O Brasil, aos poucos, está envelhecendo. Segundo o IBGE, entre 2012 e 2021, a população sênior do País cresceu de 11,3% para 15,1%, ou seja, de 22,3 milhões passou a ter 31,2 milhões de pessoas com mais de 60 anos. O Rio Grande do Sul, especificamente, não desafia essa lógica: cerca de 17,1% do povo gaúcho é idoso. São pessoas com desejos, demandas e vontades próprias, que muitas vezes não são lembradas pelas empresas. Neste contexto, existem empreendedores que reconheceram esse fenômeno e não perderam tempo para explorar este nicho.
Um desses empreendimentos é a Ciclos+, escola cultural e artística focada no público sênior. Encabeçado por Juliana Enderle e Cristiano Cunha, o negócio busca ser um espaço de aprendizado e socialização para idosos. A escola iniciou as atividades durante a pandemia, em 2020, com 15 alunos online e, atualmente, conta com mais de 100 alunos em atividades presenciais.
A ideia de comandar uma iniciativa focada no público 60+ surgiu em 2019, de maneira orgânica. Cristiano já havia trabalhado na área da educação para o público idoso e Juliana é designer e tinha experiência na área comercial, portanto, a dupla juntou suas expertises para criar um negócio. "Queria montar um coworking para o público do design de interiores e o Cris queria montar uma escola para o público sênior. Alguém em comum nos apresentou e decidimos nos juntar", lembra Juliana.
Assim, a ideia inicial era atender uma grande variedade de públicos. Nesse primeiro momento, a Ciclos ofereceria, além de aulas para idosos, mentorias para jovens designers de interiores. No entanto, a ideia teve que mudar de rumo com a chegada da pandemia de Covid-19. Com tudo fechado por conta das restrições sanitárias, a dupla teve de focar exclusivamente em oferecer aulas, que seriam ministradas de maneira online.
Para isso, entraram em contato com os antigos alunos de Cristiano, que já havia ministrado um curso de História da Arte para o público sênior. Assim, em 2020, a primeira turma da Ciclos foi criada com 13 pessoas, através do Zoom.
A primeira experiência foi um sucesso e a dupla decidiu adicionar a disciplina de Filosofia no curso, com um novo professor. No ano seguinte, mais uma expansão: três disciplinas faziam parte da grade da Ciclos.
Em 2022, com a transição para as aulas presenciais, quatros disciplinas passaram a ser oferecidas para os alunos. Atualmente, a escola oferece nove cursos - Filosofia, História da Arte, Música, Inglês, Laboratório de Criação, Meio Ambiente em Pauta, História Geral, Estudos Sociais e Literatura - e conta com mais de 100 alunos.
"Uma coisa que percebi foi que, nas primeiras aulas, os alunos só abriam o áudio. Na segunda semana, já abriam a câmera. Depois, já estavam se arrumando, dizendo qual perfume estavam usando. Percebemos que tinha algo além de dar aula. Era um momento de socialização, de aumento de autoestima", pondera Cristiano.
Esse espaço de socialização que a Ciclos+ oferece pode ser raro para muitas pessoas desta faixa etária. A importância deste tipo de interação foi percebida por Juliana e Cristiano, que fazem de tudo para que seus alunos tenham a melhor experiência possível. Assim, são organizados saídas de campo, eventos e confraternizações. "Fazemos visitas em museus, galerias, exposições de arte, teatro. Fazemos confraternização dos aniversariantes do mês. Ano retrasado fomos para o Rio de Janeiro, ano passado e este ano vamos para São Paulo. Sempre é uma viagem cultural, turística e gastronômica. Queremos sempre promover experiências que tragam essa vivacidade e convivência", explica Cristiano.
Pensando em melhorar a experiência dos alunos, Cristiano e Juliana levam em consideração as demandas do público. "As próprias disciplinas que a gente oferta são embasadas na demanda deles. 'Tenho curiosidade em saber coisas sobre cinema', 'tenho curiosidade sobre sociologia', 'psicologia', enfim, eles trazem muita coisa.", conta Juliana. As aulas são ministradas de segunda a quinta, das 14h às 17h30min, na sede da Atitus Educação, na rua Dona Laura, n°1020. Mais informações no Instagram (@ciclos.mais).
'São 1,8 milhão de idosos só no RS. Temos que atender melhor este consumidor'
O público 60+ representa 17,1% do povo gaúcho e consome cerca de 8,4 bilhões por ano, segundo pesquisa
Com mais de 1,8 milhão de pessoas, os idosos representam 17,1% da população do Rio Grande do Sul, segundo o Sindilojas Porto Alegre. De acordo com a mesma pesquisa, eles movimentam cerca de R$ 8,4 bilhões anualmente. Mesmo tendo um papel relevante em nossa sociedade, o público 60 ainda sente dificuldade de encontrar produtos e serviços pensados exclusivamente para ele. É o que conta Ana Paula Rezende, especialista em estratégia e competitividade no Sebrae-RS.
"Uma pesquisa do CDL Porto Alegre mostra que 51% desse público diz ser difícil encontrar produtos específicos. Isso vai desde a área dos alimentos, como produtos especiais sem lactose, ou com uma embalagem mais fácil de abrir, até coisas como bares e restaurantes adequados a eles. Por que não ter um café, ou casa noturna adequada para o público 60 ?", explica Ana.
A especialista acredita que existem inúmeras possibilidades para empreender com foco no público sênior. Segundo uma pesquisa do Sebrae, as pessoas 60+ possuem inúmeras demandas de serviços, dos mais diferentes segmentos, que podem ser atendidas por micro e pequenas empresas do Rio Grande do Sul. Entre eles, alimentos, bebidas, moda e beleza, turismo, tecnologia, cultura, lazer, saúde, entre outros.
"O público sênior possui desejos, preferências e necessidades específicas. Tem várias oportunidades para focar nesse segmento, tanto para empresas mais tradicionais como para startups. Temos que ter um olhar para esse público. São 1,8 milhão de idosos só no Rio Grande do Sul, temos que atender melhor este consumidor", afirma Ana.
Outro ponto enfatizado por ela é o descontentamento do público 60 com o atendimento. Segundo a especialista, muitos empreendedores não dão ênfase a esses consumidores, o que resulta na falta de tratamento adequado.
"Pode acontecer por muitos motivos. Ou porque acham que o idoso não consome, ou acham que aquele produto não é para eles. É preciso criar aquela empatia, o cliente precisa saber que o produto é para ele", pondera Ana.
Além de potenciais consumidores, é muito comum pessoas de mais de 60 anos se tornem empreendedores após a aposentadoria. Segundo a pesquisa realizada pelo Global Entrepreneurship Monitor (GEM) em 2022, ocorreu um aumento na taxa de empreendedores seniores no País. Além disso, segundo o Ipea, estima-se que até 2040, metade da força de trabalho no Brasil terá mais de 50 anos.
"Se a pessoa se aposentar com 60 anos, ela ainda é nova. Então, ela pode querer voltar para o mercado de trabalho, não só por necessidade, mas também por oportunidade."
São inúmeros os fatores que pode levar o público sênior a empreender. Segundo Ana os dois principais são a realização de metas, mas também a necessidade de se manter no mercado de trabalho.
"Um dos motivos é o sonho. 'Sempre sonhei em ter uma cafeteria ou uma livraria e, agora, com mais sabedoria, tempo e dinheiro, eu consigo'. Mas também existem - e são a maioria - as pessoas que têm a necessidade complementar a sua renda, pois são responsáveis pelo sustento da família", explica.
Empresa aproxima público 60+ da tecnologia
Foi em uma viagem para Alemanha que nasceu a Integrar Gerações, empresa que completou 10 anos em 2024. Ao visitar o país europeu em 2013, o professor e palestrante Guilherme Menezes se impressionou com a quantidade de pessoas com mais de 60 anos no mercado de trabalho.
Ao voltar ao Brasil, Guilherme percebeu que países como Portugal e Espanha já estavam se preparando para atender esse perfil de consumidor, com suas peculiaridades e demandas específicas. "Pesquisei o que acontecia no Brasil e vi que aqui ainda estávamos muito ligados à questão da saúde das pessoas mais velhas. 'Para envelhecer com saúde era necessário fazer esporte e se alimentar bem'. E isso era diferente do que estava acontecendo lá fora", relembra Guilherme.
Ao voltar ao Brasil, Guilherme percebeu que países como Portugal e Espanha já estavam se preparando para atender esse perfil de consumidor, com suas peculiaridades e demandas específicas. "Pesquisei o que acontecia no Brasil e vi que aqui ainda estávamos muito ligados à questão da saúde das pessoas mais velhas. 'Para envelhecer com saúde era necessário fazer esporte e se alimentar bem'. E isso era diferente do que estava acontecendo lá fora", relembra Guilherme.
Assim, o empreendedor começou a pesquisar e descobriu uma demanda específica. Ele conta que, em 2013, o Brasil tinha uma alta taxa de analfabetismo digital do público idoso. Com isso, ele percebeu a oportunidade criar um negócio, assim como uma iniciativa de impacto social.
"Em 2014 comecei com a Integrar Gerações, como um espaço de aprendizagem e tecnologia do público idoso. Estamos em 2024 e a Integrar Gerações segue funcionando com o objetivo de incluir digitalmente o público idoso", orgulha-se Guilherme.
"Em 2014 comecei com a Integrar Gerações, como um espaço de aprendizagem e tecnologia do público idoso. Estamos em 2024 e a Integrar Gerações segue funcionando com o objetivo de incluir digitalmente o público idoso", orgulha-se Guilherme.
Inicialmente, o empreendimento funcionava como uma escola. Eles tinham uma sede, onde os cursos eram ministrados. Porém, por conta da pandemia da Covid-19, o modelo de negócios teve que ser alterado.
"Nosso público corria o maior risco. Aí tivemos que fechar o espaço e alterar o modelo de negócio", explica Guilherme. Atualmente, o empreendimento atende grupos de idosos espalhados por Porto Alegre e região metropolitana, sejam eles sindicatos, associações, igrejas, empresas que buscam fidelizar o o publico sênior, entre outros. Assim, eles são contatados e oferecem palestras, oficinas e atividades que podem durar até quatro meses.
Guilherme ainda enxerga muita demanda para o seu serviço. Segundo ele, muitas empresas o procuram pensando em capacitar seus funcionários mais velhos, para que eles possam se manter no mercado de trabalho.
Guilherme ainda enxerga muita demanda para o seu serviço. Segundo ele, muitas empresas o procuram pensando em capacitar seus funcionários mais velhos, para que eles possam se manter no mercado de trabalho.
"Nossa ideia é capacitar esses colaboradores para que eles possam se manter empregáveis esse um papel muito forte nosso. Muitos alunos, geralmente acima dos 60 anos, até sabem usar, mas se limitam a coisas como o WhatsApp. E sabemos que a internet é muito mais que isso", pondera Guilherme.
Além disso, o empreendedor explica que capacitar tecnologicamente o público sénior é um interesse de todos, tanto dos funcionários, quanto das empresas. Isso acontece porque, além de colaboradores, pessoas com mais de 60 anos também são consumidores, e estar conectado na internet abre uma nova possibilidade.
"Tudo acontece na internet. A empresa está no Instagram, tem uma página, aparece no Google, e até vende online. A pessoa com mais de 60 anos, estando conectada, também se torna um consumidor", explica. Além disso, a Integrar Gerações oferece um curso com foco em empreendedorismo sênior e empregabilidade.
"Hoje, vivemos mais. Se vivemos mais, precisamos de um sustento por mais tempo. Então, se para se tornar um empreendedor, ou se manter no mercado de trabalho, é preciso compreender um novo modelo, e buscamos ensinar a eles", explica Guilherme.
Para mais informações, entrar em contato através do site da empresa ou no Instagram (@integrar_geracoes).
Empreendedora organiza viagens para idosos
Foi pensando em unir saúde com turismo que a empreendedora Rita Longarai percebeu uma oportunidade de negócio. Professora de educação física especializada no público 60+, Rita desenvolveu uma relação próxima com seus alunos. Com o tempo, percebeu que organizar viagens em grupo era uma demanda daquele público. Assim, ela criou a Viagens 50+ Rita Longarai, uma agência de viagens que organiza excursões estaduais, nacionais e até mesmo para fora do país para idosos.
O primeiro contato de Rita com o público sênior foi em 1998. A empreendedora, que na época trabalhava exclusivamente como professora de educação física, fez um curso voltado ao público mais velho e se apaixonou pela área. Assim, Rita criou uma turma de educação física que, incialmente, tinha 12 alunos, mas que, segundo a empreendedora, rapidamente cresceu de maneira significativa. Assim, ela decidiu se aprofundar ainda mais na área e fez mais cursos de cuidador de idosos e passou a estudar gerontologia.
Certo dia, uma de suas colegas no curso de gerontologia fez uma proposta que mudaria o rumo da carreira de Rita. "Ela tinha um primo que era dono de um restaurante em Sapiranga e me chamou para levar o meu grupo para comer lá. Topei, fomos e foi um sucesso. Foi aí que percebi que esse negócio dava dinheiro", lembra Rita.
Assim, ela seguiu com seus grupos de atividade física e, a partir deles, montava grupos de turismo. Com o tempo, a demanda foi subindo e as viagens viraram frequentes. Assim, surgiu a necessidade de legitimar o negócio e Rita fez um curso de turismo. Mesmo com seu empreendimento no mundo do turismo bem estabelecido, Rita segue trabalhando como professora de atividade física. Segundo ela, é um meio de conhecer e ganhar a confiança dos seus clientes. "É muito mais fácil criar um roteiro de viagem para uma pessoa que te conhece e confia em ti", explica a empreendedora.
Os destinos são variados. Viagens para o interior do Rio Grande do Sul são bem comuns, assim como outros destinos, como estados do Norte e Nordeste do País. Rita conta que leva muito em consideração a vontade dos seus clientes e, por conta disso, já visitou todas as capitais dos estados do Nordeste e, agora, tem focado nos estados do Norte. A empreendedora conta que já coordenou excursões para outros países da América do Sul, como Chile e Colômbia. Além disso, todas as rotas são adaptadas para o público 50+. Assim, ela faz de tudo para suas viagens terem menos caminhada e evita ao máximo pegar a estrada durante a noite.
Rita ressalta que não organiza seu negócio exclusivamente por dinheiro. Segundo a empreendedora, trabalhar com o público 60+ tem um fator social muito importante. "Sempre gostei muito de trabalhar com essa faixa etária, nunca foi só uma oportunidade de negócio. Tem toda uma satisfação em ver aquela senhora que por muito tempo foi só dona de casa, que viu os filhos crescerem e está parada sem saber o que fazer, sair de casa, fazer uma atividade física e andar pela primeira vez de avião. É algo muito gratificante. Isso me me fascinava e me fascina até hoje", emociona-se Rita.
Outro ponto muito enfatizado por Rita são as oportunidades que seu negócio oferece para sua clientela. Segundo ela, a Viagens 50+ oferece algo único, que muitos dos seus clientes nem acreditavam que ainda poderiam ter. "A única coisa que a gente leva dessa vida são os nossos relacionamentos, os nossos afetos. Estar em um grupo que te proporcione isso é transformador", avalia Rita.
Para entrar em contato, acesse o Instagram (@rita.longarai).