A gastronomia é parte importante da cultura de um local. Através dela, transmite-se experiências e tradições. Pensando nisso, empreendedores apostam em insumos típicos e formatos de negócios característicos de outras regiões do Brasil como diferencial para empreender em Porto Alegre. O paraense Reginaldo Pantoja, 65 anos, reside há 35 anos no Rio Grande do Sul e, agora, comanda a Brz Fruits, operação alocada no BarraShoppingSul que tem como objetivo apresentar frutas típicas da Amazônia para os gaúchos através de sucos, geleias, cremes e cachaças, e também como recheio e acompanhamento de tapiocas e empadas.
Natural de Mocajuba, no sul do Pará, Reginaldo veio para o Rio Grande do Sul em virtude de sua profissão. Graduado em Ciências Náuticas, o empreendedor atua no Porto de Rio Grande. O desejo de trazer para Porto Alegre um pouco de sua terra natal surgiu a partir de uma missão pessoal: valorizar os produtores locais. “Passo minhas férias na minha cidade, dentro da Amazônia. Como ribeirinho, devo muito a minha origem. Sempre frequentei escola pública e tinha que retornar algo para a Amazônia. Como moro no Rio Grande do Sul há 35 anos, achei que uma maneira de dar esse retorno seria conectar a Amazônia com o Rio Grande do Sul, meus dois amores. Devo tudo à Amazônia, onde nasci e me formei, e também devo tudo ao Rio Grande do Sul, onde me estabeleci, tenho meu emprego, sustento a minha família”, afirma.
Assim, começou a estruturar a fábrica da Brz Fruits em Belém do Pará. A indústria, ainda em desenvolvimento, recebeu investimento de R$ 21 milhões e tem como objetivo minimizar impactos ambientais, fazendo uso de energia renovável. “Imaginamos um modelo de negócio que traz direto os produtos da Amazônia para o Rio Grande do Sul e, no futuro, para o exterior. Não existe nenhum atravessador entre o coletor das frutas e o cliente final. Nosso modelo de negócio quer pagar o preço justo para o coletor de frutos da Amazônia, para que ele permaneça lá. A Amazônia é tão empolgante e tão bonita que realmente dá vontade de ficar. As frutas, o canto dos pássaros, a vida tranquila que se leva lá”, pontua Reginaldo, destacando a importância dos nativos para a preservação da floresta. “A Amazônia é sustentável, ela é capaz de se tornar extremamente próspera e rica, apenas coletando os frutos que a floresta oferece para gente, beneficiando os locais de maneira correta, pagando preço justo para o coletor, mantendo ele cuidando da Amazônia, porque só quem gosta da floresta, quem gosta de mosquito, é realmente capaz de manter a floresta sustentável, trazendo esse produto para o consumidor final. Só tem uma maneira: nós que nascemos na Amazônia nos abraçarmos na floresta”, avalia.
A operação no BarraShoppingSul recebeu aporte de R$ 1 milhão. No cardápio, um dos destaques é o açaí puro - adoçado apenas com banana e melado de cana, sem xaropes - que pode ser acompanhado de cremes de cupuaçu e bacuri, com valores que variam entre R$ 18,90 e R$ 33,90. Ainda, há opções de tapiocas doces e salgadas, empadas e sucos, todos com toques de frutas amazônicas. “O café é servido com cumaru, uma sementinha de sabor bem acentuado, conhecida como a baunilha amazônica”, conta.
Um dos pilares da Brz Fruits é tornar os frutos da região Norte conhecidos em diferentes pontos do País. “Agora é muito popular o cupuaçu, mas vamos começar aos poucos a introduzir o bacuri, o taperebá, jenipapo e outras frutas da Amazônia que são extremamente deliciosas para as pessoas sentirem o sabor, o cheiro de uma fruta orgânica, produzida pela selva, que não é plantada”, afirma o empreendedor, ressaltando a cadeia de produção das frutas como um diferencial. “Temos que catequizar não só os gaúchos, mas outras comunidades sobre os sabores da Amazônia. Essas frutas não são plantadas pelo homem. A castanheira demora 50 anos para dar frutos, o bacuri leva em torno de 70 anos, o cupuaçu já é possível plantar, mas ele demora também. O açaí mais saboroso não é o plantado, é o nativo da beira dos rios, que é exatamente o que usamos aqui”, explica.
Apesar dos mais de 3 mil quilômetros que separam o Pará do Rio Grande do Sul, Reginaldo vê afinidades entre os estados e garante que são essas semelhanças que o incentivaram a empreender. “Tanto o gaúcho quanto o paraense são muito apegados a sua terra, tem muito orgulho. Aqui, a maneira como se produz na terra retrata muito o Pará. Tomo chimarrão e vejo o quão a sério o gaúcho leva o ritual, que é onde começa a conversa e a amizade. O paraense convida para tomar um açaí. A palavra açaí significa um convite para a gente conversar, estreitar os laços de amizade através de uma coisa comum a todos, como o açaí e o chimarrão”, compara.
Bar aposta em culinária baiana e em bebidas que unem Nordeste e Sul
O amor pela comida típica baiana e pela cervejaria artesanal uniu as empreendedoras Jéssica Alberton, que administra o restaurante Oxênte Mainha, Michelle Vieceli, empreendedora da cervejaria Daluz, e Raquel França, que está à frente da cervejaria Sinapses. A parceria das produtoras de bebidas locais com a cozinha nordestina de Jéssica gerou o Barril Dobrado (@barrildobrado.brewpub). O novo restaurante aposta no "melhor dos dois mundos", como dizem as empreendedoras, e está localizado no Artsy, espaço multicultural do bairro Cidade Baixa.
Barril dobrado é uma expressão muito usada na Bahia e pode levar significados distintos a depender do contexto, mas, sobretudo, refere-se a algo muito bom. Este foi o conceito escolhido pelas empreendedoras, que abriram o bar no início de novembro. Recheado de elementos que remetem à cultura nordestina, o Barril Dobrado aposta na valorização da gastronomia e identidade regional.
Com todos os insumos utilizados vindos diretamente do Nordeste, o Barril Dobrado oferece um cardápio que vai do acarajé e abarás até o típico pirão de macaxeira baiano. Nas bebidas, o bar conta com sete torneiras de chope, sendo uma delas colaborativa entre as cervejarias. De acordo com Michelle e Raquel, o empreendimento irá lançar quatro novas cervejas por ano, e a única regra é que a receita contenha ingredientes da região nordestina. A primeira novidade da casa é a Fruit Beer, que leva morango, graviola e pimenta.
Jéssica já administrava o restaurante de comida baiana Oxênte Mainha, que ocupava o local que hoje leva o nome de Barril Dobrado. O negócio é uma homenagem à mãe da empreendedora, que também tem o preparo das receitas como profissão. Falando da parceira, Michelle pontua a força de Jéssica. "Ela é resistência aqui no Sul. Empreender é difícil, sendo de outro estado, é ainda mais. Com uma comida típica, com receitas preparadas exatamente como na Bahia, ela seguiu até aqui", conta.
Segundo Michelle, a identificação aconteceu assim em que as três empreendedoras se conheceram. À frente da cervejaria Daluz, Michelle fornecia o chope, que é produzido no bairro Sarandi, para o restaurante de Jéssica. Raquel trabalhava em sua própria cervejaria, a Sinapses, também produzida na fábrica de Michelle.
A Sinapses é uma cervejaria independente cigana, que não possui local próprio para fabricação. A empreendedora é pedagoga e o negócio surgiu há três anos, com a união firmada com outra professora, Luana Fonseca, que dá aulas de português, além de seu marido, João Motta. "Iniciamos como cervejeiras caseiras, que são aquelas pessoas que se apaixonam pela cervejaria artesanal, estudam e começam a produzir", conta Raquel. Em 2023, a cervejaria Sinapses ganhou o concurso Mulher Cervejeira, da cervejaria artesanal BIERINBOX, de São Paulo. O que, de acordo com a empreendedora, foi o impulso necessário para que a cervejaria esteja hoje nesta parceria.
Elas contam que a experiência de empreender focando na valorização de uma cultura específica está para além do cardápio. "O pessoal interage e aproveita o lugar, é algo muito novo para nós esse movimento. Estamos bem encantadas", descreve Raquel. A empreendedora Michelle complementa dizendo que o sentimento vem desde o dia da inauguração "Está tudo sendo foi muito bom, vimos esse lugar cheio de pessoas. E os nossos domingos estão sendo tão bonitos, as pessoas estão aderindo ao espaço", conclui.
Aos domingos, o bar possui uma programação especial: tradição no Nordeste, o final de tarde do Barril Dobrado conta com música ao vivo e acarajé, com o propósito de reunir a clientela para apreciar o pôr do sol. Para o futuro, elas planejam eventos de música ao vivo todas as sextas-feiras. Em dezembro, o Barril Dobrado organizará uma feijoada baiana. O evento será fechado, com ingressos antecipados, e contará com roda de samba e direito à caipirinha do local.
Além dos chopes, a carta de drinks também leva ingredientes regionais, assim como os espumantes, que são produzidos no Vale do São Francisco. Os vinhos da casa ficam por conta da marca Somm, que produz bebidas com cepas do Sul e do Nordeste.
Comandando bar há 13 anos na Cidade Baixa, empreendedora do Rio de Janeiro recebe título de cidadã de Porto Alegre
O Porto Carioca Bar completou 13 anos em 2024. O bar, localizado na rua República, na Cidade Baixa, é comandado por Joicy Keila Gama Modesto, que chegou em Porto Alegre há 18 anos. Nascida em Belford Roxo, na Baixada Fluminense, no Rio de Janeiro, a empreendedora resolveu apostar no negócio cinco anos após chegar na capital gaúcha.
Desde o início, a ideia do bar é trazer um pouquinho do Rio de Janeiro para Porto Alegre, através de um atendimento acolhedor e petiscos que lembram a Cidade Maravilhosa. “Quando conheci a Cidade Baixa, ela estava no auge. Anos atrás, a parte mais movimentada do bairro não era aqui, mas sim na João Alfredo, porém achei esse ponto na República”, lembra.
Na época, a empreendedora trabalhava em lojas de varejo e acreditava que empreender mudaria o rumo da sua vida. Com ajuda da ex-sogra, ela conseguiu abrir o negócio. “Meu ex-marido achava que daria errado, porque o pessoal é muito bairrista e não aceitaria muito bem a ideia. Em seis meses de operação, comprei meu primeiro carro”, destaca.
De acordo com Joicy, desde o início, o público sempre elogiou o atendimento do local. O pequeno bar é tomado por referências da Cidade Maravilhosa. Os arcos da Lapa, o Malandro - uma das entidades mais populares das religiões de matriz africana - foram ilustrados nas paredes pela irmã de Joicy. Além disso, mosaicos, placas e lembranças do Rio decoram o espaço.
O carro-chefe é a cerveja, mas o local também oferece drinks. Na gastronomia, os petiscos para compartilhar são destaque. Panquecas, batata frita, bolinho de feijão, pasteis e sanduíches são alguns dos quitutes que compõem o menu. Recentemente, Joicy recebeu pela Câmara Municipal, através de uma lei de autoria da vereadora Atena (PSOL), o título de cidadã de Porto Alegre. “Eu me sinto abraçada por Porto Alegre, desde quando cheguei aqui até hoje”, diz a empreendedora.