Embora não haja dados específicos para todo o estado do Rio Grande do Sul, uma opinião é frequente entre os empreendedores da Capital: Porto Alegre possui uma oferta significativa de restaurantes que não servem carne. Há 40 anos, em 20 de março é celebrado o Dia Mundial Sem Carne, uma data de protesto que nasceu em 1985, com o objetivo de incentivar as pessoas a refletirem sobre o impacto do consumo de carne e os benefícios de uma alimentação mais saudável e sustentável.
Como parte desse ecossistema, o Terracinho, cozinha de comida vegana, carrega a proposta de oferecer um cardápio sem carne e, além disso, sem qualquer ingrediente de origem animal.
Localizado no bairro Rio Branco, como o próprio nome já indica, o espaço é fica em um terraço, e é comporto por mesinhas, muitas plantas e uma decoração colorida e cheia de detalhes. A fachada discreta convida a clientela a subir uma escadaria que leva até a cozinha dos empreendedores Bruna Xaviel Mariano e Francisco Lima, conhecido "Pekeno".
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Inaugurado em junho de 2023, o negócio não foi a primeira aposta da dupla. Os dois abriram as portas pela primeira vez enquanto sócios em uma antiga casa restaurada por eles, localiza na rua Miguel Tostes. O empreendimento se chamava Casinha e foi a inspiração para o nome do negócio atual. Após a venda do espaço para a construção de um prédio, em menos de um ano, os amigos recomeçaram no Terracinho.
"A nossa freguesia é muito boa, eles nos acompanharam, subiram as escadas com a gente e vieram novos clientes também, o bairro foi se aproximando", conta Pekeno.

o espaço é fica em um terraço, e é comporto por mesinhas, muitas plantas e uma decoração colorida e cheia de detalhes
RAMIRO SANCHEZ/JC
A respeito da escolha pelo modelo de culinária, Bruna explica que o veganismo faz parte da vida de ambos. "Eu me tornei vegana na pandemia, já era vegetariana e acredito que veio muito de uma consciência ambiental e ética. Enquanto o Pekeno tem uma história de mais de 20 anos de veganismo. Esse é um dos nossos diferenciais, para nós, é um posicionamento político", pontua.
"O Terracinho é uma extensão do que a gente acredita e uma forma trabalhar com proposito. Precisamos, sim, vender, mas de uma maneira que faz sentido para nós", complementa Pekeno.
Anterior ao encontro de Bruna e Francisco, cada um já cultivava seus próprios projetos no ramo. Bruna produzia queijos vegetais à base de castanha de caju para o seu negócio Esfomeadita. Francisco desenvolvia um tipo de produção de massas de fermentação selvagem e lenta, com farinhas orgânicas, para o seu empreendimento próprio, chamado de Do Peke Cozinha. Os dois permanecem tocando seus projetos, mas o trabalho em sociedade nasceu a partir da troca entre produtos.
"Ele me oferecia pão foccacia e eu trazia os meus queijos, fizemos feiras veganas juntos e depois resolvemos montar a cozinha. Nunca perdemos isso, eu continuo fazendo os queijos e ele continua fazendo as fornadas, e juntos criamos as pizzas, que é o nosso principal produto", descreve Bruna.
Com fermentação natural e lenta, queijos de castanha de caju fermentados e curados, molho de tomates assados e feitas artesanalmente, as pizzas são o carro-chefe da Terracinho. O destaque vai para o sabor cogumelos e cebola caramelizada, vendida por R$ 46,00 inteira ou R$ 13,00 a fatia. Dentre as versões doces, a mais pedida é a chocolate e cookie.
Mas as opções vão bem além das pizzas. Vendidos também separadamente, os queijos, foccacias e pães fazem muito sucesso, de acordo com Bruna. Mas quem sobe as escadinhas do número 64 da rua Giordano Bruno, encontra ainda cookies, marmitas, castanhas caramelizadas e torradas. Eventualmente, o espaço oferece feijoada vegana aos domingos.
"Esse é o desafio, às vezes é fácil receber a pessoa que já está aberta ao veganismo, mas quando temos eventos e atraímos pessoas que não são do movimento e elas gostam do que comem, sabemos que estamos fazendo algo bom", pontua Pekeno.
Bruna acrescenta que parte do trabalho está em mostrar que a comida vegana é saborosa. "Também acreditamos que não é necessário ser vegano todos os dias, mas se você conseguir apoiar um lugar que é vegano, experimentar e indicar para os amigos, já é algo muito grande", conclui.
Dentro do conceito trabalhado no local, algumas inciativas estão sendo implementadas pelos empreendedores, como um móvel onde produtos artesanais e de artistas locais ficam disponíveis. Além das ecobags e, em breve, camisetas,
O empreendimento ainda conta com novidades: noite das pizzas, todos os sábados das 18h30min às 22h; happy hour todas as quintas e, nas sextas-feiras, com bailinho ao som de vinil, das 18h às 22h e reservas para eventos. Um desejo para este ano, é aumentar a quantidade de almoços e jantares.
Sobre o cenário de empreendimentos de cozinha sem carne em Porto Alegre, Pekeno explica que costuma dizer que o veganismo venceu por aqui. "Existem muitos lugares legais. Precisamos valorizar. Pessoas de fora vêm para cá e se impressionam com a quantidade, variedade e qualidade de lugares sem carne."
Clássico restaurante vegano no Centro Histórico da Capital
Ao entrar no número 1164 da rua Cel. Fernando Machado, a primeira mensagem a vista é “bem-vindo ao paraíso vegano”. Essa é a recepção de um clássico restaurante vegano de Porto Alegre, o Donna Laura. À frente do negócio estão Laura Maria Barcelos, o nome por trás da fachada do empreendimento, e seu filho Rafael Barcelos Bustos.
Em 14 anos de história, o restaurante tem nove anos de veganismo. Até 2016, Laura ainda utilizava insumos de origem animal nos pratos. Com o cardápio totalmente reformulado, o espaço passou por uma reforma em 2017 e voltou à ativa com um novo proposito. “Na época não existiam muitos lugares veganos, e até hoje não há muitos na região. Nós somos um pouco pioneiros nisso. Naquele tempo um dos principais era o Café Bonobo, que ficava na Castro Alves, hoje ele não existe mais, mas foi com eles que eu aprendi a cozinhar”, conta Rafael.
Sobre a escolha de retirar todos os ingredientes e insumos de origem animal do estabelecimento, Laura conta que já havia parado de comer carne em 2012, e era a responsável por fazer os recheios dos salgados, que de maneira tradicional levavam carne, o que passou a incomodar muito. “Eu pensei em mudar, já tínhamos os ingredientes vegetarianos. O Rafael se interessou e começou a fazer os pratos veganos. Primeiro mudamos o almoço, enquanto ainda não tínhamos demanda e público suficientes para alterar tudo, mas foi dando certo”, descreve ela.
O Donna Laura é um dos exemplos da adaptabilidade e versatilidade da culinária vegana: o cardápio do restaurante permanece com as mesmas opções desde o início, tendo passado apenas pela transição para ingredientes sem origem animal, de acordo com os empreendedores.
“Foi difícil, perdemos muitos clientes que não quisessem aderir, mas ao mesmo tempo, veio um grande público interessado. Também temos muitos clientes que possuem intolerâncias, e essas pessoas encontram opções aqui”, conta.
Laura explica que neste momento do restaurante, Rafael investiu seu tempo nos estudos. “Ele começou a pesquisar muito, se dedica a isso, e é necessário”, diz ela. Rafael expõe a sua percepção do mercado de negócios sem carne em Porto Alegre. “Apesar de termos mais opções na cidade hoje, muitos lugares fecham cedo, por questões como qualidade e preço acessível.”
Os empreendedores ainda falam sobre as dificuldades financeiras, de acordo com eles, manter o estabelecimento com produtos de qualidade, valor acessível no cardápio e oferecer um salário acima da média aos funcionários é um grande desafio que enfrentam sem abrir mão. “Não nos sobra muito (financeiramente), mas isso nos permitiu conquistar clientes pelo bom preço e qualidade que nunca baixa”, pontua Rafael.
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A respeito da escolha pelos produtos usados no lugar, Rafael é categórico com o cuidado. “Um chocolate pode se dizer vegano em composição, mas como foi o processo para ele chegar até aqui? Já me ocorreu de descobrir que um produto assim era feito em uma fazenda com trabalho análogo à escravidão. Buscamos a certeza do processo em todos os insumos, desde a cozinha até os produtos de limpeza, mas isso gera custo adicional."
Com uma grande variedade de produtos, que vão desde lanches, quitutes e um empório de opções como castanhas, temperos e sementes, os carros-chefes do Donna Laura são os chocolates e o almoço. Hoje, as encomendas, de centos de docinhos ou salgadinhos veganos, são uma das principais fontes de renda do negócio.
O restaurante funciona de segunda a sábado, das 9h30min às 19h e aos sábados, das 9h30min às 15h. Diariamente o almoço é servido das 11h30min às 14h30min, por R$25,00 e aproximadamente 600g de opções veganas.
Com prato do dia, restaurante pretende levar comida vegana e acessível ao público
Localizado no bairro Rio Branco, o Aurora é um restaurante, com uma trajetória marcada por resiliência, cooperação e compromisso com o movimento vegano popular. Fundado em 2018 por Bianca Silva e Alan Chaves, o Aurora nasceu após a experiência dos proprietários, em um coletivo que buscava oferecer uma alimentação acessível, saborosa e consciente. Hoje, o local é referência para quem busca refeições veganas que fogem do estereótipo elitizado, mostrando que o veganismo pode ser simples, popular e gostoso.
A história do Aurora começa em uma casa na Rua Professora Duplan, onde o restaurante funcionava com um modelo de preço consciente: os clientes pagavam o quanto podiam ou achavam justo. "Praticávamos o sem preço. Você comia e pagava o quanto quisesse", relembra Alan. No entanto, em 2020, no início da pandemia, o restaurante foi despejado por uma construtora. "Foi bem horrível. Estávamos em um momento em que tudo estava ruim", conta Bianca.
Sem um local fixo, a dupla improvisou uma cozinha na casa de Alan, que já havia sido uma antiga lancheria. "Levamos as coisas todas pra lá e ficamos fazendo tele-entrega", explica Bianca. A situação era difícil, mas a solidariedade de clientes e outros restaurantes veganos ajudou a manter o negócio vivo. "A gente acredita muito que o veganismo não é uma competição, é uma cooperação", afirma Alan.
Em julho de 2020, o Aurora encontrou um novo lar, próximo ao Hospital de Clínicas, na rua Miguel Tostes. "Fizemos uma proposta de aluguel bem abaixo do valor pedido, e o dono aceitou", conta Alan. Desde então, o restaurante se consolidou como um espaço acolhedor, onde o veganismo é celebrado de forma descomplicada e acessível. Em agosto de 2024, o restaurante mudou-se para a casa ao lado, ocupando o número 951, da rua Miguel Tostes.
Dentro da proposta de oferecer comidas sem origem animal, o Aurora se reinventa, buscando reforçar que o veganismo pode ser popular e inclusivo. "A gente faz lasanha, feijoada, pastel, espetinho, estrogonofe... De tudo", diz Bianca. O cardápio, que muda diariamente, é focado em pratos caseiros, preparados com ingredientes frescos e sem nenhum produto de origem animal. O preço fixo de R$ 35,00 (com chá incluso) ou R$ 30 (sem chá) permite que os clientes repitam à vontade, garantindo uma experiência satisfatória e acessível. "A gente não pretende ser maior. Queremos manter essa proposta simples e popular", reforça Alan.
O público do Aurora é diverso: veganos, vegetarianos, simpatizantes e até quem nunca experimentou uma refeição sem produtos animais. "Acho que mais da metade do nosso público não é vegano", comenta Alan. Para ele, o veganismo está se popularizando e rompendo barreiras. "Hoje tem muito mais gente vegana que foge do estereótipo do alternativo. O veganismo está entrando em outras bolhas", reflete.

O restaurante Aurora está localizado na rua Miguel Tostes, nº 951
TÂNIA MEINERZ/JC
A casa acomoda cerca de 60 pessoas, e os pratos são servidos até acabarem. "No final de semana, a gente chega a servir mais de 100 pratos", conta Bianca. O recorde foi de 120 refeições em um único dia.
Para Bianca e Alan, o Aurora é mais do que um restaurante: é um projeto de vida. "Eu quero fazer isso pra sempre", afirma Bianca. Os empreendedores acreditam que o veganismo tende a crescer, mas ressalta a importância de manter a essência do movimento. Alan Chaves reflete sobre a percepção de que o veganismo pode ser visto como algo caro, especialmente quando se observam os produtos nas gôndolas dos supermercados. "Aqueles produtos sem origem animal, que não são necessariamente veganos, são vendidos como algo saudável e acabam tendo um preço elevado", explica. Ele destaca que essa imagem distorce a realidade do movimento.
"O veganismo não precisa ser complicado ou caro. Na verdade, é muito mais sobre escolhas conscientes e alimentos básicos, como arroz, feijão, legumes e verduras, que são acessíveis a todos", completa. Para Alan, a chave está em desmistificar a ideia de que ser vegano é sinônimo de consumir produtos industrializados caros, mostrando que a alimentação vegana pode ser prática, saborosa e popular.
O Aurora está localizado na rua Miguel Tostes, nº 951, no bairro Rio Branco. O restaurante funciona de terça a sexta, das 11h45min às 14h e aos fins de semana, das 12h às 15h.