O Dia Nacional da Consciência Negra, celebrado em 20 de novembro, homenageia Zumbi dos Palmares, símbolo de resistência e líder do Quilombo dos Palmares, morto em 1695. A data foi idealizada por ativistas como Oliveira Silveira, poeta e escritor gaúcho que dedicou sua vida à valorização da cultura negra no Brasil. Entre seus feitos, destaca-se a fundação do Grupo Semba, em 1979, que promovia a cultura afro-brasileira por meio de manifestações artísticas como dança, música e samba de roda.
Passados 45 anos, a comunidade negra de Porto Alegre segue na luta por valorização e pertencimento, especialmente em espaços que exaltam a cultura afro-brasileira. O samba, que já foi criminalizado por sua estética negra, hoje é símbolo de resistência e também de oportunidade. Celebrado como forma de entretenimento e expressão cultural, tornou-se um importante negócio, movimentando a economia e gerando empregos para quem aposta no ritmo como meio de sustento e empreendedorismo. Entre tantos negócios, o Samba de Rei (@sambaderei) é uma das marcas que se destaca. Em novembro, o projeto completa um ano e já atraiu mais de 28 mil pessoas.
À frente da iniciativa estão os sócios Carlos Henrique Guimarães (Sok), Elias Pedroso (Dog), Leonardo Brito (Nards), Douglas de Azevedo (Dodo) e Diego Medeiros (Diga). Entre os empreendedores, existia o desejo de frequentar um samba exatamente como o evento que oferecem atualmente. "A maioria de nós está na faixa dos 40 anos, e alguns já passaram dessa idade. Não abrimos mão de conforto, de bom atendimento e de um ambiente seguro", conta Nards. A partir da carência de espaços como esse, surgiu o Samba de Rei, em agosto de 2023. O primeiro evento realizado pelos sócios ocorreu em novembro, no clube Grêmio 7 de Setembro, no Centro Histórico .
Alguns dos sócios já tinham experiência com o empreendedorismo. Sok tem uma empresa que comercializa produtos personalizados e foi o responsável pela identidade visual do projeto, um dos diferenciais do evento. "A ideia era começar pequeno, com um evento para 300 pessoas. Cada um deu R$ 250,00 apenas para fazer as camisetas da marca", lembra Sok. Já na primeira edição, 900 ingressos foram vendidos. Segundo os empreendedores, já nesse primeiro momento, as pessoas se surpreenderam com a estrutura do evento, que contava com garçons, caixa móvel, decoração e segurança. "Me lembro que o público comentava: 'era isso que a gente falava, era isso que precisávamos'. Ali, cativamos um público", destaca Nards. "Nós entregamos para o povo preto um bom atendimento, algo que eles não estavam acostumados a ter. Acho que esse foi o grande diferencial: cuidar de nós mesmos, do nosso povo", completa Sok.
Já na segunda edição, os sócios precisaram buscar um local maior e realizaram alguns eventos na Fábrica, no 4º Distrito. Com a ideia de homenagear os sambistas locais, o Samba de Rei passou a crescer a cada edição, convidando para a roda de samba os melhores músicos da Grande Porto Alegre. A ideia de homenagear, em vida, quem participa da história do samba do RS partiu de Dodo, e, de acordo com os sócios, isso agregou ainda mais valor ao evento. "Foi uma entrega de todos. Desde a primeira edição, houve uma dedicação e uma união muito boa. E quando o público começa a cantar e responde, ele nos entrega tudo de volta", afirma Dodo.
Carlos Medina, Sandro Ferraz, Alemão Charles do Cavaco, e Tio Paulo estão entre os sambistas já homenageados pelo projeto. Cada um ganhou uma bandeira no Samba de Rei. "Normalmente, quem organiza as rodas de samba homenageia sambistas de fora, como Arlindo Cruz, Jorge Aragão, Beth Carvalho. Começamos a fazer diferente", comenta Nards.
A virada de chave ocorreu no Natal, quando, em parceria com um tradicional samba da Capital, o Natal do Lu, os sócios sentiram a potência do público e perceberam que era o momento de apostar em espaços maiores, levando o Samba de Rei para a quadra da Saldanha. De acordo com eles, o evento, que antes recebia cerca de 800 pessoas por edição, passou a receber mais de 2 mil. Com o novo local, o projeto precisou ser adaptado.
Anteriormente, as edições ocorriam aos sábados à noite, mas, respeitando a identidade da quadra, passaram a ocorrer aos domingos, a partir das 12h. "Nesse momento, a gente não atende mais uma faixa etária específica. Vira um samba para a família", destaca Nards.
O Samba de Rei emprega, por evento, cerca de 150 pessoas, além de movimentar os comércios e ambulantes ao redor da Saldanha. Em um ano, a marca registrou um público de 28, 5 mil pessoas. "Por já estarmos inseridos há algum tempo na cena, percebemos que a cultura do samba estava um pouco negligenciada em Porto Alegre. Samba de qualidade tem em muitos lugares, mas com uma estrutura ruim, com entrega precária. A gente viu uma oportunidade nisso", explica Diga.
Entre os desafios, os sócios citam que, quanto maior o público, mais desafiadora se torna a logística do evento. De acordo com eles, nas primeiras edições, cerca de quatro pessoas eram responsáveis pela higienização dos banheiros durante o evento, enquanto, hoje, são 14 profissionais. Além disso, a cada edição, é necessário contratar banheiros químicos para atender a demanda.
Durante o inverno, devido às baixas temperaturas e chuva, o Samba de Rei se torna itinerante, e uma de suas edições ocorreu no Lindóia Tênis Clube. "Para muitas pessoas, frequentar esse espaço era algo distante. A partir de nós, essa galera tem acesso a esses espaços. Foi uma edição memorável", observa Diga.
Além disso, o Samba de Rei foi o primeiro samba realizado no espaço do Parque de Exposições Assis Brasil, em Esteio. Os sócios já receberam convites para levar o evento à Serra Gaúcha, à Região Sul do Estado, entre outros locais. "Tem convite, mas um passo de cada vez. Estamos nos preparando para isso, quem sabe virar uma Tardezinha", comenta Nards.
Com projeto itinerante, samba de raiz é levado para diferentes pontos da Capital
Foi em 2021 que o músico Thiago Ribeiro resolveu criar a roda de samba itinerante Thiago Ribeiro & Amigos. Com foco em samba de raiz, o grupo toca em bares e restaurantes espalhados por Porto Alegre, assim como em eventos públicos e privados.
Natural do bairro Petrópolis, em Porto Alegre, Thiago é músico desde os 15 anos e conta que se apaixonou pela arte por conta da família e amigos. Durante sua carreira, ele passou alguns grupos e projetos musicais focados em samba.
Thiago canta e toca cavaco e, por conta disso, ele geralmente é o intérprete dos grupos que participa. Assim, com o tempo, o empreendedor passou a nutrir a vontade de ter um projeto encabeçado por ele. Foi aí que, em 2021, a ideia saiu do papel e a roda de samba Thiago Ribeiro & Amigos foi criada.
"Sempre tive essa essência de samba de raiz na minha família e no bairro onde me criei, então sempre almejei viver de música", explica Thiago
O grupo passou a tocar no Armazém do Campo, empreendimento que era localizado na Cidade Baixa e, segundo Thiago, o sucesso foi quase instantâneo. O destaque foi tanto que até algumas celebridades apareceram para prestigiar o trabalho do grupo.
"Deu super certo nosso trabalho, o pessoal comprou a ideia. Tivemos várias situações inusitadas por ali. O Jorge Drexler já tocou com a gente. O Chico Pinheiro foi lá curtir nosso som, a Denise Fraga fez uma participação também", afirma Thiago.
Outro ponto de destaque em sua caminhada foi o Samba do Quintana. O evento, que desde junho de 2023 acontece no primeiro domingo do mês, transforma o primeiro andar da Casa de Cultura Mário Quintana em uma grande roda de samba e conta com o Thiago Ribeiro & Amigos para animar a festa.
Projetos assim fazem Thiago ficar otimista acerca da cena do samba porto-alegrense. Mesmo não sendo conhecido como um grande polo cultural, ele garante que é possível empreender com a cultura na capital gaúcha.
"Quero ficar em Porto Alegre. Pretendo ir, me aventurar em outros lugares, mas depois voltar. Acho que temos bastante público, os bares compraram nossa ideia e, graças a Deus, onde tocamos tem casa cheia", celebra Thiago.
Com um pouco mais de três anos tocando com Thiago Ribeiro & Amigos, o empreendedor se sente realizado com o projeto. Segundo ele, o grupo faz, em média, 6 a 7 shows por semana, o que permite que Thiago trabalhe exclusivamente com música.
"É muito gratificante. Sempre que eu saio para tocar é garantia de que eu vou me divertir. Minha companheira me disse que eu estava no melhor momento da minha vida. Pelo lado empreendedor, me permite salvar o meu financeiro e o dos meus amigos com um trabalho que é muito prazeroso. É sensacional", orgulha-se Thiago.
Além de shows em bares e restaurantes, grupo Thiago Ribeiro & Amigos também toca em eventos privados e eventos corporativos. Para shows, parcerias e mais informações, acesse o Instagram (@thiagorlsamba).
Negócio familiar celebra cultura e religião afro-brasileira
No alto do morro Santo Antônio, na rua Caldre Fião, nº 346, encontra-se o Espetinhos JP, um bar que combina samba e pagode, churrasquinho e fé. O empreendimento é liderado pelo casal Débora e Thiago Machado.
A trajetória do Espetinhos JP começou com Thiago, ex-jogador de futebol. No fim de sua carreira esportiva, ele enfrentou um desafio. "Eu não tinha dinheiro, não tinha me preparado financeiramente para o fim da minha carreira profissional, mas eu tinha muita força de vontade", lembra. Sem um planejamento financeiro sólido para a aposentadoria, ele decidiu agir. "Na frente da casa dos meus sogros tinha uma garagem parada e eu pedi para eles cederem o espaço para eu montar uma lavagem de carro. Começou assim." Paralelamente, ele vendia cerveja e churrasquinho como ambulante em jogos de futebol.
A ideia dos espetinhos surgiu de forma despretensiosa. Primeiro, Thiago começou a oferecer bebidas para os clientes da lavagem de carros. No fim da tarde, preparava espetinhos para complementar a renda. Foi ali, em 2016, que nasceu o embrião do Espetinhos JP. "A gente tinha uma banda, a 2+1, só eu e dois amigos fazendo um som enquanto a galera bebia e comia", relembra. Fim de semana após fim de semana, mais pessoas estacionavam seus carros para ouvir o samba e curtir o clima descontraído.
Porém, o espaço improvisado começou a ficar pequeno e tomar conta da rua, o que levou Thiago a buscar um local maior. Em 2017, ele alugou um ponto próximo à garagem dos sogros e inaugurou oficialmente o Espetinhos JP.
De acordo com o empreendedor, a fé sempre foi um dos pilares do negócio. "E eu sou devoto do Zé Pelintra. Acreditei e pedi tudo que recebemos", conta Thiago, que construiu um altar para o Exu e para Santo Antônio, na esquina em frente ao bar, revitalizando o local. Apesar de episódios de depredação no início, o altar segue de pé.
Em setembro de 2023, um temporal destruiu o primeiro endereço do Espetinhos JP, gerando um prejuízo de R$ 200 mil. Mesmo diante da adversidade, os sócios seguiram em frente, alugando um novo espaço na mesma rua para dar continuidade ao sonho. O plano é dividir o empreendimento em dois locais após a conclusão da reforma do antigo endereço, um dedicado aos shows e outro para um ambiente mais tranquilo de conversa e refeição. Mais informações no Instagram @jpespetinhos.