Quando, em maio de 2012, a prefeitura de Porto Alegre deu início às obras de duplicação das vias que formam a avenida Tronco, na Zona Sul de Porto Alegre, ninguém imaginava que, quase oito anos depois, a obra ainda estivesse com apenas pouco mais de 40% de seus serviços concluídos.
No início de 2019, a prefeitura noticiava em seu site, que a previsão de conclusão era em 2020 - sem indicativo de qual período do ano. A previsão atual, um ano depois, é de que os porto-alegrenses finalmente verão o canteiro de obras desfeito e a via totalmente duplicada, no segundo semestre de 2022 - mais de uma década após o primeiro dia de trabalhos dos operários. Os trabalhos são realizados pelo consórcio formado por Construtora Pelotense, Toniolo Busnello e Brasília Guaíba, ao custo total de R$ 157 milhões.
A história envolvendo a via é longa. Incluída na lista de obras a serem efetuadas para a Copa do Mundo de 2014, a duplicação dos 6,2 quilômetros da Tronco tinha prazo inicial de conclusão para o primeiro semestre de 2014, antes do Mundial, portanto.
As obras dos trechos 3 e 4, entre a rótula da avenida Icaraí até rua Gabriel Camargo, a 100 metros da avenida Gastão Mazzeron, começaram em maio de 2012. Orçada em R$ 76,4 milhões, na época, a obra deveria estar pronta em dezembro de 2013, mas atualmente, tem pouco mais de 45% de sua extensão concluída.
Com orçamento de R$ 47,7 milhões, os trechos 1 e 2 - entre a rótula da Gastão Mazzeron até a Terceira Perimetral e da Gastão Mazzeron até a rua Neves - tiveram ordem de início em outubro de 2012. Antes disso, em julho do mesmo ano, uma cautelar do Tribunal de Contas do Estado (TCE-RS) havia suspendido a licitação sob alegação de que a prefeitura havia utilizado um índice diferente do habitual para levantar custos. A medida foi anulada dois dias depois. Os trechos 1 e 2 eram para estar concluídos em abril de 2014. Atualmente, 32% dos trabalhos já foram finalizados.
'Em época de eleição, todo mundo sabe o caminho da vila', diz moradora
Morador da região há 38 anos, Vantoir da Rocha lamenta o estado de calamidade da principal via da Cruzeiro do Sul. "Ano passado, morei um ano em São Paulo. Voltei faz poucos dias, mas pelo que tenho visto, nada mudou além da pavimentação do asfalto - o que ainda é insuficiente. A situação segue complicada desde 2012, não temos uma sinalização decente em frente ao principal supermercado da região e não temos nem faixa de pedestre. Se fosse em um bairro nobre, já estaria tudo pronto, mas como é em vila, tem esse descaso", afirmou sem expectativas de ver a obra concluída.
Os serviços ficaram quase dois anos totalmente paralisados entre outubro de 2016 e junho de 2018, quando o consórcio responsável abandonou o canteiro de obras por falta de pagamento por parte da prefeitura. Os trabalhos foram retomados em 21 de junho de 2018. Na ocasião, a garantia da prefeitura era de que a avenida Tronco estaria finalmente concluída em 24 meses - ou seja, em junho de 2020. "Sabemos do prejuízo que uma obra parada causa. Também sabemos da necessidade de honrar com a palavra e não repetir fatos do passado que geram desconfiança da população para com a máquina pública", disse o prefeito Nelson Marchezan Júnior, na ocasião.
O movimento no estabelecimento de Benildo Siqueira, chaveiro há mais de 30 anos na Cruzeiro, caiu cerca de 40% desde que as obras iniciaram. O motivo, segundo o comerciante, foi o caos instaurado na avenida Tronco. "O trânsito virou um transtorno, os pedestres não têm segurança para atravessar a rua. Quando chove, a água invade tudo e o ambiente fica virado numa lagoa, impossibilitando qualquer travessia", argumentou o chaveiro, que se sente desrespeitado pelos órgãos responsáveis pela execução da obra. "Em outubro de 2019, eles retomaram a obra. A gente achou que ia dar jeito, mas em novembro já parou e até agora não resolveram nada. Me sinto lesado, porque pago impostos e assim mesmo é como se não existisse".
Se já não é fácil ser vizinho de uma obra por uma ou duas semanas, imagine por oito anos. Essa tem sido a realidade da dona de casa Ana dos Santos, moradora da Vila Cruzeiro há 35 anos. "Desde que isso tudo começou, minha casa não tem sossego. É poeira para todos os lados. Mesmo no calor do verão, temos que evitar abrir portas e janelas por causa da poeira", disse. Ana, assim como os demais moradores e comerciantes também lamenta a situação da obra interminável. "Em época de eleição, todo mundo sabe o caminho da vila para fazer promessa. Quando se elegem, só governam e fazem melhorias para os ricos. Já faz quase 10 anos que estamos à mercê desse absurdo, desse desrespeito e ninguém estende a mão para a comunidade. Em outubro, as eleições estão aí e só quero ver as promessas para essa obra".
Quando a duplicação da avenida Tronco foi anunciada, o objetivo era melhorar a circulação viária entre a região central da cidade e a Zona Sul. O traçado afetaria quase 1,5 mil famílias, que teriam de ser realocadas em outras áreas. Por volta de 50 famílias ainda precisam ser retiradas.
Secretaria afirma que os recursos para a execução estão garantidos
Em nota, a Secretaria Municipal de Infraestrutura e Mobilidade Urbana (Smim) disse que "em relação às obras de duplicação da avenida Tronco, na Zona Sul, os recursos para a execução das mesmas já estão garantidos". Conforme a pasta, os trechos 1 e 2 têm 32% de execução, tendo como prazo estimado para conclusão o segundo semestre de 2022. O investimento do trecho gira em torno de R$ 48,2 milhões, sendo que R$ 15,7 milhões já foram aplicados. Já em relação aos trechos 3 e 4, a secretaria informou que já têm 45% de execução e que o prazo estimado de conclusão é o segundo semestre de 2021. O valor total deste trecho é de R$ 74,2 milhões, sendo que
R$ 32,5 milhões já foram investidos.
A reportagem percorreu a região da Avenida Tronco na tarde de quinta e sexta-feira. Ao longo do percurso, não foram encontradas máquinas nem trabalhadores das construtoras responsáveis pela execução da obra. Questionada sobre a ausência de trabalhadores desde novembro, a Smim não respondeu até o fechamento desta edição. A reportagem também tentou contato com o consórcio formado pelas construtoras Pelotense, Toniolo Busnello e Brasília Guaíba, mas não obteve retorno.
Uma duplicação em muitos capítulos
2012
Maio
- Início das obras dos trechos 3 e 4
Julho
- TCE-RS suspende licitação dos trechos 1 e 2
- Prefeitura obtém liberação para lançar a licitação
- Primeiros moradores recebem o bônus-moradia para deixarem suas casas e liberarem a área do traçado
Outubro
- Início das obras dos trechos 1 e 2
2015
Janeiro
- Os moradores de mais da metade das 1.525 residências que viviam no traçado da via já haviam sido transferidos para outros locais
2016
Outubro
- Consórcio responsável pelas obras paralisa os trabalhos por falta de pagamento e por falta de recursos para realocação de famílias
2018
Junho
- Prefeitura retoma as obras e garante conclusão total em 24 meses
2019
Janeiro
- Prefeitura anuncia liberação de recursos pela Caixa Econômica Federal para construção de 346 unidades habitacionais para reassentar famílias e prevê conclusão da duplicação para 2020
2020
Janeiro
- Conclusão total das obras está prevista para o segundo semestre de 2022