Cláudia Kolesar é a terceira geração da família croata no Mercado e a única a nascer no Brasil

Conheça a história da empreendedora por trás de uma das bancas mais antigas do Mercado Público de Porto Alegre


Cláudia Kolesar é a terceira geração da família croata no Mercado e a única a nascer no Brasil

Cláudia Mariana Kolesar está à frente da Flora Kolesar, uma das bancas mais antigas do Mercado Público de Porto Alegre. A empreendedora herdou a banca de seus pais, Desa e Mariano Kolesar, naturais da Croácia. Cláudia é a terceira geração da família no Mercado e a única a nascer no Brasil.

A família da empreendedora veio para o Brasil durante a Segunda Guerra Mundial, quando seu avô paterno deixou a Croácia, então parte da antiga Iugoslávia, e se refugiou na capital gaúcha. No mesmo período, ele comprou uma banca no Mercado Público, onde vendia sementes.

"Meu pai ficou no país dele. Era um herói de guerra, general da tropa de elite do ex-presidente da Iugoslávia. Ele chegou a ser preso e, quando conseguiu fugir, deram-lhe a opção de ir para a América do Norte ou para a América do Sul. Ele escolheu o Brasil para ir atrás do pai, meu avô", explica Cláudia.

Na época, Desa, mãe de Cláudia, estava grávida e não conseguiu deixar o país. "Quando minha irmã mais velha tinha cinco anos, ela e minha mãe vieram de navio para cá. Elas desembarcaram no porto de Santos (SP) e depois seguiram para Porto Alegre."
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Quando a mãe de Cláudia e sua irmã chegaram a Porto Alegre, na década de 1960, Mariano, pai da empreendedora, já estava à frente da banca. "Meu avô chegou a vender a banca junto com meu pai. Naquela época, o comércio era vendido junto com os funcionários. Quando meu avô faleceu, os novos donos ficaram com pena do meu pai e fizeram um acordo, passando a banca para ele."

Com 23 anos e sem falar português, Desa resolveu que era o momento de colocar a mão na massa. Ao lado do marido, passou a trabalhar na banca de sementes com a filha pequena. Apesar da dedicação, o negócio não prosperava, trazendo dificuldades para a família. A solução veio de um funcionário que, ao passear pelo Mercado, percebeu um grande movimento em uma loja de artigos religiosos. Sem consultar Desa, ele colocou velas de batismo na entrada da banca para atrair clientes.

"Quando minha mãe viu, disse que não ficaria na loja. Europeus, naquela época, tinham medo, não acreditavam nessas coisas. Mas, com o tempo, o movimento aumentou, e minha mãe começou a se interessar pelo negócio", relata Cláudia, que nasceu cinco anos depois da chegada de Desa ao Brasil. "Minha mãe já vinha grávida trabalhar. Só parou quando foi realmente me ter, em uma segunda-feira de Carnaval", detalha. Cláudia cresceu no Mercado Público, brincando entre as bancas e, desde pequena, demonstrava interesse em vender. O gosto pelo comércio era tanto que, aos 16 anos, seus pais a emanciparam para que pudesse entrar no quadro societário da banca.
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A empreendedora chegou a cursar Publicidade e Propaganda e Relações Públicas, estudando em um turno e trabalhando na banca no outro, para continuar acompanhando o empreendimento. "Poucos anos depois, meu pai faleceu e, então, minha mãe assumiu tudo. Meu pai comandava, mas minha mãe sempre foi a cabeça do negócio. Tanto que a palavra final sempre foi a dela", declara.

O trabalho dos pais permitiu que Cláudia tivesse o privilégio de estudar e viajar para o exterior. Apesar das experiências e conhecimentos adquiridos fora do País, sempre retornava ao Mercado. "Minha mãe dizia 'Se tu escolheres outra profissão, tu vais te ralar, porque aqui está o teu negócio'", lembra. Com o tempo, o negócio passou a ser mais do que apenas uma fonte de renda. "A religião foi algo muito interessante. Uma mãe de santo convidou minha mãe para conhecer seu terreiro. Minha mãe sempre respeitou, mas precisava ver para crer e viu", conta Cláudia, sobre a relação da família com religiões de matriz africana.

Segundo Cláudia, Desa era conhecida como a "madrinha do Mercado", e ser filha dela abriu muitas portas. "Posso te garantir que, todos os dias, chega um cliente falando sobre a minha mãe. Tudo o que tenho aqui, tudo o que aprendi, foi por causa dela", afirma. Desa faleceu aos 84 anos, após a pandemia de Covid-19.

"Minha mãe saiu da loja na pandemia. Na verdade, tivemos que tirá-la daqui. Esse período acabou com ela, pois era movida pela energia do trabalho", lembra Cláudia. Quando o comércio voltou a funcionar, Desa sofreu um acidente vascular cerebral, ficando com sequelas e impossibilitada de trabalhar. "Ela sentava em uma cadeira na frente da loja e ficava muito nervosa por não conseguir mais fazer o que sempre fez", conta.

Na época, Cláudia chegou a pensar em desistir, mas se lembrava do trabalho da mãe e do compromisso com os funcionários, que não poderiam ficar desassistidos. "O País estava em crise, eu estava de luto, a loja quase fechando as portas, mas meus colaboradores também tinham seus problemas, também tinham família, e eu devia isso a eles", acredita.

Além da pandemia, mais recentemente, Cláudia viu seu negócio ser atingido pelas enchentes de maio de 2024. A banca perdeu cerca de 90% da mercadoria e ficou fechada, tomada pela água, por 40 dias. "Ainda bem que minha mãe não estava viva para ver isso", reflete. Foi mais um momento de superação e de acreditar em dias melhores. "Recebia gente chorando na minha banca. Pessoas que tinham perdido, além de suas casas, seus terreiros. Eles escutavam a minha dor, e eu escutava a dor deles. E, assim, caminhamos juntos", conta.

Cláudia segue os passos da mãe, comandando a banca e enfrentando os desafios do negócio. "Tenho 59 anos e, há 59 anos, estou no Mercado Público", orgulha-se.


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