Edu Lyra, fundador e CEO da Gerando Falcões, ONG que viabiliza projetos de impacto social em mais de 3 mil favelas do Brasil, foi o primeiro palestrante a subir no palco principal da edição de 2023 da Gramado Summit. Para a plateia que lotou os cerca de 3 mil lugares do pavilhão, ele garantiu: não dá para mudar o Brasil sem ter uma agenda estratégica para as favelas.
Contando a sua história de vida e os caminhos que o levaram até a criação da Gerando Falcões há 11 anos, Edu ressaltou a importância da atenção às ideias, mais que às circunstâncias. Segundo ele, não fosse essa perspectiva, o seu presente não seria o mesmo. "Morava dentro de um barraco com chão batido de terra, meus pais não tinham grana para comprar um berço e me colocaram para dormir dentro de uma banheira azul nos meus nove primeiros meses de vida. Além de morar nessas circunstâncias, o meu pai, influenciado por aquele ambiente de extrema pobreza, acabou embarcando no crime e foi preso indiciado por roubo a banco. A piada verdadeira é que todos os bancos que meu pai tentou roubar, hoje, são meus patrocinadores", contou Edu, destacando o papel fundamental de sua mãe em manter as ideias sempre fervilhantes na sua cabeça. "Meu voo aconteceu porque tive, dentro de casa, uma inspiração que me deu ideias. Minha mãe, dona Maria Gorete, uma diarista. Ela entrava em casa como uma líder. Digo que ela foi a primeira grande empreendedora que conheci na vida. Não tinha dinheiro, não tinha Danone, bicicleta, morando num barraco, numa favela, sem saneamento básico, sem energia elétrica, mas ela me dizia todos os dias: 'filho, não importa de onde você vem, o que importa na vida é para onde você vai e você pode tudo'", lembra emocionado.
Desse contexto, Edu compartilhou uma lição valiosa para quem empreende: o foco na circunstância pode ser o algoz do seu negócio. "Ideias valem muito mais do que circunstâncias, porque as circunstâncias mudam, mas as ideias ficam. Se eu fosse tomar as decisões da minha vida baseadas nas circunstâncias que vivia, não tinha feito nada. O empreendedor que move sua vida baseada em circunstâncias, quando tem uma inflação, não lança produto, não inova, não cria. Ele quebra. O Brasil precisa de gente que seja movida por ideias, porque são as suas ideias, as mais malucas, inclusive, que vão mudar as suas circunstâncias de vida", aconselha.
Foi dessa perspectiva que nasceu a Gerando Falcões. O projeto, que começou dentro de casa, ganhou o País. "Fui para universidade, me eduquei, e lá escrevi um livro chamado Jovens Falcões, que publiquei de forma independente. Lá na favela, montei um time com 50 jovens, treinei todo mundo, desdobrei uma meta, e vendíamos o livro de porta em porta por R$ 9,99. Em três meses, vendemos 5 mil livros. Olhei para aquele dinheiro e decidi iniciar um processo de transformação na minha comunidade e fundei a Gerando Falcões há 11 anos", lembra o CEO, destacando o alcance que, hoje, a iniciativa tem. "A Gerando Falcões começou pequena, no quarto da minha casa, porque temos que aprender a valorizar os pequenos começos na vida, ninguém começa grande. Nesses 11 anos, saímos de atender uma para 3 mil favelas do Brasil, cobrindo todos os estados brasileiros. Na pandemia, alimentamos mais de 1,5 milhão de pessoas", destaca.
Desse alcance, Edu ressalta a chegada do Favela 3D, projeto comandado pela Gerando Falcões que significa digital, digna e desenvolvida, ao Rio Grande do Sul. "Assinamos recentemente um acordo de cooperação com o governador Eduardo Leite e, a partir de agora, estamos trabalhando com todas as secretarias para escopar um programa de Estado onde o governo possa ser o guarda-chuva de uma coisa grande que vai ser trabalhada junto com os municípios e também considerando recursos privados. O governador já fez um anúncio inicial da ordem de R$ 300 milhões para espalhar e implementar as tecnologias de Favela 3D como uma solução para combater pobreza e construir dignidade nas favelas", disse.
Edu afirma que a missão da Gerando Falcões é transformar a pobreza da favela numa peça de museu antes de Marte ser colonizada. "Isso significa que vamos vencer a pobreza e dar um olé no Elon Musk", brinca. Para isso se tornar realidade, é preciso olhar para o potencial das favelas e entender o papel dos negócios nessa transformação.
"A favela é a grande startup brasileira. Fez o Neymar, o Pelé, a caipirinha, o samba, o carnaval. Você tem que olhar para isso como um símbolo do País, o gringo fala favela, então a favela é um produto do Brasil, querendo ou não. Colocar a pobreza da favela no museu passa por transformar a cabeça da sociedade e fazer ela acreditar que é possível. A missão da Gerando Falcões é construir um futuro onde, nas favelas, invés de pobreza, exista dignidade. O contrário de pobreza não é riqueza, é dignidade", afirma.
Bailarina comanda escola de dança no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro
Foi aos 18 anos que Tuany Nascimento, moradora do Complexo do Alemão, um dos maiores conjuntos de favelas do Rio de Janeiro, desistiu de ser bailarina profissional, mas continuou, como hobby, dançando em uma quadra próxima de sua casa. A prática chamou atenção de suas vizinhas e, em um mês, a jovem dava aula de ballet para mais de 50 meninas da sua comunidade. "Não tinha água e nem banheiro, as meninas chegavam e se interessavam, foi se tornando uma troca. Notei que elas estavam buscando uma forma de acesso à arte. Ainda não tinha noção do trabalho social que estava fazendo", lembra a empreendedora sobre o início da sua trajetória. Hoje, Tuany é CEO do projeto Na Ponta dos Pés, organização não governamental que busca levar arte, cultura e esporte para jovens da periferia do Rio de Janeiro.
Completando 10 anos à frente da iniciativa, Tuany enfatiza as dificuldades que viveu como empreendedora na periferia, a começar pela construção do espaço físico do negócio, que exigiu, além de muita persistência, força física para atividades como, por exemplo, subir o morro carregando sacos de cimento para a obra. "Não esperamos o Estado fazer, mesmo sabendo que é obrigação dele. Nós fomos lá e construímos tudo, carregamos cimento nas costas, meninas subindo o morro com cimento, virando massa, tudo fomos nós, acreditando, acima de tudo, que iria dar certo", conta Tuany, ressaltando a preocupação principal que a acompanhou durante todo o projeto de construção da escola: a segurança.
"Não sabia nada de gestão, eu era bailarina. Então, gerir um time, tocar uma obra, conseguir recursos e, acima de tudo, manter esse espaço seguro para atender os jovens da minha comunidade, como garantir que não iam ser atingidos por um tiroteio, que teriam os recursos básicos para, futuramente, entrar no mercado de trabalho", admite a bailarina, que, ao longo dos anos, participou de programas como Encontro com Fátima Bernardes e Caldeirão do Huck, que oportunizaram maior visibilidade para o projeto, possibilitando seu crescimento.
Hoje, o Na Ponta dos Pés conta com mais de 380 alunos, entre três e 18 anos, inscritos nas diferentes modalidades que, agora, vão além do ballet, como aulas de teatro, artes e lutas.
"Já tivemos bailarinas aqui que foram aprovadas para a Escola Municipal de Danças do Rio de Janeiro, outras, que já foram alunas, continuam aqui como professoras. É muito gratificante saber que fizemos a diferença na vida desses jovens que, talvez, não tivessem acesso à dança e à arte se não fosse pelo projeto", considera.
Os planos para os próximos anos são muitos, mas o principal, para Tuany, é a criação de um negócio social, transformando o Na Ponta dos Pés em uma companhia artística do Complexo do Alemão.
"Queremos envolver todo o corpo de formação, plateia, artistas, contrarregra, todo mundo que se envolve nessa produção para que possa ter acesso ao mercado de trabalho", destaca. A dica que a empreendedora compartilha para quem mora na favela e sonha em abrir o próprio negócio é nunca desistir.
"Continue tentando, vai lá e faz. Não vai ter hora certa, não vai ter apoio, mesmo diante do caos, dos problemas, continua, coloca a cara para bater e continua com muita gana que, uma hora, vai dar certo", aconselha. Mais informações sobre o projeto e como contribuir no Instagram (@projetonapontadospes).
Palco da Quebrada reúne empreendedores periféricos
O Palco da Quebrada foi a grande novidade da edição deste ano da Gramado Summit, que contou com outros seis palcos voltados para temas como saúde e startups. O Quebrada recebeu speakers de todo o País, com o objetivo de discutir assuntos voltados ao empreendedorismo periférico. Marcus Rossi, CEO do evento, destacou a importância do palco durante a abertura da edição de 2023. "Entendi que meu papel enquanto empreendedor, enquanto Gramado Summit, é dar voz, fazer desse País um lugar melhor, e a favela é sinônimo de inovação, esperança e criatividade. A primeira startup brasileira é a favela, e o palco, este ano, é mais importante para mim que o palco principal", garantiu.
A curadoria do Palco da Quebrada foi feita por Nina Cardoso, CEO do Instituto Ascendendo Mentes, primeira iniciativa acelerada pela Gerando Falcões em Porto Alegre.
"Essa elaboração conjunta vem de um olhar visionário, implicado, comprometido do CEO da Gramado Summit, o Marcus Rossi, que abriu as portas desse grande evento, ainda no ano passado, para uma comunidade de Porto Alegre chamada Morro da Polícia, onde tenho o Instituto Ascendendo Mentes", lembrou a CEO, destacando que o evento encurta um dos caminhos mais difíceis para quem está na periferia: criar uma rede de contatos diversa e potente. "A maior dificuldade é a oportunidade de conexão, que é exatamente o que esse evento está proporcionando. Através do Palco da Quebrada, estamos quebrando muros e construindo pontes de conexão, ideias, inovação, porque a favela - Edu Lyra fala isso - é a maior startup brasileira. Ela produziu muitos talentos. Acredito que a maior parte das pessoas querem fazer, querem participar dessa transformação. Talvez elas não saibam como, e dar palco para a periferia é a grande possibilidade de mostrar que a favela não é o que vemos nas páginas policiais. A favela é muito mais que isso. É empreendedorismo, inovação, tecnologia, cocriação, resistência, resiliência, é tudo isso", garante Nina.
Para a CEO, o acordo de R$ 300 milhões fechado entre o governo do Estado e a ONG Gerando Falcões é fundamental para a transformação das favelas gaúchas. "Vão ser pelo menos 10 favelas 3Ds acontecendo aqui. A iniciativa combate a pobreza das favelas de dentro para fora, com moradia digna, saneamento, empregabilidade, qualificação. O Rio Grande do Sul está andando a passos largos rumo ao combate à pobreza", percebe. Saiba mais no Instagram (@ ascendendomentes).