Ana Esteves, especial para o JC
A falta de alimento para o gado tem sido um dos principais gargalos no pós-enchente para pecuaristas pelo Rio Grande do Sul à fora. O impacto foi sentido tanto na impossibilidade de plantio das pastagens de inverno, em função da degradação do solo, quanto nos rolos de pré-secado estocados como alternativa para o inverno, mas que foram levados pelas águas.
O engenheiro agrônomo e coordenador técnico da Cotribá, Fernando Muller, explica que a chuva gerou grande prejuízo à fertilidade do solo, pois a erosão levou à perda das partes física, química e biológica das áreas. "É difícil mensurar quanto se perdeu e é possível que a reconstrução do solo leve mais de 15 anos, pelo grande volume de chuvas." Entre as saídas para o problema, Muller elenca algumas opções como incentivo à rotação de culturas, mantendo o solo coberto com palha durante o ano todo e adoção de outras alternativas de renda para dar mais estabilidade no campo.
O engenheiro agrônomo e professor da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Gustavo Brunetto, diz que o grande volume de chuvas em pouco tempo dificultou a infiltração da água no solo, gerou escoamento de água e transferência de solo com grandes perdas do mesmo. Além da saída de água dos rios que levou à perda da camada fértil do solo e deposição de resíduo, deixando apenas a fração areia. “A matéria orgânica também foi embora, houve a formação de voçorocas (buracos no solo por erosão severa), além de perda de áreas com grãos que esperavam para serem colhidos”, acrescenta Brunetto.
O caminho para a recuperação dos solos passa por fazer amostragem das regiões afetadas, calagem, boa adubação e cobertura por planta. “Mas não trazem resultado a curto prazo. E eventos extremos serão mais frequentes, como secas e muita chuva em curto espaço de tempo. É o momento de revisitar conhecimentos antigos e intensificar o uso de plantas de cobertura”. O tema foi debatido no evento Reconstrução do solo no Rio grande do Sul pós-enchentes, na Casa da Cotribá, na Expointer, que reuniu além de Brunetto e Muller especialistas do setor para debater alternativas para sanar o problema no Estado.
Pecuaristas buscam alternativas para contornar déficit de pastagens
O pecuarista da cabanha Luz de São João, de São Gabriel, Celso Jaloto, conta que toda a área que ele tinha destinado para o cultivo de azevém precisou receber tratamento especial para que houvesse disponibilidade de alimento para o rebanho Braford que ele cria. “Não tinha como entrar com trator nas lavouras, pois estava muito alagado, precisei semear e depois aplicar ureia como adubo de cobertura com ajuda de avião. Além disso, não tinha luminosidade para a planta crescer”, diz o pecuarista. Ele conta que pensou em adiar o leilão de touros e fêmeas, marcado para setembro, pois “tem que estar com o os animais bem preparados para ir para o leilão e a gente no início teve muita dificuldade, mas depois as coisas foram se acomodando e deu tudo certo. Mas se fosse num tempo normal, a gente teria ganho aí uns 20 dias”.
Jaloto pensou em adiar o leilão de touros e fêmeas, marcado para setembro
Carolina Jardine/Divulgação/JC
Na propriedade dele também é usado o bolo de pré-secado para complementar a alimentação do gado no vazio forrageiro, período em que acabou a pastagem de verão e a de inverno ainda não se desenvolveu, o qual, por sorte, foi preservado durante a enchente. “Para não ficar apenas no campo nativo, colocamos pré-secado e complementa com um proteico energético”. O resultado das enchentes foi atraso na pastagem de azevém, que normalmente, em junho já está pronta e neste ano não ficou pronta a tempo. “E aí é visível, quando você sai numa pastagem normal de verão ou de suplementação nesse vazio forrageiro e entra no azevém, pois o animal se desenvolve mais."
O impacto nos custos de produção foi alto, com incremento de 15%, pelo aumento do uso de tecnologia para garantir a germinação e crescimento das pastagens. “Como é uma área que foi cultivada com soja no verão, a adubação da época ajudou”. Quanto à área plantada, Jaloto, diz que, em anos normais planta toda a área de soja com pastagem de inverno, mas que, em função da enchente, teve que reduzir em 50%.
O pecuarista Roberto Beck, da Estância do Espinilho de Cruz Alta, diz que num primeiro momento, logo após a colheita de soja, foi possível plantar pastagens e houve uma germinação boa. “Mas o que foi plantado logo após a chuva, como a aveia, teve atraso total do ciclo, perdemos mais de mês em função do excesso de chuva”. Ele conta que precisou readequar o gado e usou aveia em cochos de alto consumo e um pouco de pastagem que tinha, para diminuir muito o espaço de volumoso (pré-secado). “Essa suplementação com aveia fazemos só no verão. E o número de animais é o mesmo, apenas encolhemos o espaço e concentramos esses animais num espaço pequeno em função de eles estarem suplementados”. Sobre as áreas erodidas, ele conta que foi feito aterro das valetas para amenizar um pouco o prejuízo.