Tornar sustentável um projeto de cunho social é um desafio para quem está à frente destas iniciativas. Agregar produtos e serviços é uma alternativa para continuidade de ações que tem como eixo contribuir para a melhoria de sua comunidade.
Em Esteio, a Associação da Cultura Hip Hop de Esteio (ACHESTEIO), associação sem fins lucrativos, tem como objetivo gerar valor cultural e educacional para a comunidade. Há cerca de um mês, o espaço incorporou uma serigrafia, técnica manual de estamparia, em seu escopo. Com as produções abertas e a todo vapor, Alan Bitello, 37 anos, um dos fundadores e coordenador de produção e eventos da associação, conta que a serigrafia está recebendo encomendas de camisetas, moletons, boné, entre outros produtos, além de ter a própria marca de camisetas da associação de hip-hop.
Cleiton Pinho toca, com Alan, atividades da estamparia. Ele tem sua própria marca de roupas, a Pineal, e soma a experiência de trabalho na área da serigrafia para contribuir com a iniciativa. "Nós recebemos as encomendas e fazemos a criação da arte quando ela não vem pronta. Depois, fazemos a gravação de tela e a produção de fato", detalha Cleiton. O primeiro lançamento da marca própria foi com o logo da associação. As peças podem ser adquiridas no espaço, localizado na Rua José Guimarães, nº 203, em Esteio, ou pelo Instagram (@achesteio). As encomendas personalizadas podem ser feitas pelo WhatsApp (51) 99274-1698. O pedido mínimo é de 10 itens e o prazo de entrega parte de sete dias. Alan conta que o próximo drop da marca será em março e os produtos serão inspirados nos elementos da cultura hip-hop. No lançamento, será reativado o estúdio de gravações e acontecerá a inauguração do showroom, onde serão vendidas as peças.
A casa que abriga a associação foi inaugurada em 2017 por Rafa Rafuagi, Alan Bitello, Geovane Neves e Rafael Mautone. No entanto, antes disso, o movimento de hip-hop de Esteio já vinha buscando espaços para a cultura na cidade. Em 2016, o grupo conheceu Flora, dona do imóvel que, hoje, abriga a associação. Foi desse encontro que a estrutura da casa surgiu. "Nós estávamos em frente à prefeitura, reivindicando por um espaço, ela escutou nossa conversa e falou que gostou do projeto e queria conhecer a gente", lembra Alan. Além da associação, os fundadores também são os idealizadores da construção do primeiro museu de cultura hip-hop da América Latina, que já está aberto, mas inaugurará oficialmente em 2023.
Hoje, a casa conta com diversas oficinas gratuitas dos elementos da cultura Hip-hop, como rap, grafites, Dj's e Mc's, e Street Dance, abertas à comunidade. "Trabalhamos no sentido da transformação social, prezando o prisma dos direitos humanos e prevenção, através da educação. Nós queremos tirar os jovens ali no ócio produtivo, e trazer para dentro de um espaço onde seja visto, e não só mais um jovem invisibilizado ali na rua, queremos trabalhar essa ótica", destaca. Alan explica que todas as pessoas que trabalham na associação são pagas pelo seus serviços, exceto os coordenadores. Há pessoas trabalhando na serigrafia, no estúdio de gravação, oficinas, museologia, entre outras áreas. No início, a verba saía do bolso dos organizadores. Hoje, os recursos da associação vêm de editais, eventos, e, agora, a serigrafia se soma ao estúdio de gravação. Os serviços ajudam na manutenção da associação, que já impactou cerca de 10 mil pessoas, segundo Alan. "O estúdio de gravação é mais uma frente da casa, e vamos reativar em março. Estamos estudando uma gama de produtos que vamos vender no espaço, e não está restrito somente a pessoas que fazem a música rap", expõe Alan. O espaço também é usado para gravar os alunos que participam das oficinas. "Têm jovens que se destacam e queremos oferecer a oportunidade para essas pessoas em poderem seguir a carreira artística, e até estagiar aqui no estúdio", pontua.
Serviço do SUS auxilia na reabilitação da saúde mental através da autonomia e da criação de produtos artesanais
Atualmente, o serviço conta com cerca de 110 oficineiros encaminhados pelo SUS
O GerAção POA, serviço oferecido dentro do Sistema Único de Saúde (SUS), busca, através da produção de peças de artesanato, gerar renda para grupos de atendimento de saúde mental. Hoje, o serviço conta com cerca de 110 oficineiros que trabalham na produção de itens feitos de forma totalmente artesanal. Compondo a rede de atenção psicossocial de Porto Alegre, o GerAção POA defende o trabalho como uma forma de reabilitação e integração.
Os cadernos, bolsas, velas e camisetas podem ser comprados na loja no cinema Capitólio, na rua Demétrio Ribeiro, nº 108, ou na sede principal do serviço, na rua Mariante, n° 500, e ainda pelas redes sociais (@geracaopoa). Os produtos partem de R$ 10,00 até R$ 130,00. Além dos itens à pronta-entrega, são aceitas encomendas.
Os produtos são confeccionados nas oficinas de serigrafia, papel artesanal, costura, bordado e velas. A renda obtida nas vendas é dividida entre todos os oficineiros, e uma parte é destinada à compra de material. As oficinas seguem os princípios da economia solidária, trabalhando com horizontalidade - sem chefe e hierarquia. "Aqui, todo mundo participa, propõe e tomamos as decisões coletivamente. Também trabalhamos com a preservação ambiental, significando aquele material que poderia ir pro lixo, prolongando a utilidade dele", explica Dirceu Luiz Rohr Júnior, oficineiro e coordenador do conselho local de saúde. "Muitas vezes, quem está em algum sofrimento psíquico sofre estigmas sociais, como se essas pessoas não pudessem estar trabalhando e colaborando na construção da cidade. O objetivo é que as pessoas possam produzir, e com toda qualidade, um produto", pontua Adriane da Silva, psicóloga e servidora pública que atua no serviço. Dirceu ainda acrescenta que a entrega de itens com qualidade é uma das prioridades na rotina dos oficineiros.
Como são produções artesanais, todas as peças passam por diversas etapas antes da venda. "Tudo aqui passa por muitas mãos, desde picar o papel até o encadernamento. Só esse papel, no mínimo, sete pessoas se envolveram", ressalta Adriana, sobre a participação na confecção dos cadernos. Além de gerar renda aos oficineiros, Adriana e Dirceu contam que as iniciativas vão além das quatro paredes, com a busca por reintegrá-los na cidade e na dinâmica social.
Há, ainda, outros dois novos projetos: o Café Mentaleiro e o Ateliê Costurando em Liberdade. O café oferece produtos orgânicos e é aberto à reservas para grupos no espaço. O ateliê faz consertos e customização de roupas, e é composto pelos oficineiros da costura. A sede do GerAção POA abre de segunda a sexta, das 8h às 17h.
'Sozinho, o propósito não se sustenta', destaca especialista
Para a especialista, regulamentação deve ser prioridade
Os empreendimentos de cunho social têm o objetivo principal diferente das outras empresas. No entanto, rentabilizar o projeto e oficializar a empresa precisam ser prioridades para a sustentabilidade da iniciativa, explica Giovana Renata Vanzella, analista de relacionamento com clientes do Sebrae-RS. Buscando impactar a comunidade ou solucionar algum problema social, esse nicho do empreendedorismo pode se manifestar através de associações, ONGs e negócios criados para gerar renda a algum projeto.
As empresas podem oferecer capacitação, emprego, oportunidades de tratamento, atuarem na preservação ambiental e cultural, entre outras frentes. Mas o que difere essas iniciativas de outras, também de cunho social, é que elas não dependem apenas de doações para sobreviverem. Parte ou o total de suas receitas vêm de produtos e serviços, assim como em qualquer outra empresa.
Giovana explica que o primeiro passo é a regularização para criar um negócio de maneira formal. A analista aponta que os empreendedores e idealizadores de projetos precisam buscar um contador e criar um CNPJ, para, assim, poder gerar recursos. "Sem o CNPJ, ele não consegue recursos e prosperar. Enquanto ele não é registrado, ele ainda não existe legalmente. É só um propósito", explica.
"Primeiro de tudo, é preciso oficializar a empresa com a documentação. Isso possibilita que consiga participar de editais, além de entender qual formato será: microempresa, cooperativa, ONG, e, a partir disso, começar a buscar fundos", detalha Giovana. Para a especialista, a rentabilização também vai ser a melhor forma de conciliar o propósito e negócio. "É preciso achar formas de rentabilizar o negócio e se sustentar com vendas de produtos ou criação de uma marca, por exemplo", destaca. Essa estratégia, além de gerar renda, irá fomentar e incentivar o ideal defendido.
A especialista ainda explica que a rentabilização contribui para melhorar a estrutura da instituição, possibilitando que um serviço ainda melhor seja oferecido para a sociedade. "Não adianta se iludir apenas com o propósito, pois, sozinho, ele não se sustenta", percebe. Giovana reforça que o foco do empreendimento não precisa ser o lucro, mas sim o entendimento de que a renda gera benefícios para quem participa do grupo ou é atingido pelo projeto, além de ser fundamental para que a iniciativa exista por mais tempo.