Menos carros porque tem menos espaço para eles e mais pedestres porque as pessoas vão ter mais área na rua para circular. Esta é a proposta do projeto Ruas Completas, que estreou nesta segunda-feira (2) na rua João Alfredo, no bairro Cidade Baixa, em Porto Alegre, e que será levado a mais locais da cidade, como Centro Histórico, Quarto Distrito e Restinga. "A ideia é espalhar pela cidade", resume o secretário extraordinário de Mobilidade Urbana Rodrigo Tortoriello.
A Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC) confirma que estuda implantar o projeto em mais dez vias, sem data definida de quando os novos pontos serão implantados. Além disso, a EPTC não descarta adotar algo mais radical, como fechar ruas para a circulação de carros. "É errado pensar que se não há estacionamento, o comércio não funciona. Pesquisas mostram que o uso de bicicleta e os pedestres trazem mais negócios que o automóvel. Se não, todas as lojas teriam drive-thru", contrasta Tortoriello. Mesmo assim, alguns restaurantes da João Alfredo reagiram com a restrição de vagas, alegando que a medida provocou a queda no movimento.
Em 700 metros de extensão da rua, reduto de bares e muito agito na noite da Capital - que já gerou atritos entre estabelecimentos e moradores-, parte das vagas para estacionar foram eliminadas para serem transformadas em espaços destinados a pedestres. A via foi pintada de verde nestes locais, que se distribuem ao longo do trajeto. Faixas de segurança e colocação de marcações no chão dividindo áreas de carros e de pedestres fazem parte do novo visual. Placas de 30 quilômetros por hora apontam o novo limite de velocidade. O gasto total foi de R$ 150 mil, informou o secretário.
O secretário extraordinário diz que a João Alfredo foi escolhida por ser um espaço multicultural, "com perfis diferentes de frequentadores e que foi uma zona de conflito". "Escolhemos o local para mostrar que a ocupação da via pode fazer com que as tribos possam conviver com mais harmonia. Trazer mais gente à rua melhora a segurança pública, pois aumenta a circulação", acrescenta Tortoriello.
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O prefeito da Capital, Nelson Marchezan Júnior, apontou que a iniciativa enfrenta desafios das cidades, como resolver a ocupação de espaços públicos e a mobilidade. A redução da velocidades dos veículos ajuda na convivência mais harmônica com outras formas de mobilidade, como patinetes e bicicletas e mesmo com pedestres, citou Marchezan. "A ideia é humanizar os espaços públicos. Depois vamos expandir para outras regiões", adianta o prefeito.
As áreas pintadas de verdes não terão pavimentação de calçadas. A ideia é instalar paisagismo e bancos. A prefeitura espera que empresas ajudem a custear estes acabamento. Um alerta é que quem for flagrado sobre o espaço verde será multado em R$ 195,23, levando cinco pontos na carteira, mesma punição de estacionar na calçada.
Uma turma de alunos do curso de marcenaria do Instituto Pão dos Pobres, localizado a 200 metros da rua, confeccionará os bancos para instalar no futuro. Os alunos foram à estreia nesta segunda e estavam animados com o desafio. "Já começamos a ver algumas alternativas, quem sabe fazer de madeira maciça, pois os bancos ficarão ao ar livre", diz Natália Machado. "Vai ser legal passar aqui depois e ver o nosso trabalho", diz Natália Machado.
Natália (direita) com seus colegas e o desafio de fazer o mobiliário. Foto: Patrícia Comunello
Para fazer o mobiliário que será instalado, até agora a prefeitura já teve a garantia de uma empresa que doará palets. Quem tiver interesse em também doar - e pode ser desde materiais até itens de paisagismo, pode acessar a ferramenta ConstruaPO, no aplicativo #EuFaçoPoa. A empresa Lifepoa, segundo a EPTC, vai doar bancos de concreto para a área.
Donos de restaurantes sentem impacto da falta de vagas
Dono de um dos mais tradicionais restaurantes da Cidade Baixa, o Tudo Pelo Social, Angelo Pilotti diz que a supressão de vagas na rua para carros afetou o movimento da casa. "Serei curto e grosso: ninguém queria isso aí (Ruas Completas). Nem os moradores queriam. Em 15 dias, o movimento já caiu 30% a 40% no fim de semana e 50% em dias de semana", garante. O Tudo pelo Social está há 27 anos na rua, 15 dos quais no atual trecho, entre as ruas Da República e Luis Afonso. "Depois que abrimos que a rua João Alfredo surgiu", vangloria-se o empresário.
Pilotti conta que teve de demitir seis funcionários - hoje são 26 no total, devido ao impacto da mudança, que restringiu a chegada de clientes. Com menos vagas, os frequentadores podem deixar o carro no estacionamento ao lado, pagando R$ 15,00, usar aplicativo de transporte, bicicleta ou ônibus. O restaurante servia 700 refeições ao meio-dia. Pilotti diz que agora serve 400. O bufet livre é R$ 15,00.
"Alertei a prefeitura. Meu palpite é que, em seis meses, vai ter menos pessoas na área, e a João Alfredo não vai existir", projeta. O proprietário duvida ainda que as pessoas vão usar bicicleta ou ônibus para ir à região. "Desafio esse pessoal que almoça e janta na zona norte ou na avenida Protásio Alves a vir aqui. Dou (comida) de graça", desabafa Pilotti, referindo-se a integrantes do Executivo.
Victória Maggioni, sócia do Eleven Grill, localizado na rua e distante cerca de 50 metros do Tudo pelo Social, admite que a restrição para estacionar nas laterais afetou a demanda do meio-dia. Ela também comentou que moradores têm falado sobre a preocupação de que a colocação de bancos pode atrair moradores de rua para ficar no mobiliário. "A ideia é muito boa, mas vai depender de o público respeitar", conclui Victória.
O cuidador de carros na região Leandro Leite da Silva, há 15 anos na atividade, diz que sentiu um pouco o efeito, com menos carros parando na via. Silva diz terá que se acostumar com a nova situação.