Iniciativas se aventuram em tecnologias ainda não exploradas, descobrindo e criando inovações científicas transformadoras

Conheça as deep techs, startups de inovação científica que podem mudar o mundo


Iniciativas se aventuram em tecnologias ainda não exploradas, descobrindo e criando inovações científicas transformadoras

As deep techs são startups de tecnologia complexa e de alto impacto que têm como objetivo impulsionar verdadeiras transformações. Apesar da constante pressão para gerar receitas e provar que, sim, a ciência pode movimentar bilhões de dólares, esses negócios trabalham em torno do inexplorado, descobrindo e criando inovações científicas que podem mudar as percepções sobre o futuro.
As deep techs são startups de tecnologia complexa e de alto impacto que têm como objetivo impulsionar verdadeiras transformações. Apesar da constante pressão para gerar receitas e provar que, sim, a ciência pode movimentar bilhões de dólares, esses negócios trabalham em torno do inexplorado, descobrindo e criando inovações científicas que podem mudar as percepções sobre o futuro.
É esse potencial que move Susana Kakuta, nome à frente da deep tech Biosens. Baseada no Tecnosinos, em São Leopoldo, a startup está ajustando os últimos detalhes para lançar, ainda neste ano, testes rápidos e portáteis para medir a coagulação do sangue. O negócio também está criando biossensores que ajudem a identificar desgastes musculares e doenças, como sífilis, Atrofia Muscular Espinhal (AME) e sepse.
A proposta da startup surgiu em 2020, antes dos testes rápidos se popularizarem durante a pandemia. “Isso abriu o mercado. Começamos a fazer testes não só no laboratório, mas também na farmácia. Essa nova dinâmica fez com que as pessoas se dessem conta que novos cenários são possíveis”, diz Susana.
O tipo de testagem aplicado pela Biosens é realizado a partir da coleta de sangue na ponta do dedo, sendo menos invasivo que os testes convencionais. Além disso, Susana considera a tecnologia mais prática. Chamada de point-of-care testing – teste próximo ao paciente ou teste ao lado da cama –, a ferramenta desenvolvida pela Biosens pode ser usada em qualquer lugar. “Isso é muito revolucionário. Atua na descentralização do atendimento. A pessoa não precisa ir até o hospital. Também dá maior acessibilidade, pois pode fazer o teste onde o paciente está, mesmo que seja lá no interior da Amazônia”, explica a empreendedora.
Segundo Susana, as testagens são mais ágeis. “O processo entre o paciente coletar o sangue na ponta do dedo e ter o resultado está programado para durar até cinco minutos. Comparativamente, um teste de medição da coagulação do sangue pode demorar até duas horas e meia em uma emergência de hospital.”
A tecnologia não requer aparatos médicos como seringas e algodões. Por isso, como indica Susana, a solução também pode ajudar a diminuir o descarte de resíduos. O teste rápido proposto pela Biosens precisa apenas de uma fita reativa, usada para coletar a amostra de sangue, e um equipamento tecnológico de análise. O diagnóstico final fica armazenado numa nuvem de dados e pode ser consultado a qualquer momento, por um médico ou pelo próprio paciente.
Não estamos tratando com tecnologias existentes, mas, sim, com a criação de novas tecnologias. Isso é bastante complexo”, destaca Susana. Em média, estima a empreendedora, são necessários oito anos para concluir o processo completo de produção, do desenvolvimento à venda. O teste rápido para avaliação da coagulação do sangue estará disponível no mercado ainda em 2024. Os estudos deste produto começaram em pesquisas acadêmicas, antes do registro da marca. Foram necessários mais de 200 testes em laboratório para chegar à versão final, lembra Susana. “A necessidade de mercado é extremamente grande. A nossa estimativa é de que são realizados mais de 90 milhões de testes convencionais de coagulação do sangue no Brasil por ano”.
Os demais itens, que ajudam na identificação de desgastes musculares e doenças, como sífilis, AME e sepse, devem ser lançados entre 2028 e 2032. Até lá, a Biosens terá de buscar recursos. O desafio é comum entre as deep techs brasileiras, que trabalham com retornos financeiros a longo prazo e nem sempre são atrativas para os mais variados tipos de investidores. “Esse mercado de deep techs é um pouco às avessas do modelo tradicional de investimento. Temos uma rigidez de desenvolvimento, e precisa ser assim. O retorno de investimento é mais demorado. Isso é uma das razões para empresas como a Biosens não existirem no Brasil, um País em desenvolvimento, onde as pessoas buscam um retorno muito rápido”, fala Susana.
Apesar disso, o caráter inédito das pesquisas realizadas pela Biosens pode ser um diferencial para atrair aportes, como diz a empreendedora. “Nós que inventamos isso. É uma tecnologia totalmente nossa, brasileira.” Além disso, o mercado de deep techs promete crescer significativamente nos próximos anos, aponta a sócia. Hoje, as startups desse nicho movimentam cerca de US$ 50 bilhões. A estimativa é que, até 2032, o segmento atinja os US$ 120 bilhões, mais que dobrando de potencial.
A Biosens aguarda a aprovação da Anvisa para colocar os testes rápidos no mercado. A empresa ainda não trabalha com clientes, mas interessados podem se manifestar pelo site (biosens.tech) ou diretamente na sede da deep tech, localizada no Tecnosinos.
Segundo Susana, os produtos devem ter valores acessíveis. Enquanto aguarda a regulamentação, a startup está finalizando as obras de uma fábrica em Campo Bom que será utilizada para massificação da produção dos testes rápidos.
 

Startup usa edição de DNA para produzir grãos resistentes a pragas e clima

Criada em Florianópolis, a InEdita Bio tem como objetivo diminuir o uso de fertilizantes e pesticidas no agronegócio

A startup InEdita Bio está desenvolvendo uma tecnologia de edição genômica que permite criar variedades de grãos mais resistentes a pragas, secas e altas temperaturas. Fundada em 2022, em Florianópolis, a empresa tem foco em combater as doenças tropicais - como a ferrugem asiática - que atingem as culturas de milho e soja. O objetivo é reduzir o uso de fertilizantes e pesticidas no agronegócio.
À frente da startup estão Paulo Arruda e Viviane Silva. Segundo os sócios, a dependência de produtos químicos no campo não é sustentável sob diversos aspectos - ambientais, sociais e econômicos. "Na última safra de soja, por exemplo, o Brasil gastou cerca de US$ 2,5 bilhões em uso de pesticidas químicos. É um custo de produção muito alto. O foco da nossa empresa é a sustentabilidade. Trazer um benefício para o planeta, para a saúde humana e para o bolso do produtor", destaca Paulo.
A aposta da InEdita Bio para diminuir o uso de químicos na produção de alimentos é a edição genômica. Para explicar como funciona a técnica, Paulo compara a edição de DNA com um corretor ortográfico, em que é possível substituir uma letra por outra para corrigir ou melhorar um texto. "Nosso genoma nada mais é que um enorme texto com 4 bilhões de letras. Usamos enzimas para editar esse texto, fazendo pequenas modificações, adicionando palavras, mudando letras."
Regulamentada no Brasil, a edição genômica de plantas permite que o produtor ligue ou desligue características de interesse nos grãos, aperfeiçoando-os em relação à resistência e rendimento, por exemplo. Uma das técnicas mais conhecidas de edição de DNA chama-se CRISPR/Cas9 - ou "crisper". A ferramenta foi descoberta pelas cientistas Emmanuelle Charpentier e Jennifer A. Doudna, que venceram o Prêmio Nobel de 2020 devido à invenção.
O método não requer a introdução de genes de outras espécies, como acontece nos alimentos transgênicos. A manipulação do DNA é realizada apenas entre as características próprias de um único organism. Essa mudança genética, como explica Paulo, poderia ocorrer por meio de mutações naturais, processo de seleção de espécies que levaria milhares de anos. Com a técnica aplicada pela InEdita Bio, a edição genômica pode ser feita em laboratório, a partir de uma alteração induzida. "É um método que simplesmente se espelha naquilo que a natureza faz, mas de forma estruturada, orientada."
Por isso, os grãos com genes editados a partir dessa técnica não são considerados organismos geneticamente modificados (OGM), sendo comercializados como produtos convencionais. Os transgênicos fazem parte do grupo dos OGM. "A maioria dos países, com exceção da comunidade europeia, considera que a edição genômica não é diferente daquilo que a natureza faz para criar variabilidade genética", fala Paulo.
A maior facilidade de registro abre espaço para startups, como a InEdita Bio, conquistarem um mercado dominado por grandes empresas. "O processo regulatório é infinitamente mais barato que o dos produtos transgênicos. A edição gênica veio para democratizar esse mercado", destaca.
Apesar do foco em culturas de milho e soja, a tecnologia desenvolvida pela empresa pode ser aplicada em quaisquer plantas e para expressar as mais diversas características desejáveis. As primeiras sementes devem ser testadas no campo em 2026. A InEdita Bio trabalha com oito cientistas em laboratório em Florianópolis. A empresa também conta com uma sede nos Estados Unidos. "O valor das tecnologias que estamos trazendo é enorme. Temos um mercado de bilhões de dólares aberto para ciência brasileira", entende Paulo.
No momento, a empresa opera apenas com clientes interessados, sem volume de mercado. Produtores que desejem ter acesso aos grãos com DNA editado pela InEdita Bio devem entrar em contato pelo site da marca (inedita.bio).
 

Empresa conecta boas ideias de startups científicas ao mercado

A Emerge quer transformar deep techs em negócios competitivos e rentáveis

Projetos interessantes nem sempre resultam em negócios bem-sucedidos. Para ter sucesso ao empreender, é necessário encontrar um encaixe entre produto e demanda. Quem conecta soluções baseadas em deep tech ao mercado é a Emerge, empresa que busca transformar startups de tecnologia de alto impacto em negócios competitivos. O empreendimento também realiza consultorias de inovação para grandes corporações, como Natura, Grupo Boticário e Ambev.
A Emerge foi fundada em 2017, inicialmente focada no desenvolvimento de negócios embrionários de universidades brasileiras - iniciativas conhecidas como empresas juniores. "Tem quem seja empreendedor, criativo, mas não consegue converter isso em inovação e competitividade. Estávamos vendo poucas novas empresas, sabendo que isso estava preso no ambiente acadêmico", entende Daniel Pimentel, sócio da Emerge ao lado de Lucas Delgado.
A atuação em consultoria de inovação começou em 2019. A empresa soma mais de 20 corporações parceiras, tendo realizado diversos projetos pautados por tecnologias complexas. No entanto, a principal aposta da Emerge é conectar deep techs ao mercado. "As deep techs se posicionam cada vez mais como uma tendência. Isso acontece porque temos desafios que ainda não têm solução. Logo, precisamos de ciência e tecnologia para solucioná-los", diz Daniel.
Para o empreendedor, as oportunidades deste setor estão, em sua maioria, voltadas a soluções sustentáveis. "Precisamos endereçar as deep techs para as demandas climáticas e verdes, potenciais naturais que o Brasil tem para se destacar."
Uma das startups que recebe as orientações da Emerge e enxerga potencial na economia sustentável é a porto-alegrense Cellva, que produz gordura de porco sem necessidade de abate. Apesar de estar baseada em uma inovação complexa e profunda, a deep tech não encontrou empecilhos para entrada no mercado, como explica Daniel. "Por mais complicada que uma tecnologia seja, as pessoas não necessariamente se preocupam com isso. No caso da Cellva, não precisa se aprofundar em engenharia de tecidos. O cliente só quer comer uma gordura boa", destaca.
Por outro lado, o setor ainda é muito recente no mercado, e isso, segundo Daniel, pode gerar inseguranças. "Uma das dificuldades é o acesso à capital atrelado ao risco. É um volume intensivo de investimento necessário somado ao fato de que cientistas têm boas soluções que nem sempre estão endereçadas a grandes mercados. Também existem muitas discussões regulatórias em cima das deep techs. São questões totalmente novas. É preciso um diálogo muito mais próximo ao governo."
Além de ter conectado dezenas de startups inovadoras ao mercado, a Emerge busca fomentar o segmento de deep techs por meio de atividades acadêmicas e em eventos. São cerca de 100 universidades parceiras da Emerge, entre elas as gaúchas Pucrs e a Ufsm. O negócio, como estima Daniel, auxiliou na formação de 2 mil cientistas e empreendedores. “Precisamos aprender mais a empreender”, fala Daniel.
Para seguir impulsionando o segmento de inovação e startups, a Emerge deve realizar, em novembro deste, mais uma edição do evento Deep Tech Summit. "A gente se propõe a ser principal plataforma de deep techs da América Latina", destaca.