Em um mundo cada vez mais preocupado com sustentabilidade, a indústria da moda enfrenta desafios para reduzir seu impacto ambiental. Entre as soluções inovadoras que surgem, a Muush se destaca ao desenvolver um biotecido à base de micélio, uma alternativa ecológica ao couro animal. Criada dentro da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), a startup vem ganhando espaço no mercado ao transformar resíduos agroindustriais em um material sustentável e versátil.
A Muush nasceu a partir da inquietação de seu CEO, Antonio Carlos de Francisco, com a falta de aproveitamento de pesquisas acadêmicas na prática. Professor aposentado da UTFPR e especialista em economia circular e sustentabilidade, ele viu na startup a oportunidade de transformar conhecimento científico em impacto real. “Nós não queríamos mais ver teses e dissertações ficando na prateleira. Se desenvolvemos algo bom, isso tem que chegar à sociedade”, afirma.
A empresa surgiu dentro de uma incubadora universitária e, em outubro de 2023, tornou-se independente. Desde então, investe no aperfeiçoamento de sua tecnologia para a produção de biotecido de micélio, um material inovador que pode substituir o couro e outros tecidos sintéticos de alto impacto ambiental.
O biotecido da Muush é desenvolvido a partir de micélio – a estrutura vegetativa dos fungos – cultivado sobre resíduos agroindustriais, como serragem, borra de café e resíduos de cevada. Diferente do couro convencional, que exige processos químicos agressivos e o uso de metais pesados, o biotecido da Muush passa por um tratamento natural com taninos, substâncias extraídas de cascas de árvores.
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Além de ser biodegradável, o material tem aparência e textura similares ao couro animal, permitindo sua aplicação na moda, acessórios, móveis e, futuramente, no setor automotivo. “Nosso objetivo é criar um produto sustentável sem comprometer a qualidade e a durabilidade”, destaca Francisco.
A transição da produção laboratorial para escala industrial foi um dos principais desafios da Muush. No início, a empresa produzia apenas cinco metros de biotecido por mês. Com investimentos e aprimoramento dos processos, a capacidade chegou a 80 metros mensais em 2024 e, recentemente, foi ampliada para 200 metros.
O próximo passo da startup é investir em mecanização e automação para alcançar volumes ainda maiores. “Sabemos exatamente o que precisa ser feito para escalar a produção. A cada ajuste na planta, conseguimos aumentar a capacidade sem expandir a área construída. Esse aprendizado foi essencial”, explica Francisco.
Atualmente, a Muush já tem parcerias com marcas de moda para testes e desenvolvimento de produtos. Jaquetas, bolsas e até calçados feitos com o biotecido já estão sendo testados no mercado. A empresa também prevê expansão para o setor de móveis e, futuramente, para revestimentos internos na indústria automotiva.
A indústria da moda é uma das mais poluentes do mundo, responsável por cerca de 10% das emissões globais de gases de efeito estufa. O couro convencional, além de exigir altos volumes de água, libera resíduos químicos tóxicos. Em comparação, o biotecido da Muush reduz a pegada hídrica em 99,8%, utilizando apenas 31 litros de água por metro quadrado e emite 341% menos CO₂, com apenas 7,5 kg por metro quadrado produzido.
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Além disso, a startup adota um modelo de economia circular, garantindo que todo o resíduo gerado na produção tenha um destino sustentável. Os resíduos do biotecido são reaproveitados em outra empresa do grupo, a Manche, que os transforma em placas para isolamento térmico e acústico, além de urnas funerárias biodegradáveis. "Nosso compromisso é com uma produção que não apenas reduz o impacto ambiental, mas que não gera resíduos”, reforça Francisco.
De acordo com o CEO, o potencial do Brasil para liderar a inovação em biotecnologia aplicada à moda é enorme. O País está entre os que possuem a maior biodiversidade do mundo, o que possibilita o desenvolvimento de novos biomateriais a partir de resíduos da agroindústria. “O Brasil não pode se tornar um polo. O Brasil tem que se tornar um polo devido a biodiversidade que a gente tem”, analisa.