O momento adverso trazido pelas enchentes exige adaptação de negócios impactados de forma direta ou indireta pela tragédia climática. O Tú Bar, negócio inspirado no Uruguai que opera desde outubro de 2023 no bairro Santa Cecília, está, desde a última sexta-feira, 17 de maio, abrindo durante o dia. O novo formato tem pratos para almoço e lanches, todos típicos do país vizinho. Além disso, a operação passou a servir o café da Moa, cafeteria do Centro Histórico de Porto Alegre
Sophia Corá, proprietária do Tú Bar, é também sócia da Moa Cafeteria. A empreendedora conta que, pela localização, nenhum dos negócios foi afetado pela água, mas sim pela falta de luz e de água. Nos primeiros dias de operação fechada, Sophia se envolveu de forma voluntária na produção de marmitas na Sogipa. "Quando vi, era quase dia 20 de maio e tinha muito boleto para pagar. Decidi vir ver se água já tinha voltado", conta sobre a retomada. Assim, veio a ideia de tirar uma iniciativa da gaveta. "O Tú Cantina era um projeto que já estava guardado para um certo momento e o Tú Bar abrir de dia também. Vim com a proposta, porque não estava seguro abrir de noite ainda, então decidi colocar o Tú Cantina com o café da Moa para arrecadar um pouco de grana para as gurias enquanto elas estavam fechadas", diz Sophia sobre a Moa, que voltou a operar na última terça-feira (21).
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O Tú Cantina, conta a empreendedora, segue a inspiração uruguaia. Entre os lanches, o destaque são as medialunas, que têm versão salgada recheada com frango e queijo uruguaio, que custa R$ 18,00, e com doce de leite, que sai por R$ 16,00. A nova versão da operação conta também com prato do dia, que sai por R$ 36,00. "Por enquanto, tem sido bife à milanesa com batata frita, que é o que temos força de estoque. Essa semana também vai sair pancho. Seguiu a tendência uruguaia, só está mais simples e com preço mais razoável para meio-dia", pondera Sophia.
A ideia da empreendedora é que a operação diurna seja temporária. "Imagino ficar de um a dois meses com esse projeto. O frio pesado vai vir agora, isso espanta um pouco as pessoas da noite, então vou abraçar a ideia por no máximo dois meses", diz Sophia, que seguirá com a colaboração entre os negócios. "Vamos continuar servindo o café enquanto estivermos diurnas. Enquanto existir Tú Cantina, vai ter Moa aqui dentro", garante sobre a venda de cafés, que é 100% revertida para a operação do Centro Histórico. Além disso, ela destaca que a iniciativa é uma alternativa para o momento, já que a ideia é, assim que sentir que a cidade está mais segura, voltar para a operação noturna. "Foi pensado para continuar rodando, mas em segurança", afirma.
Como uma empreendedora de Porto Alegre, Sophia avalia que as mudanças trazidas pelas enchentes ainda reverberarão nos negócios da Capital. "Sempre tive pretensão de ter outros negócios, agora já fico com medo, pensando como vão ser os próximos anos. Vi muitos amigos perdendo tudo e pensei que se talvez tivesse entrado água aqui, não abriria de novo. Nem por receio, mas é muito desgaste", pondera sobre o cenário. "Vai ter o impacto disso nos próximos meses. Muita gente desempregada, muito negócio fechando e não reabrindo, as zonas esvaziando de novo. Acho que vai acontecer uma murchada de pessoas com gana e força para abrir negócios novos e diferentes", acredita.
No entanto, encontrar alternativas, como o Tú Cantina, é uma estratégia para seguir o negócio mesmo em um momento tão adverso. A ideia, conta Sophia, foi abraçada pela clientela do bar e aproximou a operação de novos públicos. "Veio muita gente prestigiar. Clientes da noite vieram de dia. Mas o que é legal é a surpresa de quem nunca viu a gente de porta aberta passando e perguntando se somos novos, mas já estamos aqui há seis meses, mas operamos só de noite. É um jeito de manter vivo e, ao mesmo tempo, uma grande novidade. Sempre falo que Porto Alegre é uma cidade que é viciada em novidade, então é até bom mexer um pouco. A cidade mudou um pouco, a gente muda também", reflete.
Torrefação impactada pela enchente faz colaboração com cafeteria com foco no take away
A Abuela, cafeteria e torrefação que fica no bairro Floresta, em Porto Alegre, foi uma das operações atingidas pelas cheias na Capital. O negócio, que começou a operar em setembro de 2023, foi impactado pela água, precisando fechar as portas. Para enfrentar as dificuldades do período, os sócios Stéfani Anza e Giancarlo Curti contaram com o amparo de outra operação do segmento, a Brio Coffee Stand, que opera na rua 24 de Outubro, nº 1728, no bairro Auxiliadora. No último fim de semana e no próximo sábado (26), as cafeterias unem as operações na Brio para atender à clientela do Abuela.
Os sócios do Abuela contam que, nesta semana, iniciaram a limpeza do espaço, que teve cerca de dois palmos de alagamento. "A água demorou para chegar e isso fez com que a gente conseguisse agir com um pouco mais de cautela. Conseguimos levantar muita coisa, e isso minimizou o prejuízo. Algumas coisas perdemos porque achamos que não ia chegar, como estoque seco, embalagens de café", conta Giancarlo. "As maiores perdas que tivemos foram os mobiliários de MDF. Faltou muito pouco para entrar na parte elétrica da máquina de torra, então está tudo certo", diz Stéfani, aliviada sobre a situação do negócio.
Já na Brio Coffee Stand, cafeteria com foco no take away, que está em uma região que não foi afetada pela água, os impactos foram mais brandos. “Fomos minimamente afetados. Na primeira semana, ficamos fechados alguns dias. Então, tivemos um prejuízo, mas nem se compara. A única mudança que fizemos é que fechávamos 18h45min, e agora, por questão de segurança e porque percebemos que está mais parado no fim do dia, estamos fechando às 18h. Mas a gente vê que o pessoal está voltando aos pouquinhos”, comenta Emanuelle Madeira, proprietária da Brio.
Impossibilitados de operar, os sócios do Abuela contaram com o apoio de Emanuelle para adaptar o negócio neste momento. "Nós estamos em um grupo de cafeterias e o pessoal do La Cabane compartilhou a proposta e nós já estávamos vendo como apoiar. Conversamos em conjunto, tentando ver o que dava, foi muito às pressas. A ideia era aproveitar o que eles tinham em estoque, porque tinham itens que iam vencer", conta Emanuelle sobre a operação que aconteceu no último sábado (18) e vai se repetir no próximo (25). "Tentamos vender o que dava, juntamos as operações, e realmente o pessoal abraçou, tanto o público deles quanto o nosso. O pessoal está muito empático. Acho que 90% do público veio sabendo da ação", comemora a proprietária do Brio.
Os empreendedores contam que a ação em conjunto foi, em síntese, uma união de propostas muito diferentes. "As gurias aqui têm a proposta de ser uma cafeteria to go, mais take away, não tem tanta opção de espaço para receber gente", diz Giancarlo. "A nossa proposta é agilidade, correria do dia a dia, e o deles é a pausa daquele momento para o café. Esse foi o maior desafio e o pessoal abraçou muito bem", complementa Emanuelle. Mesmo que inicial, eles já percebem um movimento dos consumidores em, à medida que estão retomando suas rotinas, apoiarem os negócios locais. "Tem esse senso coletivo, do pessoal apoiar as cafeterias que tem um pouco mais de carinho, mas também estão buscando um senso de normalidade no meio de tudo que está acontecendo. As pessoas querem ter um pouquinho de rotina", avalia Giancarlo.
A ação da Brio e Abuela, inspirada pelo La Cabane e Limão Bergamota, evidencia a união do segmento de cafeterias de Porto Alegre. "Nós dois viemos de outras áreas, e foi isso o que me fez sair da minha profissão e entrar no ramo da cafeteria. Não foi só pelo café. Foi porque eu vi nesse meio uma coisa que eu não via em outros lugares. Isso de todo mundo ir junto, se ajudar", diz Stéfani, destacando que, mesmo negócios que foram afetados, estão mobilizados por quem teve impactos mais severos. “São cafeterias que também estão precisando, que por mais que elas não tenham sido atingidas, o movimento caiu, o dia a dia foi atingido. Não é fácil fazer essa roda girar. Apesar de estarem passando por um momento difícil, abrir a porta para uma cafeteria que esteja precisando um pouquinho mais é sem explicação. Estão abrindo parte da rentabilidade para dar para o outro”, pontua Stéfani. “Apesar de termos públicos diferentes, é legal ver que existe um público que é do café especial, que abraça todas as cafeterias”, completa Emanuelle
Em fase de limpeza, os sócios do Abuela ainda não sabem quando retomarão a operação da cafeteria. O plano, agora, é canalizar esforços para voltar com a torrefação. "A perspectiva de reabertura da cafeteria ainda não temos neste curto prazo. Mas a torrefação a gente quer estruturar de novo, mesmo que de portas fechadas, para atender os clientes que temos de cafeterias. Com o espaço afetado, ficamos sem as duas frentes da operação", pondera Giancarlo, pontuando que essas dificuldades tornam ainda mais importante o gesto de Emanuelle. "Por isso foi tão gratificante ter tido essa oportunidade de ter um momento de respiro, esse momento de troca com os clientes, entrar um pouco de caixa", diz, complementado por Stéfani. "E matar a saudade de fazer café", afirma a empreendedora.
Cafeteria alagada no 4ºDistrito opera de forma colaborativa em café da Zona Sul
A região do 4º Distrito de Porto Alegre foi uma das mais afetadas pela enchente na Capital, afetando diversos negócios. Um deles é o café La Cabane, que tem como proposta ser um refúgio no meio da cidade. Com a água tomando a rua Conde de Porto Alegre, nº 386, onde fica a cafeteria, o La Cabane operou, no último fim de semana, no Limão Bergamota, espaço que fica na avenida Arlindo Pasqualini, nº 135, na Zona Sul.
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Roberta Falleiro, proprietária do La Cabane, conta que deixou a operação no dia 4 de maio, sábado, com a água pelo joelho. “É muito difícil sair, deixar tudo para trás, tudo que tu construíste. Tem muita coisa intangível no material, que é toda nossa dedicação, todo nosso sonho”, lamenta. Vendo as dificuldades de Roberta frente ao momento adverso das enchentes e, Juliana Sleupjes, proprietária do Limão Bergamota, espaço de café e almoço na Zona Sul, decidiu acolher a parceira de segmento.
A empreendedora conta que não foi afetada pelas cheias em seu negócio de forma direta, ficou sem água por três dias, mas conseguiu manter a operação. Por isso, direcionou seus esforços para fortalecer a La Cabane. “Nós tínhamos nos visto só quatro vezes antes, mas temos alguns sonhos em comum, como fazer um coletivo de cafés. Mandei um áudio para a Roberta e ela prontamente aceitou”, conta Juliana. No último sábado e domingo, dias 18 e 19 de maio, aconteceu a fusão das operações. Todo o faturamento foi revertido para a reconstrução da cafeteria do 4º Distrito. “Muitos clientes disseram que viriam para ter essa sensação de que não acabou. Embora que, quando a Ju me mandou mensagem, eu já não sabia se não tinha acabado, falo que ela me resgatou da lama, literalmente”, emociona-se Roberta.
“Estamos nos unindo, que é o que todo mundo está dizendo, que é o que vamos tirar de bom deste momento”, completa. Para Juliana, a iniciativa é também uma mensagem. “Não pensei só na Roberta, mas na comunidade. Como está o psicológico dessa equipe sem saber se amanhã vai ter trabalho ou não. Essa equipe também precisa ser acolhida, saber que tem futuro, que as coisas vão ficar bem”, diz.