A região do 4º Distrito de Porto Alegre foi uma das mais afetadas pelos alagamentos em maio. Agora, negócios do entorno vivem momento de reconstrução, contabilizando prejuízos e retomando as atividades em busca de restabelecer a região como um ponto pujante da Capital. Uma dessas empresas é a cervejaria Alcapone (@cervejaalcapone) que, desde 2017, tem sua indústria e o bar que leva o nome da marca, o Alcabar, na travessa São José, nº 515. O pavilhão de 2 mil m² teve cerca de 1,6 metro de água. Há três semanas, o trabalho é intenso para limpeza tanto da indústria quanto do bar.
Andrews Calcagnotto, um dos sócios da Alcapone, estima que o prejuízo na fábrica da cervejaria seja aproximadamente de R$ 1,5 milhão. "A fábrica está inoperante ainda. Por mais que os tanques sejam de inox, a parte eletrônica, bombas, tudo ficou embaixo d'água. A nossa envasadora, que faz as garrafas, e a pasteurizadora ficaram completamente submersas. Nem temos um número fechado para mensurar o prejuízo. Mas estamos estimando algo entre R$ 1 milhão e R$ 1,5 milhão. Isso nem considerando a falta de venda, só perda de estoque, de insumos e de maquinários", diz o empreendedor, que chegou a preparar o espaço antes da chegada das águas para evitar prejuízos, mas sem sucesso. "Pensamos que ia entrar água, mas como a fábrica tem uma subidinha, achamos que ia chegar no joelho, cintura no máximo. Subimos o que deu, e foi trabalho em vão. Quando entramos aqui, a água já estava a 1,6 m com tudo submerso. O bar todo debaixo d'água. Foi um cenário bem caótico de destruição", relata Andrews. Na parte da frente do pavilhão, fica a operação do Alcabar, enquanto nos fundos opera a indústria. Cláudio Roberto Meireles, gestor do Alcabar, conta que todo mobiliário da operação foi destruído. "Mesas e cadeiras do bar pararam no fundo da fábrica. Balcão refrigerado virado com as pernas para cima."
No entanto, apesar das adversidades, o trabalho é intenso para retomar as atividades. A reabertura do Alcabar está marcada para este sábado (22), enquanto a indústria, que tem capacidade produtiva de 60 mil litros por mês, tem como meta retomar parte da produção ainda em junho. Andrews conta que, logo que começou a enchente, a Alcapone começou a produzir em outras cervejarias a fim de reduzir os impactos. "Em duas semanas, já conseguimos ter um pouco de produto para vender. Produzimos em outras cervejarias cerca de 5% do que seria a nossa capacidade. Mas estamos há 40 dias sem faturar. Conseguimos vender um pouquinho, tínhamos garrafas que deixamos em um segundo andar. Mas de 30 mil garrafas, conseguimos salvar 5 mil. Em maio, nosso faturamento foi entre 5% e 10% do que era para ser. Em junho, se chegarmos a 30% vai ser muito", projeta.
Uma das estratégias para driblar a falta de produtos foi a criação do clube de assinatura da cervejaria, cuja venda está sendo feita de forma antecipada e a entrega acontecerá quando a produção for normalizada. As assinaturas têm pacotes semestrais, com custo de R$ 150,00 mensais, em que o cliente recebe um box de 12 produtos por mês. Outra opção é a assinatura de três meses, com custo de R$ 168,00 mensal. A iniciativa foi bem recebida pela comunidade da Alcapone, como conta Andrews.
"Recebemos contato de pessoas do Brasil inteiro se sensibilizando, querendo ajudar. O clube deu muito certo, muita gente aderiu mesmo sabendo que não iria receber agora. Mas sabem que não estão fazendo um Pix sem receber nada em troca. O pessoal está comprando para ajudar e vai receber em casa um produto bom, até exclusivo", diz o empreendedor. Na mesma perspectiva, o Alcabar lançou uma pré-venda de combos para serem consumidos quando bar voltar a operar. As opções vão do kit com cinco pints de cerveja Pilsen porR$ 50,00 ao combo experiência, com hambúrguer e cerveja, por R$ 100,00. "Muitos clientes entraram em contato para saber como poderiam ajudar o bar. Temos muitos clientes que têm esse carinho, que querem que retorne. O pessoal começou a aderir à venda antecipada para realmente ajudar na reabertura do bar. Aumentou muito o engajamento das nossas redes sociais com o pessoal preocupado com o retorno do espaço", conta Cláudio.
Há 12 anos no mercado e presente em oito estados do País, a Alcapone foi uma das operações precursoras da região, segundo Andrews, e deve permanecer no local. "Chegamos no 4º Distrito quando ninguém apostava, não era nem de perto o que é hoje. Conseguimos, na época, fazer uma boa negociação. Hoje, se eu for mudar para um bairro que não foi afetado pela enchente, primeiro que vai ser muito difícil encontrar um espaço desse tamanho, e, se eu achar, vai ser cinco vezes o valor. Outra opção seria mudar de cidade, mas daí não consigo ter o bar", pondera Andrews, contanto que essa não foi a primeira vez que a indústria foi atingida pela água. "A Alcapone completou 12 anos, a festa era para te ocorrido no dia 18 de maio. Iniciamos fazendo em casa e a nossa primeira fábrica era em Canoas. Essa não é a primeira enchente que a Alcapone passa. Ficávamos no bairro Niterói, em Canoas, e teve uma chuvarada, as bombas não funcionaram, e inundou a nossa fábrica na altura do peito. Mas escoou muito mais rápido", compara Andrews.
Segundo o empreendedor, a retomada da Alcapone, assim como de outros negócios, dependerá dos incentivos governamentais para empresas. "Estamos vendo no Estado inteiro a economia ainda muito devagar. Mas achamos que vai retomar, que as coisas vão voltar a ter vida. Esperamos que, a partir de agosto, as coisas voltem ao normal. Mas muito lugar está fechando. Se não tiver linhas de crédito, vai fechar muita coisa. Por enquanto, vemos tudo muito retraído ainda, mas no Rio Grande do Sul, porque meu distribuidor de São Paulo estaria comprando até mais se tivéssemos produto para entregar, porque o produto gaúcho está muito no foco. As pessoas querem comprar produto gaúcho para ajudar, mas o problema é que não tem produto para entregar, pelo menos para quem foi atingido pela enchente", afirma Andrews.
Novidade da região, reabre após perder 90% do investimento
O Bowl Bar reúne uma loja de roupas e acessórios de marca autoral, bar e tabacaria.
Os irmãos Bruno e Eduardo Fiorin abriram o Bowl Bar (@bowl4d) no dia 16 de março. Nestes três meses desde a inauguração, o negócio ficou sem operar por mais de 30 dias devido à inundação do 4º Distrito, região onde o estabelecimento está localizado. O negócio reúne uma loja de roupas e acessórios de marca autoral, bar e tabacaria. Com uma pegada totalmente street, que destaca arte e cultura urbana, os irmãos abriram as portas novamente em 8 de junho.
"Foi complicado, porque não tínhamos nem dois meses de bar. Chegar aqui e ver tudo destruído foi horrível, chegamos com água na barriga e tudo estava detonado. Nossos quadros de decoração estavam todos boiando", lembra Eduardo.
Os empreendedores investiram cerca de R$ 200 mil no estabelecimento. "Demos uma repaginada. Ficamos de dezembro a fevereiro realizando as reformas", comenta Bruno. No pátio do bar, além de receber DJs locais, também são realizados shows nacionais. De acordo com os sócios, eles perderam 90% do valor investido devido à enchente. "O que não perdemos, acabamos gastando para arrumar", diz Eduardo. Mesmo com as adversidades, eles decidiram retomar as atividades. Após realizarem a limpeza, o Bowl reabriu no segundo fim de semana de junho. "Esta volta foi muito positiva, o público recebeu muito bem", relata Eduardo. No último fim de semana, com a previsão de chuva, os irmãos optaram por não abrir o local. Segundo eles, a vontade de seguir com o projeto foi motivada pelo fato da operação ser recente. "Estava tudo no início para nós, a gente não chegou a sentir o gostinho do que é ter um negócio. Acredito que estamos ainda na energia do começo, da novidade, e isso nos incentivou a não parar", declara.
O bar oferece drinks clássicos e autorais, entre os mais pedidos estão o Beyoncé, Marcelo D2 e o Bob Marley, custando a partir de R$ 35,00. Na loja, os produtos mais procurados são as camisetas e os bonés, que partem de R$ 100,00. Atualmente, a entrada no bar é mediante doações. Os clientes podem optar por pagar R$10,00 ou 1 kg de alimento para ingressar no espaço. A enchente de maio, além da destruição, deixou incertezas. "Hoje, estamos aqui, mas amanhã não sei. Nossa ideia é permanecer no 4º Distrito, esperamos que melhorias sejam feitas, porque é óbvio que isso vai passar a ser recorrente", desabafa Bruno. Apesar das dificuldades, os sócios seguem organizando o espaço para continuar com a operação. "Olho para o bar e parece que estamos inaugurando de novo, correndo atrás de tudo. Começando do zero", afirma.
Há 37 anos no bairro São Geraldo, lancheria conta com clientela fiel para seguir operando
Localizada no bairro São Geraldo desde 1987, o Nova Brescia Lanches (@lanchesnovabrescia) é uma das lancherias mais tradicionais de Porto Alegre. Por conta das enchentes, a operação teve que ficar suspensa por cerca de 20 dias, algo que, segundo os empreendedores, resultou em grandes prejuízos.
O Nova Brescia é comandado por Sérgio Sbardelotto, natural da cidade de Nova Bréscia, localizada a 167 quilômetros da capital gaúcha. O empreendedor conta que chegou à Capital em 1987 e, pensando em ganhar a vida, decidiu se aventurar no empreendedorismo junto de seu amigo Gilmar da Silva. No mesmo ano, eles abriram a lancheria no número 1.359 da avenida São Pedro, no bairro São Geraldo, local que ocupam até hoje.
Atualmente, a sociedade cresceu. Hoje, além de Gilmar, o negócio conta com a participação dos filhos de Sérgio, Letícia e Gustavo, que, assim como o pai, participam do dia a dia da operação. "Enfrentamos muita coisa nesse tempo todo. Ainda trabalho como chapista, mas faço de tudo", diz Sérgio.
Localizado em um dos bairros mais atingidos pela enchente da cidade, o Nova Brescia teve que ficar 20 dias sem operar. A água invadiu o empreendimento, e, segundo Sérgio, chegou a 40 centímetros de altura. Por sorte, eles conseguiram retirar todos os freezers e grande parte das mercadorias de dentro da loja, mas, entre os dias parados e os estragos causados pela água, os empreendedores estimam um prejuízo de cerca de R$ 500 mil.
LEIA TAMBÉM > Pré-venda de bebida que envelhecerá por três anos é aposta de microfábrica de drinks em Porto Alegre
Neste período de retomada, Sérgio conta que o movimento rapidamente voltou ao normal. Segundo ele, isso se deve à clientela fiel que acompanha o negócio há mais de 30 anos.
"Graças a Deus o nosso movimento voltou. Nossos clientes são de carteirinha. Teve gente que veio na cozinha me abraçar e dizer 'estamos juntos contigo, Sérgio'. Isso é muito bom. Não é só pelo dinheiro. Nos sentimos muito emocionados. Mostra que o cliente se preocupa com a gente também. Mostra que eles querem ver o Nova Bréscia funcionado por mais muitos anos", diz o empreendedor.
Instituto Caldeira cria restaurante temporário e realoca empresas
O Instituto Caldeira (@institutocaldeira), localizado no 4º Distrito, teve seu primeiro andar inteiramente afetado pela enchente do mês de maio. No interior do prédio, as águas chegaram a ultrapassar 2 metros de altura, afetando as empresas localizadas no primeiro andar. O Caldeira retomou a operação no dia 10 de maio.
LEIA TAMBÉM> Drag bar de Porto Alegre abre em prédio histórico do Cine-Theatro YpirangaO instituto teve que realizar adaptações para retornar com as atividades. "Fizemos uma série de iniciativas. Foram criadas mais de 200 posições de trabalho temporárias, onde podemos acomodar startups e empresas de pequeno e médio porte", explica Pedro Valério, diretor executivo do Instituto Caldeira. Além disso, os residentes que tinham escritórios no andar afetado pela inundação foram realocados em salas adaptadas e até mesmo em espaços de outras empresas, que compartilharam suas estruturas.
No terceiro andar do instituto foi criado um restaurante provisório, batizado como RU do Caldeira, onde o instituto cobre metade do valor do almoço. O espaço gastronômico Mule Bule, do Mercado Paralelo, está à frente do restaurante.
Mesmo com as dificuldades enfrentadas no ponto do 4º Distrito, o diretor executivo afirma que o Caldeira permanecerá na região. "Neste momento, não há chances de o instituto mudar. O Caldeira nasceu em 2019 e escolheu o 4º Distrito, justamente, por entender as deficiências e desafios que acontecem nesta região e a oportunidade que uma instituição, com a articulação do Caldeira, poderia funcionar como um catalisador destas transformações", afirma Valério, garantindo que o hub seguirá no bairro.
O diretor executivo admite a necessidade de medidas urgentes de prevenção, como melhorias no sistema de drenagem, avaliação e readequação da estrutura adequada das comportas, entre outras questões. "A gente acredita na possibilidade de praças de contenção, qualificação das galerias e isso tudo, obviamente, no que diz respeito a ações concretas que deveriam e podem ser endereçadas no curto espaço de tempo", reflete.