Com pouco mais de 3 mil habitantes, Vila Flores, cidade que fica a 165km de Porto Alegre, é terra de cervejas premiadas. Apesar de estar na Serra Gaúcha, onde a tradição do vinho é um dos principais pilares econômicos e turísticos, o município abriga a Cantina Mascaron, agroindústria que opera desde 2004 e que produz cervejas à base do mosto de uvas tradicionais da região. As bebidas receberam reconhecimento nacional em premiações do segmento.
Joana Brandalise é a segunda geração à frente do negócio, que foi criado por seu pai, Gessi Brandalise, e por Daniel Grison, sócio e enólogo da agroindústria. A empreendedora explica que o nome cantina faz referência a uma tradição do interior do Estado. "Na maior parte dos municípios do interior do Rio Grande do Sul, o pessoal tem o costume de chamar de cantina o porão onde se produz vinhos e coisas mais artesanais", explica Joana, destacando que esse foi o processo inicial da Mascaron. "Quando iniciamos a cantina, meu pai e o sócio começaram a produzir para consumo próprio no porão da casa do Daniel. Sempre foi uma produção muito artesanal", conta. No entanto, cerca de um ano depois, o boca a boca entre os amigos fez com que o hobby virasse um negócio, e os vinhos deixassem o porão para ir para as prateleiras de venda. "Foi um crescimento muito rápido, mas nunca perdemos a essência do artesanal. Por isso, até hoje, chamamos de cantina, porque o nome engloba não só o vinho, mas a produção de cerveja."
A cerveja, no entanto, surgiu quando o negócio já estava consolidado pela produção de vinhos. Joana e Pedro Henrique Morello, seu namorado, foram os responsáveis por levar a inovação para a agroindústria. Pedro havia estagiado em cervejarias em Porto Alegre e testado receitas artesanais que levavam a uva como base da bebida. "Iniciamos a produção querendo fazer diferente do que todo mundo fazia. De alguma forma, a gente teria que se diferenciar, já que somos pequenos e estamos meio escondidos em Vila Flores, que é uma cidade pequena. Foi então que veio a ideia de fazer essas produções com insumos da região", conta Joana, explicando que as bebidas são feitas em edições limitadas. "Chegamos a fazer cerveja estilo sour com mirtilos e pêssegos colhidos nas propriedades vizinhas da cantina. Fomos fazendo coisas diferentes até misturarmos as nossas duas paixões: a uva e a cerveja. Daí, surgiu a ideia de entrar no mundo da Italias Grape Ale (IGA), que são cervejas que levam a adição do mosto da uva, que um suco da pré-fermentação da uva", lembra a empreendedora sobre a produção que começou em 2018 trazendo um modelo único de cervejaria criada dentro de uma vinícola.

As cervejas da Cantina Mascaron ganharam premiações na categoria IGA
Simara Polli/Cantina Mascaron/Divulgação/JC
Pedro está à frente da produção que leva o mosto da uva - sumo de uvas frescas resultante da prensagem da fruta, que é o primeiro passo para a produção de vinho. "Temos esse insumo muito fácil. O processo é relativamente simples. Quando a uva chega para fazer a vinificação, a gente separa uma parte do mosto para adicionar na cerveja posteriormente", diz Pedro, destacando que a bebida é muito diferente do chopp de vinho. "Essa cerveja acaba ficando muito parecida com o espumante brut, porque ela seca totalmente, não é doce, tem uma adstringência, um amargor. É uma cerveja muito fácil de tomar e totalmente diferente do chopp de vinho." Um dos objetivos da Cantina Mascaron é valorizar os insumos locais, tanto nas cervejas, quanto nos vinhos. "Geralmente, o pessoal costuma fazer com chardonnay, uvas mais tradicionais e finas. A gente sempre quis trazer muito do local e, por isso, iniciamos, com uma Italian Grape Ale com o mosto da uva Isabel, que é uma uva de mesa muito cultivada pelos colonos da nossa região. Na Itália, eles chamavam ela de la brasiliana, porque foi a primeira que os imigrantes adotaram aqui e conseguiram fazer uma boa produção", conta Joana.
Em 2023, a Isabel Spritz recebeu a chancela de Melhor Italian Grape Ale do País no Brasil Beer Cup. "É um lote único, temos algumas poucas latas disponíveis dela ainda", pontua Joana. Depois da Isabel, a aposta foi a uva Lorena. "É uma uva brasileira, foi desenvolvida pela Empraba em Bento Gonçalves. Foi a primeira uva que a gente vinificou aqui como vinícola, é nosso carro-chefe, tem um valor muito especial para nós", diz a empreendedora. A Lorena Spritz já carrega dois reconhecimentos: a mais recente foi a medalha de prata no 13º Concurso Brasileiro de Cervejas, realizado em Blumenau em março, na categoria Italian Grape Ale. Em setembro de 2024, a mesma receita já havia sido reconhecida com prata no Brasil Beer Cup, maior concurso técnico da América Latina.
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Turismo cervejeiro na terra do vinho
Apesar da região da Serra ser amplamente conhecida - e procurada - pela produção de vinho, os empreendedores relatam que o público recebeu muito bem a proposta das cervejas à base de uva. "Percebo que as pessoas, antes mesmo de experimentarem, já gostam da ideia, porque sabem que é tudo do mesmo negócio. Fazemos o vinho, pegamos esse mosto, colocamos na cerveja e tudo sai dessa produção artesanal. Mesmo que seja uma cerveja, ela leva parte da nossa essência, que é o vinho, a uva. Isso encanta as pessoas, leva elas a experimentarem. Mesmo que as pessoas venham pelo vinho, elas gostam da cerveja", garante Joana. "A maioria dos turistas, quando alguém explica como a cerveja é feita, fica surpreendida, porque não é um estilo difundido para todo mundo. A maior parte das pessoas, dos leigos, não conhece o estilo, então quando prova a nossa cerveja acaba se surpreendendo", completa Pedro.
Levando inovação para um segmento tradicional, os empreendedores pontuam a importância da presença de jovens para oxigenar o mercado. "É um pouco complexo quebrar alguns paradigmas que estão atrelados ao mundo do vinho, porque é um mercado que é muito glamourizado. Tentamos quebrar um pouco disso, até para fazer que o jovem se interesse mais pelo vinho", avalia Joana, destacando que a percepção sobre o universo do vinho é diferente da realidade desses produtores. "A glamourização no setor do vinho se distancia muito da realidade das vinícolas, que é simples. A maior parte das vinícolas do Rio Grande do Sul são familiares, mesmo que sejam grandes, e é um dia a dia de produção simples", afirma.

Joana Brandelise é a segunda geração à frente do negócio
Simara Polli/Cantina Mascaron/Divulgação/JC
Essa premissa de mostrar o outro lado do setor e de inovar não fica só nas cervejas da Cantina Mascaron. "Temos um vinho com a uva Isabel, que é menosprezada pelas grandes vinícolas. Colocamos ele numa barrica que, antes, passou por whisky borubon. Tentamos fazer algo mais disruptivo, trabalhar com rótulos com imagens não tão sérias, com um tom mais leve, para que a gente consiga trazer o pessoal da nossa idade para mais perto da gente", diz.

Uma das missões da dupla é aproximar os jovens do segmento
Simara Polli/Cantina Mascaron/Divulgação/JC
A Cantina Mascaron fica na rodovia RSC 437, n° 8153, em Vila Flores. Há visitas e degustações no espaço, que devem ser agendadas pelo WhatsApp. As bebidas, além dos pontos de venda físicos, podem ser encontradas no site da marca (cantinamascaron.com.br).