Porto Alegre,

Anuncie no JC
Assine agora

Publicada em 28 de Agosto de 2024 às 15:59

Baixa oferta de crédito limita investimentos em estocagem de grãos

Estimativa é de que seriam necessários cerca de R$ 100 bi para atualizar capacidade de estocagem

Estimativa é de que seriam necessários cerca de R$ 100 bi para atualizar capacidade de estocagem

ELIPAL/DIVULGAÇÃO/JC
Compartilhe:
Claudio Medaglia
Claudio Medaglia Repórter
A produtividade das lavouras brasileiras cresce em velocidade superior à construção de estruturas para armazenamento das safras. E vem aumentando, a cada ano, a pressão sobre o escoamento da produção de grãos. Mas, com recursos oficiais para financiamento muito abaixo do volume ideal, produtores, cerealistas e cooperativas enfrentam dificuldades investir no setor.
A produtividade das lavouras brasileiras cresce em velocidade superior à construção de estruturas para armazenamento das safras. E vem aumentando, a cada ano, a pressão sobre o escoamento da produção de grãos. Mas, com recursos oficiais para financiamento muito abaixo do volume ideal, produtores, cerealistas e cooperativas enfrentam dificuldades investir no setor.
A estimativa é de que seriam necessários cerca de R$ 100 bilhões somente para atualizar a capacidade de estocagem. Aporte que o governo diz não ter condições de fazer. 
O que nos foi dito é que poderiam ser destinados R$ 1 bilhão por ano. Isso levaria cem anos. Então, temos de encontrar outros caminhos”, diz Nei Manica, presidente da Cotrijal, de Não-Me-Toque.
Atenta à necessidade de acolher e administrar a produção crescente, a cooperativa deve fazer um novo upgrade em sua capacidade de estocagem em 2024. O projeto envolve investimento de R$ 100 milhões, mais modesto do que nos últimos anos. A ação está inserida no programa de expansão e melhorias, que visa a ampliar e qualificar as estruturas. “Mesmo com crise, não podemos parar de investir”, conta o líder cooperativista.
Gerenciar o problema, que trava a rentabilidade no campo, exige estratégia e também cautela. No Plano Safra 2024/2025, o Programa para Construção e Ampliação de Armazéns (PCA) do governo federal prevê destinar R$ 7,8 bilhões. O crédito para construção de armazéns com capacidade de até 6 mil toneladas será de R$ R$ 3,3 bilhões, com juros de 7% ao ano e prazo de 10 anos para pagamento. Investimentos para estruturas maiores terão R$ 4,5 bilhões em recursos financiáveis, com taxas de 8,5 % ao ano.
O volume é 17,4% superior ao montante de recursos liberados em 2023, mas muito distante dos R$ 15 bilhões anuais em recursos públicos e privados idealizados pela Câmara Setorial de Equipamentos para Armazenagem de Grãos da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq). E, pelo alto valor dessas estruturas, quando se esgota o crédito oficial, param os projetos.
É um investimento muito caro. Ainda mais se precisarmos tomar empréstimos a juros de mercado, como é o caso das cerealistas, que não estão contempladas no Plano Safra. E o retorno desse dinheiro demora a acontecer”, diz Alceu Menegol, diretor executivo da Associação de Empresas Cerealistas do Estado do Rio Grande do Sul (Acergs).
Das 220 empresas do setor no Rio Grande do Sul, 79 são associadas à entidade. E foram responsáveis por 33% dos grãos comercializados entre os meses de março e junho no Estado.
De acordo com o dirigente, há investimentos, mas em ritmo muito mais lento do que o necessário. A safra nacional cresce, em média, 10 milhões de toneladas a cada década. Uma disparidade que precisará ser atacada muito em breve, diz o presidente do Sistema Ocergs, Darci Pedro Hartmann, para quem a necessidade de novos armazéns é muito grande. E, principalmente, armazenagem com qualidade e segregação de produtos.
A metade sul do Estado, que abriu sua fronteira agrícola, deve ter, atualmente, capacidade para armazenar cerca de 60% da produção. E a metade norte também não. "Especialmente pela segmentação de produtos. É uma dificuldade separar e segregar”, lamenta.
Hartmann observa que poucas cooperativas estão fazendo financiamento neste momento, pois acompanham a renegociação das dívidas dos produtores. Muitos ainda não têm acesso ao crédito rural e não resolveram seu passivo.
“Mas, fatalmente, é um processo que, ao se resolver as pendências, precisará ser abordado em Brasília. Como será quando tivermos safras cheias de trigo e de soja? Precisamos de linhas de crédito mais favoráveis”, avalia.
Nas indústrias de estruturas para estocagem, o ritmo de trabalho é muito inferior à capacidade. Reflexo da dificuldade em acessar recursos para custear novos equipamentos. E, pela crise recente enfrentada no RS, a busca por novas estruturas fica em segundo plano pelos produtores.
O produtor vê armazenagem como investimento. E, neste momento, ele quer sobreviver, não crescer”, analisa Raul Azevedo, diretor da Elipal Silos e Secadores, com sede em Palmares do Sul.
Em 2022, a empresa construiu e entregou 21 silos com capacidade de armazenamento de 1,8 mil toneladas cada. Mas poderia produzir o dobro da demanda que atende atualmente.
Estamos freados por falta de verba para investimento. Essa deficiência custa caro ao País. Maior capacidade de estocagem faz do produtor mais dono do seu negócio. Dá a ele a possibilidade de escolher o melhor momento para comercializar seu produto. E dá condições para investimentos também em outras áreas”.

Custo do dinheiro é entrave a financiamentos pelo sistema financeiro

França diz que problema da armazenagem é tão crônico quanto a taxa de juros no País

França diz que problema da armazenagem é tão crônico quanto a taxa de juros no País

TÂNIA MEINERZ/JC
A distância entre o volume as condições oferecidas pelo crédito oficial e pelo sistema financeiro é um empecilho a mais para a ampliação da capacidade de estocagem. No Rio Grande do Sul, a maioria das operações é feita via Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul (BRDE), com os maiores volumes para a metade norte.
Em 2023, a instituição emprestou R$ 369 milhões em novos projetos. Neste ano, somente no primeiro semestre, foram aprovados outros R$ 85 milhões. Mas a demanda chega a quase R$ 150 milhões, que está condicionada à ampliação dos limites de captação do banco.
No Brasil, cerca de 10% da demanda é atendida pelo Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES), com taxas subsidiadas, estima o diretor de Agronegócios do Bradesco, Roberto França.
“Os outros 90% são um problema. Aliás, o problema da armazenagem é tão crônico quanto o custo da taxa de juros no Brasil. Sem subsídio do governo ou do Tesouro Nacional, operações de longo prazo exigem juros de pelo menos 15% ao ano. Em tese, caro para o produtor. Mas fica ainda mais caro quando ele é obrigado a comercializar sua produção a preços mais baratos do que poderia”, observa.
O banco tem uma modalidade de financiamento com uso de Cédula de Produto Rural (CPR) para construção de silos e qualquer investimento em propriedades rurais. “Recurso não falta. Mas com taxas a partir de 15% ao ano, com cinco a 10 anos para pagamento. O limitador é a taxa de juros. Dinheiro barato não existe. No Brasil, é o custo Selic. Abaixo, só subsidiado”, conclui França.

Notícias relacionadas