n° 4 da Agência Nacional de Vigilância em Saúde (Anvisa) estabeleceu as medidas de prevenção e controle do coronavírus. Na ocasião, devido ao alto risco individual, todos os resíduos da assistência a pacientes suspeitos ou confirmados de infecção foram enquadrados na categoria A1, de acordo com a Resolução da Diretoria Colegiada - RDC N° 222, Anvisa, de 2018.
O relatório “Global analysis of health care waste in the context of COVID-19: status, impacts and recommendations” da OMS não cita exemplos específicos de onde ocorreram os acúmulos mais notórios de lixo hospitalar. Mas, em Porto Alegre, o aumento de resíduos biológicos produzidos durante a pandemia não ocorreu apenas no Clínicas. Outros hospitais apresentaram a mesma realidade. No Hospital Nossa Senhora da Conceição, que integra o Grupo Hospitalar Conceição (GHC), a média mensal de 40 toneladas de resíduos biológicos teve um aumento de 20%. Já o Hospital São Lucas da Pucrs (HSL) não soube informar a quantidade de resíduos produzida nos últimos dois anos, mas a média atual atinge uma tonelada e meia por dia.
“O manejo desse material era mais restrito, era descartado especificamente nos locais onde eram gerados. Utilizamos dois sacos para não correr o risco de eles se romperem. Tivemos um descarte de resíduos muito maior, mas também organizamos a logística com a empresa para que tivéssemos um número maior de coletas para não acumular”, explica a engenheira de segurança do trabalho, responsável pelo gerenciamento de resíduos do HSL, Márcia Afonso.
Resíduos de Serviços de Saúde são divididos em cinco grupos
“Todo descarte de resíduos é regulamentado por legislações próprias e os resíduos são classificados de acordo com o seu próprio risco”, diz o engenheiro químico do GHC, José Volnei Lopes. A RDC N° 222/Anvisa, que regulamenta as boas práticas de gerenciamento de resíduos de serviços de saúde e dá as devidas providências, estabelece cinco grupos: resíduos biológicos, também chamados de infectantes (A), químicos (B), radioativos (C), comuns, incluindo resíduos orgânicos e recicláveis (D) e perfurocortantes (E).
Nos hospitais gaúchos, o primeiro grupo, referente aos resíduos biológicos, é descartado em sacos brancos e levado para o sistema autoclave. “Para os leigos, é uma grande panela de pressão, um equipamento que é utilizado para esterilizar. As altas temperaturas e pressão geram a morte dos microorganismos que poderiam causar algum tipo de infecção”, explica Taina. Por outro lado, os resíduos químicos, grupo B, são descartados em sacos laranja e levados para o aterro industrial. Deste grupo, fazem parte, por exemplo, os medicamentos vencidos, quimioterápicos e antineoplásicos impróprios.
Já os resíduos radioativos, grupo C, devem ser acondicionados conforme procedimentos definidos pelo supervisor de proteção radiológica, com certificado de qualificação emitido pela Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen), ou equivalente de acordo com normas da mesma comissão. No Hospital São Lucas, não há geração deste material, pois o resíduo era produzido pela medicina nuclear, que não está em atuação. “A física médica responsável pelo serviço fazia o monitoramento da carga radioativa. Depois que ele não tinha nenhum poder residual de radiação ele era descartado, de acordo com a classificação dele”, diz Márcia
O grupo D, da qual pertencem os resíduos orgânicos e recicláveis, devem ser acondicionados de acordo com as orientações dos órgãos locais responsáveis pelo serviço de limpeza urbana. Em Porto Alegre, o Departamento Municipal de Limpeza Urbana (DMLU) realiza o recolhimento deste material, o qual os sacos não precisam ser identificados. No entanto, os resíduos perfurocortantes, grupo E, devem ser identificados assim como o restante dos materiais.
Conforme o DMLU, cada unidade hospitalar possui um sistema de gerenciamento de resíduos. Por isso, funcionam com diferentes empresas terceirizadas. O Hospital de Clínicas e o Hospital Conceição compartilham das mesmas empresas para o descarte de resíduos biológicos e químicos. Ambiservice e Vida, respectivamente. Porém, enquanto o Clínicas faz o descarte de resíduos comuns com a empresa Aborgama do Brasil, no Conceição, a coleta é realizada pelo DMLU, assim como no Hospital São Lucas. Neste último, os materiais não recicláveis são coletados pela Stericycle.
Área de armazenamento temporário deve ser identificada conforme RDC n° 222
No entanto, antes de chegar nas mãos de uma empresa terceirizada, os resíduos hospitalares são acondicionados em uma área de armazenamento interno. Em cada unidade, as equipes recolhem o resíduo e colocam em uma sala específica com contêineres de cores distintas, com identificação de cada resíduo. Na área de armazenamento temporário, “fazemos a coleta de cada resíduo e depois o material vai para armazenamento externo, ainda dentro da instituição, mas de fácil acesso para uma empresa terceirizada”, comenta Taina.
Segundo a Anvisa, no armazenamento temporário e externo é obrigatório manter os sacos acondicionados dentro de coletores com a tampa fechada. O abrigo temporário deve ser provido de pisos e paredes revestidos de material resistente, lavável e impermeável, assim como deve manter um ponto de iluminação artificial e de água, tomada elétrica alta e ralo sifonado com tampa. Quando os resíduos forem providos de área de ventilação, esta deve ser dotada de tela de proteção contra roedores e vetores, ter porta de largura compatível com as dimensões dos coletores e estar identificado como abrigo temporário de resíduos.
“De maneira alguma existe a probabilidade dos pacientes serem contaminados por alguma doença por ter o contato com algum resíduo. Eles não ficam em contato com os pacientes, eles são descartados em locais específicos e o paciente não tem acesso”, ressalta a engenheira do trabalho do Hospital São Lucas.
Embora existam chances de erros humanos no descarte de resíduos hospitalares, os hospitais de Porto Alegre possuem uma prática em comum. “Temos um comitê, junto ao SindiHospa, onde todos os hospitais trocam informações há mais de 20 anos. Os hospitais trabalham em conjunto para ter uma padronização”, argumenta Lopes.
O processo de fiscalização do gerenciamento e descarte de resíduos hospitalares é realizado de forma interna, além de visitas da Vigilância sanitária do município. Embora a secretaria Municipal do Meio Ambiente (Smamus), seja responsável pela licença de operação, a Fundação Estadual de Proteção Ambiental Henrique Luis Roessler (Fepam) opera diretamente com o descarte de resíduos hospitalares. Conforme o órgão, não há nenhuma denúncia registrada nos últimos meses referentes aos três hospitais mencionados na reportagem.
Canais de denúncia:
Emergência Fepam: (051) 999827840
Secretaria Municipal do Meio Ambiente (Sema): (051) 32889822