Se na hora de empreender o foco de muitas pessoas é a inovação, há quem aposta no caminho contrário para abrir um negócio. Em Porto Alegre, iniciativas consolidadas em cima de itens já pouco comuns hoje em dia, como um VHS ou um disco de vinil, ganham mercado ao atrair uma clientela apaixonada, que enxerga nos objetos muito mais que um utilitário, mas uma forma de viver a história.
Nesta perspectiva, muitos pensam que as locadoras são negócios do passado, sem perspectiva de futuro, mas não é nisso que o casal que toca a Twin Vídeo acredita. Presente em Porto Alegre há 31 anos, o lugar se manteve ativo durante a passagem das gerações e comemora a volta pela procura dos produtos.
Denise Noal Franco e Francisco Franco ainda namoravam quando decidiram abrir uma vídeo locadora na Capital, em 1991, em uma garagem no bairro Santo Antonio. "Montamos porque sempre gostamos de filmes, mas foi algo que aconteceu por acaso, porém foi dando certo, era uma época boa para o negócio, a locadora estava em alta". Percebendo que a demanda do mercado era grande e estudando as concorrentes, os sócios começaram a traçar as estratégias comerciais para o negócio. Uma das reclamações dos clientes era a falta de estoque de filmes, as locadoras normalmente tinham uma ou duas edições de um título, por isso, muitas pessoas precisavam ficar esperando dias, ou até meses, até aquele filme ser devolvido. Pensado nisso, a Twin Vídeo começou a comprar vários volumes do mesmo longa-metragem, o que facilitava na hora de alugar para mais clientes.
Por conta da decisão, o estoque da locadora foi ficando cheio, então os sócios tiveram a ideia de montar um espaço para revenda. Lá, eles vendiam os filmes por um preço mais barato, já que eram usados, para locadoras menores, normalmente do interior, que vinham para Porto Alegre atrás desse tipo de negociação. "Abrimos essa revenda na Farrapos e os donos de locadoras desciam da rodoviária e iam direto ali comprar, era mais em conta para eles. Assim foi indo, até que abrimos outras lojas, chegamos a ter quatro locadores aqui", explica Denise. Com a queda do mercado, o casal foi fechando os outros empreendimentos e há quatro anos eles contam apenas com o galpão localizado na avenida João Walling, nº 73.
"Com essa dificuldade que enfrentamos, começamos a ver outras formas de continuar, porque a gente não costumava vender para as pessoas, era mais para atacado mesmo, só que muita gente começou a querer comprar os filmes, então transformamos a locadora em uma loja", comenta a sócia, afirmando que desde a pandemia, eles não aceitam mais a locação dos itens. Além dos filmes, a Twin Vídeo também vende CDs e Vinis, que assim como os outros produtos, recebem de locadoras que fecharam e precisam se desfazer dos itens ou de colecionadores que também querem liberar espaço. Atualmente, o empreendimento contém mais de 200 mil unidades de filmes, que variam entre DVD, fita e VHS. "As pessoas chegam aqui e ficam assustadas, tem muita coisa, temos filmes infantis, comédia, guerra, lançamentos, os mais antigos, temos muitos filmes raros também, difíceis de encontrar", diz Denise.
O negócio oferece preços acessíveis para a grande parte do estoque, muitos filmes custam entre R$2,00 a R$10,00, mas alguns itens, como box de séries e produtos importados, possuem um valor mais alto. Denise afirma que a melhor parte é ver as pessoas garimpando, segundo ela, eles conquistaram muitos clientes fiéis, que vão procurar por títulos toda a semana, além de pessoas de fora do Estado que viajam apenar para comprar na loja. "Tem um cara de Brasília, uma vez por mês mais ou menos ele vem para cá, só esse ano já veio 10", diz Francisco. O negócio não possui comércio online, para os sócios, é uma alternativa desnecessária, de acordo com eles, é importante ter a experiência de chegar na loja e ficar horas vendo e procurando os filmes.
"O que tu quiser vai ter aqui, às vezes as pessoas chegam com uma preferência, e para ser sincera, eu não sei dizer onde estão os filmes certinho, sei o setor que eles podem estar, é impossível catalogar tudo, mas eu sei que tem, e o legal é isso, é sentar no chão, nas cadeiras e ficar procurando", afirma Denise. O casal está satisfeito com o rumo do negócio e garante que o mercado tem crescido cada vez mais. "Recebemos clientes de todas as idades, desde crianças até pessoas mais velhas, aqueles que amam ver filmes e os que colecionam coisas mais raras, muita gente passa por aqui e acaba encontrando algo que interesse, é muito bom ver que ainda estamos dando certo", diz Denise.
Com três décadas de história, loja de discos fideliza clientes em Porto Alegre
Com a identidade voltada para o rock clássico, o negócio passou a abrir espaço para novos gêneros musicais
A paixão pela música sempre acompanhou Rogério Cazzetta, de 57 anos, proprietário da Toca do Disco, loja que existe há 33 anos na Capital. Sua ligação com o item começou quando ele ganhou seu primeiro disco de vinil, aos 11 anos, momento que recorda com carinho, uma edição da trilha sonora da novela Estúpido Cupido, com músicas internacionais de bandas que seguiram com o empreendedor durante a vida.
Nos anos 1970, ele costumava andar por Porto Alegre procurando novos LPs para aumentar a coleção, sempre atrás de bandas de rock, soul e jazz, e, segundo Rogério, foi nessa época que a vontade de montar o próprio negócio surgiu. "Saía para comprar discos, conversava com as pessoas sobre música. Mesmo sem saber, ali foi o embrião da minha vontade de um dia ter a minha loja de disco", comenta.
Rogério trabalhava como professor de educação física quando recebeu uma proposta da sua mãe para abrir um negócio de venda de discos e filmes. Em 1989, surgiu a Toca do Disco e a Toca do Vídeo. O espaço era dividido ao meio, ele cuidava da parte musical e seus pais administravam o outro lado. Esse formato perdurou até 1992, quando a loja passou a ser totalmente voltada para os discos. "Nesses 33 anos, passei por todas as fases. Nos anos 2000, chegaram os CDs, era uma loucura, o presente de aniversário mais dado na época. Comecei a trazer algumas edições legais, importadas, e foram praticamente oito anos de muito consumo, e o vinil caindo cada vez mais", explica o empreendedor, que garante que a procura pelos discos voltou há cerca de seis anos.
Apesar de ter o foco na loja física, a Toca do Disco também possui um perfil de vendas no Mercado Livre, mudança necessária que veio com a evolução da tecnologia, mas que permite que Rogério envie produtos para todo o Brasil. Outro ponto que o empreendedor destaca é que, mesmo com o negócio tendo uma identidade muito voltada para gêneros musicais que fazem parte do seu gosto próprio, como o rock clássico, blues, e edições nacionais, agora existe espaço para álbuns de música pop, devido ao grande pedido dos clientes mais novos.
Sua esposa, Adriana Duarte, e os filhos mais velhos do casal também trabalham no negócio, dando seguimento a tradição familiar pelo amor aos discos. Rafael, de 30 anos, e Francisco, 20, compartilham do gosto do pai pelos gêneros musicais, mas é a filha mais nova, Isadora, de 14 anos, que conta as novidades para o proprietário. "Ela ouve muita música, agora saiu o álbum novo da Taylor Swift e ela já me explicou tudo e pediu para trazer para a loja. Mesmo com os clientes mais velhos procurando outros estilos, a gurizada vem atrás do pop, então tenho trazido conforme os pedidos, a própria Taylor, Ariana Grande, Bruno Mars, pessoal pede muito", diz Rogério.
Trabalhando com discos, CDs e fitas novas e usadas, o empreendedor garante que é a grande paixão da sua vida e que fica feliz de ver que conseguiu fidelizar clientes ao longo dessas três décadas. "Tenho muito cliente que vinha aqui quando era criança e, agora, traz os filhos, para comprar discos, para ouvir música, fora as pessoas que começaram agora a colecionar e eu torço para que elas continuem gostando", comenta o empreendedor. A Toca do Disco fica na rua Garibaldi, nº 1.043, e funciona de segunda a sexta-feira, das 10h às 19h, e sábados, das 10h às 14h.
Casa do Cacaredo reúne mais de 10 mil itens em acervo no bairro Partenon
O negócio fica na rua Rafael Clark, nº 567 e funciona de segunda a sexta-feira, das 9h às 19h, e nos sábados, das 13h às 17h.
A Casa do Cacaredo é uma viagem no tempo para várias épocas diferentes simultaneamente. Com milhares de peças, o lugar desperta a curiosidade dos clientes que, assim como o dono do negócio, são apaixonados por antiguidades.
Colecionador desde criança, Ricieri Cunha cresceu fascinado por itens antigos. Brinquedos, cartas, video games e objetos de decoração sempre chamaram a sua atenção. Com 15 anos, ele começou a pensar em comprar o primeiro carro, mesmo não tendo como dirigir. "Queria muito um carro antigo, então começamos a procurar, até que apareceu um Opala 1972, que era do meu tio, e eu peguei aquele carro e comecei a mexer nele, comprar peças para restaurar, e nisso tive a ideia de pegar algumas peças para decorar a garagem", conta.
Sem muito espaço para guardar os objetos, ele começou a decorar o próprio quarto. O colecionador desenvolveu o hábito de postar fotos das peças que conseguia nas redes sociais, o que chamou a atenção de um amigo que estava se desfazendo de alguns itens. Com a ajuda do pai, Ricieri comprou esses objetos e anunciou a venda deles. Em três dias, já tinha vendido tudo. "Comecei a comprar e vender essas coisas antigas. A loja começou aqui na garagem, com uma prancha de surfe que eu usava como mesa, colocava as coisas ali e vendia", explica. Outro ponto que também influenciou a criação desse negócio foi o programa norte-americano Caçadores de Relíquias, em que dois amigos viajam pelos Estados Unidos comprando objetos antigos. Ricieri é fã, e chegou a conhecer os apresentadores, que deram um presente para o gaúcho, atualmente exposto na loja.
O negócio já tem nove anos em Porto Alegre e o empreendedor afirma que a melhor parte é procurar pelas peças antigas. No início do projeto, era comum Ricieri pegar o carro e viajar para cidades no interior do Estado procurando outros colecionadores. "Parávamos em bares e mercadinhos de bairro, puxávamos assunto com os donos e eles nos contavam das pessoas que mexiam com antiguidades na região", conta.
Atualmente, ele planeja a viagem e contata possíveis compradores e fornecedores antes de ir para a estrada. Ter família morando nos Estados Unidos também ajuda na busca pelas peças. O empreendedor costuma ir duas vezes por ano para lá, garimpando em feiras e exposições de antiguidades.
A Casa do Cacaredo envia produtos para o mundo todo, e apesar de ter o foco na venda para outros colecionadores, também possui clientes que querem peças específicas para decoração. Ricieri comenta que alguns dos itens mais procurados na loja são brinquedos antigos, video games, telefones e câmeras fotográficas. A maior parte dos objetos não são restaurados, mas os consoles são levados para manutenção para garantir que eles ainda funcionam. O empreendedor conta que estar na loja é como ver a história de maneira direta, é entender como as coisas funcionavam e como as pessoas se comportavam. Como exemplo, ele mostra um capacete original utilizado pelo exército brasileiro durante a Segunda Guerra Mundial, que está à venda. Além disso, explica que muitos itens lembram a sua infância e outros fazem com que ele queira estudar mais sobre determinada época. Para ele, é importante saber o contexto daquele objeto, e explicar a finalidade do item para o cliente faz parte da experiência do negócio. O negócio fica na rua Rafael Clark, nº 567 e funciona de segunda a sexta-feira, das 9h às 19h, e nos sábados, das 13h às 17h.