As enchentes que atingiram o Rio Grande do Sul provocaram impactos diversos na vida das pessoas e dos negócios gaúchos. Neste cenário de dificuldades, empreendedores buscam maneiras de contribuir com a economia do Estado. Este é o caso de Paulo e Christiane Fontana, sócios do Public Market, local definido por eles como um mercado de bairro que une empório, padaria e sorveteria em um ambiente aconchegante e convidativo para clientela. A dupla criou uma campanha focada em apoiar os pequenos produtores do Estado.
O casal é morador do bairro Mont'Serrat há aproximadamente 50 anos. Empreendedores do ramo da indústria, eles eram frequentadores de um bistrô, localizado no mesmo ponto de seu atual empreendimento. Após a decisão de mudar de vida, a dupla viu na antiga operação uma oportunidade de reconstrução.
"Estava a fim de fechar a minha fábrica e sempre olhava para esse negócio com bons olhos. Sempre me interessei por culinária e tinha aquela ilusão de trabalhar com isso. Então fizemos a proposta e assumimos o negócio em setembro de 2019", lembra Paulo.
Desde que os empreendedores assumiram a operação, o Public Market passou por mudanças no seu modelo de negócio. O que antes era um bistrô e padaria, foi, aos poucos, transformado-se em um empório. "Durante a pandemia, não fechamos porque tínhamos a padaria, então trabalhamos bastante com tele-entrega no período. Enquanto isso, fomos abastecendo a loja com novos produtos. A ideia sempre foi transformar em empório. Então, desenvolvemos nosso mercado de vinhos e decidimos não continuar com a cozinha. Para substituir, implementamos um cardápio de sanduíches e saladas feitos aqui mesmo", explica Christiane.
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Segundo os empreendedores, um dos principais diferenciais do Public Market é o ambiente acolhedor e aconchegante que eles tentam implementar no local. "Aqui todos clientes têm nome. São muitos clientes que se tornaram amigos", afirma Christiane.
Os empreendedores se orgulham de oferecer produtos que, segundo eles, não são facilmente encontrados em outros locais. Isso é resultado de um longo processo de curadoria feita pelo casal, que está sempre buscando novos fornecedores e fabricantes que sejam, de preferência, de empresas menores do Rio Grande do Sul. "Isso é algo que vem comigo desde o começo. Me sinto realizado quando coloco um produto gaúcho na prateleira e vejo ele vender bem", relata Paulo.
Pensando em estimular a venda destes produtos diferenciados, o casal organiza, uma vez por mês, um menu de degustação. A dupla elenca uma vinícola menos conhecida do público geral e monta um cardápio de harmonização com tábuas de frios para 25 clientes que adquirirem convites com antecedência.
Além do empório, o empreendimento conta com uma padaria, que oferece exclusivamente pães feitos com fermentação natural. Em conjunto a isso, o casal, pensando em atrair mais o público nos períodos quentes do ano, incorporou uma sorveteria em seu negócio.
O Public Market nunca escondeu sua admiração aos produtos gaúchos, colocando-os em suas prateleiras sempre que possível. Logo após as enchentes, Christiane viu nas redes sociais alguns posts estimulando o consumo de produtos locais. Apesar de louvável, um aspecto da atitude incomodou o casal: a falta de divulgação aos produtores menores. "Vi uma publicação divulgando marcas gaúchas que contava apenas com grandes produtores. Me questionei onde estavam os pequenos negócios. Sim, todos foram afetados, mas quem precisa mais, neste momento, são os pequenos ", afirma Christiane.
Assim, o casal está organizando posts no Instagram (@emporiopublicmarket) divulgando pequenos produtores locais menos conhecidos, assim como a cidade e região onde estão localizados.
Armazém de bebidas destaca rótulos de pequenos produtores gaúchos
Localizado no bairro Bom Fim, a Casa Vasco, na rua Vasco da Gama, nº 207, abriu as portas em setembro de 2023. O espaço, instalado em uma casa dos anos de 1950, foi idealizado pelas irmãs Larissa e Carolina Teixeira e reúne armazém de bebidas, bar, café e gastronomia. Larissa é apaixonada pelo universo da cachaça e Carolina, pelos vinhos. As duas resolveram unir suas paixões e abrir seu primeiro negócio juntas. Trazendo bebidas internacionais e nacionais, a Casa Vasco tem mais 120 rótulos de vinho e 80 de cachaça.
"Desde o início, tivemos a preocupação em democratizar o acesso aos vinhos. Temos desde vinho em taça até em garrafa com preços bem variados e acessíveis a várias pessoas", comenta Carolina. Além disso, as empreendedoras contam que procuram dar uma atenção especial aos produtores locais. "Temos muitos produtos de pequenos produtores locais e as pessoas vêm aqui e se encantam bastante, porque são rótulos que a gente vai atrás, que faz a curadoria. É um trabalho bem efetivo", afirma Larissa.
Devido às consequências da enchente que atingiu a Capital, o estabelecimento fechou as portas por 12 dias, pois ficou sem abastecimento de água. "Não fomos afetados pela inundação, mas com a falta de água e com funcionários com dificuldade de acessar o local, resolvemos não abrir. Além disso, percebemos uma baixa significativa no movimento", relata Carolina.
A empreendedora explica que voltar a operar é uma forma de apoiar os produtores, que tiveram seus vinhedos devastados, mas ainda estão com produtos estocados. "Nossos produtores estão pedindo para que a gente retome as atividades. Temos um parceiro ali de Faria Lemos, distrito de Bento Gonçalves, que está com produto agora, mas para o ano que vem o baque vai ser muito grande", afirma. De acordo com as irmãs, o negócio sempre teve como objetivo apostar em pequenos produtores gaúchos. Mensalmente, a Casa Vasco oferece uma degustação harmonizada com a presença de um pequeno produtor no espaço. Segundo elas, o objetivo é aproximar o produtor do consumidor final e fazer com que os rótulos sejam mais valorizados. "Tem um trabalho absurdamente grande por trás daquela garrafa. Cada rótulo de vinho ou de cachaça tem muita história e trabalho por trás", explica Carolina.
No momento, as sócias estão organizando ações internas para estimular o consumo de produtos locais, mas, nos últimos dias, já percebem algumas mudanças no comportamento dos consumidores. "Tenho visto um movimento em busca dos rótulos do Estado. 'Eu quero comprar um presente, mas eu quero um vinho gaúcho.' E isso não era tão usual. Era um trabalho que a gente fazia de estimular que conhecessem os nossos produtos e, agora, o próprio cliente tem essa iniciativa", conta Carolina. A empreendedora destaca que o consumo não se deve somente por ser um vinho ou cachaça do Rio Grande do Sul, mas porque são produtos de excelente qualidade. "É sobre estimular esse comércio, mas também é se abrir a uma experiência que com certeza vai te encantar, porque são muito bons", diz.
Além dos vinhedos, pequenos produtores de destilados também foram afetados. Parceira da Casa Vasco, a Casa Bucco, de destilados artesanais, sofreu com as inundações e deslizamentos de terra.
Por serem também um gastrobar, o estabelecimento está tendo de se readaptar com a falta de algumas mercadorias. "O nosso fornecedor de pão era do bairro Sarandi e agora está debaixo d'água. Nossas hortifrútis vinham do Lami, na Zona Sul, foram devastadas", lamenta. A ideia é fazer pequenas alterações nas refeições oferecidas para seguir com o cardápio atual. "São muitas famílias que dependem do nosso pequeno estabelecimento. Fornecedores, produtores e até os nossos próprios colaboradores. Por isso, precisamos manter as nossas atividades para fazer a roda girar e contribuir na reconstrução do nosso Estado", afirma Carolina.
Focar nas marcas locais é um grande estímulo para a retomada
Luiz Carlos Bohn explica que a preferência em marcas gaúchas colabora com a reestruturação do Estado.
Luiz Carlos Bohn, presidente da Fecomércio-RS e presidente do Conselho Deliberativo do Sebrae-RS, comenta que há uma divisão em relação aos comércios afetados pelas enchentes no Estado.
O primeiro grupo é formado pelos negócios que foram inundados, sendo os mais impactados. Além de perder faturamento, perderam patrimônio, estrutura, máquinas, equipamentos e estoque. "Esse grupo representa uma grande parcela dos estabelecimentos afetados", comenta Bonh.
Já o segundo grupo representa os que tiveram suas atividades reduzidas ou interrompidas em virtude de dificuldade de acesso, redução de disponibilidade de equipe e insumos. São locais que a água não chegou, mas os negócios estão parados.
O terceiro e último grupo são aqueles estabelecimentos que foram impactados pelo ambiente de consternação que abalou o Estado. "As pessoas estão retraídas. Muitos desses locais estão parados, porque não sabem como recomeçar. Neste caso, precisamos ver se realmente vale a pena recomeçar", afirma. De acordo com Bohn, em situações como essa, é necessário um apoio de técnico de consultoria que consiga fazer essa análise. "É preciso avaliar e ver 'olha, já não estava legal. Será que vale a pena voltar agora?' Isso é uma análise fria, que nem sempre as pessoas têm condições de fazer', explica.
Há um mês, o Rio Grande do Sul vive com incertezas e com a preocupação de como será o próximo dia. Até aqueles, que não foram diretamente afetados, tiveram que mudar ou adaptar seus comportamentos. Muitos ficaram mais reclusos, deixando de consumir fora de casa e de realizar algum investimento por não saber como será o futuro. "Por mais incertezas e receios que se tenha, é importante fazer a economia girar. Claro que não vai comprometer o dinheiro que não tem. Comprar aqui, gastar ali, cuidando dos seus limites, mas a inércia do consumo é mais prejudicial", explica o presidente da Fecomércio-RS.
Bohn também destaca que, na hora de consumir, é importante olhar para a escolha de marcas. Segundo ele, basicamente, nos supermercados, quase 90% das marcas são gaúchas, e dar preferência a elas contribui para a economia do Estado.
"Existem campanhas fora do Estado que identificam produtos do Rio Grande do Sul. Estamos vendo as pessoas se engajarem e isso realmente faz muita diferença, é uma grande ação", conclui.