Apesar dos desafios de operar sem fechar as portas, a proposta tem demanda e conta com empreendedores que acreditam no formato.

Os desafios das operações 24 horas

Apesar dos desafios de operar sem fechar as portas, a proposta tem demanda e conta com empreendedores que acreditam no formato.

Quando pensamos em negócios com funcionamento 24h é muito provável que um tipo de estabelecimento surja à mente: lojas de conveniência. Parte do comércio noturno, elas representam a salvação para muitos momentos e imprevistos. Em Porto Alegre, a rede Alegrow faz parte desse ecossistema, mas carrega alguns conceitos que visam transformar o modelo.
Quando pensamos em negócios com funcionamento 24h é muito provável que um tipo de estabelecimento surja à mente: lojas de conveniência. Parte do comércio noturno, elas representam a salvação para muitos momentos e imprevistos. Em Porto Alegre, a rede Alegrow faz parte desse ecossistema, mas carrega alguns conceitos que visam transformar o modelo.
Com 12 unidades em atividade, espalhadas por Porto Alegre, Canoas e Gravataí, a Alegrow (@alegrowoficial) se propõe a ser uma conveniência de rua acessível e sustentável. Eduardo Costa e José Mário Goes estão à frente do empreendimento que abriu em 2022. Eduardo conta que possui uma longa trajetória no mercado de conveniências, mas que a ideia dessa vez é levar o conceito para a rua, saindo dos postos de gasolina.
A escolha tem como objetivo garantir a acessibilidade e criar um formato que se conecte com a comunidade em que está inserido, adaptando-se ao meio. “A ideia nasceu na minha época de formação, há mais de 20 anos, quando estudei marketing social para um mundo melhor. O alicerce da Alegrow é tudo para todos. Brinco que a única fronteira que deveria existir no mundo se chama liberdade, que é até onde se pode ir até atingir a liberdade do próximo.”
 
Dessa forma, a Alegrow projeta eliminar barreiras de acesso. “Buscamos fazer negócio independente de classe social ou cultural, com um atendimento igualitário e preço justo”, diz Eduardo, ressaltando que houve um erro de posicionamento na chegada das conveniências ao Brasil. “O mau posicionamento na questão de precificação levou ao estigma de que é algo muito mais caro”, diz. Além disso, ele explica como este setor funciona e suas dificuldades no controle de valores. “Não temos o poder de compra de grandes redes, então, não conseguimos trabalhar com os mesmos preços, mas buscamos oferecer preços de 20% a 30% acima do mercado tradicional apenas.”
 
A primeira Alegrow 24h foi a do Bom Fim, decisão que surgiu a partir de uma necessidade específica da comunidade, agravada pelas enchentes que atingiram a cidade. Por ser um dos poucos locais que ainda tinham energia elétrica no bairro, a população solicitou que o negócio passasse a operar de forma ininterrupta. “Da nossa parte, foi para ajudar como um ponto base. Para que todos pudessem utilizar a loja, carregar um celular ou comprar um alimento. Acabamos mantendo”, lembra Antônio Costa Gama, gerente de operação da unidade do Bom Fim.
 
Parte do processo de adaptabilidade à comunidade é que a unidade também é um Pet Store, com produtos para tutores, também para atender uma demanda da vizinhança. “É uma loja que já está dentro da vida do bairro, o pessoal costuma ir ali com suas famílias, com seus pets. Tem uma mistura de jovens e pessoas de mais idade. Inclusive, respeitamos um horário de recolhimento de mesas e cadeiras, para o silêncio e descanso do bairro”, descreve Antônio.
 
Eduardo pontua que a característica de personalidade individual de cada loja segue as tendências dos seus consumidores. “A Alegrow do Bom Fim possui um perfil, a do Caldeira terá outro, a do Cais Embarcadero ainda outro. Essa ligação é fundamental, é uma reciprocidade que gera um ciclo virtuoso com a população que você faz parte”, conta.
 
A convite de estados como São Paulo e Brasília, a rede expandirá suas operações para fora do Rio Grande do Sul. Neste mês, a franquia inaugura uma unidade em São Paulo, na Faria Lima, com pretensão de crescer na capital paulista. Em Porto Alegre, mais unidades estão em fase de abertura. A Nilo Peçanha ganhará a primeira Alegrow cafeteria, enquanto no entorno da Redenção, na Osvaldo Aranha, as obras já começaram para mais um ponto, que foi concedido por meio de licitação. A previsão é de que a rede feche o ano com 17 unidades, podendo chegar até 20. Eduardo conta que o negócio surgiu em um momento em que a cidade passava por uma mudança na legislação.
 
Em reunião com a Secretaria de Desenvolvimento de Porto Alegre, áreas adotadas passaram a poder ser exploradas comercialmente - na Capital, áreas públicas como praças, canteiros, parques, passarelas e viadutos podem ser adotadas por meio do programa Seja Parceiro de Porto Alegre. Assim, a possibilidade de ocupação de espaços públicos se tornou um caminho para revitalização, devolvendo essas áreas à sociedade com condições adequadas de uso e segurança por meio de empreendimentos. “É benéfico ser 24h quando você se torna um ponto de apoio para aquele local, para aquele bairro, em emergências, em eventualidades. Existe um serviço social em estar aberto continuamente.
 
 
Além do Bom Fim, a Alegrow possui outros pontos 24h, incluindo aqueles localizados em postos de gasolina. O empreendedor acredita que existe uma demanda reprimida por estabelecimentos no formato na Capital, por motivos que vão além da segurança e passam também por questões culturais. Um ponto levantado é a aparente falta de negócios 24h em Porto Alegre, e poucos índices apresentam este cenário.
 
De acordo com o Empresômetro Market Map, uma spin-off do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), de 2019, o Rio Grande do Sul aparece entre os Estados com menos lojas de conveniência, enquanto o Sudeste lidera o mercado. “Acredito que a tendência é um aumento destas opções como um todo”, acredita Eduardo, pontuando que o modelo sempre envolverá variáveis financeiras, pois o negócio se torna mais oneroso, de viabilidade e de segurança.

Endereço da Alegrow

A Alegrow do Bom Fim opera na rua Irmão José Otão, n°320.

'Falta de concorrência gera oportunidades'

São poucos os empreendedores em Porto Alegre que resolvem apostar em operações que funcionam 24h. Para além dos serviços essenciais, como clínicas veterinárias, pet shops, postos de gasolina, entre outros, esse formato não é muito comum na capital gaúcha. De acordo com Patrícia Palermo, economista-chefe da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Rio Grande do Sul (Fecomércio-RS), esse cenário se deve à falta de demanda e à diminuição da população da cidade.

No censo mais recente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Porto Alegre e a Região Metropolitana tiveram uma redução populacional significativa. A Capital apresentou, no último levantamento (2022), menos 76,7 mil habitantes, sendo o quinto município que mais perdeu população em termos absolutos no Brasil e o 13º em termos proporcionais, com uma redução de 5,4%.

“Porto Alegre tentou uma operação 24h do supermercado Nacional, no Shopping Iguatemi, e não deu certo porque não havia procura. Esse tipo de operação, que funciona 24h, está altamente vinculada à ideia de um grande público”, afirma a economista.

Segundo Patrícia, esse formato costuma funcionar em grandes metrópoles, como São Paulo, onde pessoas circulam em horários não habituais, garantindo um público suficiente para manter o negócio aberto nesses períodos. “São Paulo, no horário comercial, já movimenta muita gente. Então, quando São Paulo dorme, a parcela que está acordada ainda é muito grande”, explica Patrícia, destacando que é necessário que a população desenvolva o hábito de consumir nesse período.

A economista alerta os empreendedores que decidem apostar nesse formato, já que as experiências mais recentes de grandes redes não deram certo, afirmando que existem muitos riscos envolvidos em uma operação dessa natureza. Apesar disso, ela destaca entre os benefícios, mais opções de consumo para os consumidores. “O empreendedor teria uma baixíssima concorrência. Essa é a grande vantagem”, ressalta.

Além da diminuição da população, o Rio Grande do Sul é um estado com um perfil mais envelhecido. De acordo com o Censo 2022 do IBGE, o Estado tem 115 idosos para cada 100 crianças, o índice mais alto do País. Esse fator impacta os hábitos e a cultura local, que prioriza o consumo em períodos diurnos. “Outra questão é o próprio costume. Enquanto as pessoas não entenderem que existem certas coisas que funcionam à noite, elas talvez não tenham impulso de consumo nesse momento”, reflete Patrícia.

A economista destaca que, mesmo em locais com potencial demanda, muitas lojas não abrem durante a madrugada. “No aeroporto, que tem movimentação, as lojas não abrem às três da manhã. Então, o primeiro lugar que a gente poderia pensar em operações funcionando na madrugada, muitas delas nem funcionam. Se você for na Renner às 4 horas da manhã no aeroporto, ela vai estar fechada”, exemplifica.

Patrícia pontua que, mesmo em locais com movimento, como o aeroporto, a demanda por consumo em horários noturnos é baixa. “As pessoas não veem necessidade de comprar uma roupa às 3 ou 4 horas da manhã, mesmo no aeroporto. Por isso, esses negócios não abrem. O movimento é tão pequeno que não justifica a operação naquele momento”, afirma.
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Patrícia também comenta sobre a experiência de clínicas particulares que começaram a oferecer horários alternativos para consultas, como no período noturno, fora do horário comercial tradicional.

“Quando minha filha era pequena, uma consulta pediátrica normal era feita em horário comercial. Isso significava que, se eu precisasse levá-la ao médico, teria que faltar ao trabalho. Em algumas clínicas particulares, começaram a oferecer horários alternativos, como consultas das 18h às 22h. Isso foi uma janela de oportunidade imensa, principalmente para quem tinha um custo alto para faltar ao trabalho”, relata.

No entanto, a economista ressalta que estender o horário de funcionamento para a madrugada é um passo muito maior, com custos operacionais elevados. “O custo de operação na madrugada é maior do que durante o dia. Além disso, há a dificuldade de encontrar pessoas disponíveis para trabalhar nesses horários”, explica.

Ainda assim, ela destaca que a falta de concorrência pode ser uma vantagem para quem decide investir nesse formato. “Se você tem uma necessidade de receita baixa para garantir o ponto de equilíbrio, isso pode ser viável”, afirma.

A segurança é um dos principais obstáculos para o sucesso de negócios 24h em Porto Alegre. Patrícia menciona que a violência é um fator que desencoraja a abertura de estabelecimentos por longos períodos. “O negócio precisa ter segurança para ficar aberto 24h. A violência é uma das coisas que mais prejudicam esse tipo de operação”, destaca.

Um exemplo emblemático é a tentativa de revitalização da Travessa Engenheiro Acilino de Carvalho, conhecida como Rua 24 Horas, no Centro Histórico de Porto Alegre. A ideia de transformar a travessa em um espaço comercial ininterrupto surgiu no final da década de 1990, mas nunca foi plenamente implementada.

Atualmente, apenas nove dos 19 pontos comerciais estão ocupados, e o local enfrenta problemas como piso esburacado, telhado quebrado e obras de revitalização paralisadas. A insegurança e o baixo movimento são as principais queixas dos comerciantes, que têm dificuldade para manter os estabelecimentos abertos.

A operação de negócios 24h em Porto Alegre enfrenta desafios significativos, embora existam oportunidades para empreendedores que queiram explorar esse nicho. Patrícia frisa que para que Porto Alegre possa desenvolver um mercado ativo nesse formato, é necessário investir em segurança, infraestrutura e mudanças culturais que incentivem o consumo em horários alternativos.