Relembrando a marcante carreira no rádio gaúcho e brasileiro, o locutor esportivo Haroldo de Souza realizou um sonho pessoal em 2024, aos 80 anos: o lançamento de seu livro "Adivinhe! Haroldo de Souza: A memória do narrador dos gaúchos. 50 anos de rádio no Rio Grande do Sul", em novembro, "completando aquela trilogia em que o homem casa, planta uma árvore e escreve um livro", como destaca o próprio.
Muito além da obra, Haroldo coleciona lembranças de uma trajetória recheada de histórias mundo afora, representando os principais veículos do Estado. Ao Jornal do Comércio, o experiente profissional contou sobre a produção do livro e sua carreira no jornalismo, passando pelos dias de ouro do "rádio raiz", como ele mesmo define, até os dias atuais, no microfone da Rádio Gre-Nal, a "Caçulinha do Brasil".
Ao contrário de tradicionais biografias, feitas por terceiros, Haroldo assina seu livro e explica como foi o processo criativo: "com quem eu tive oportunidade, que esteve no passado comigo, entrei em contato, mas na real mesmo foi baseado na minha cabeça. Pensava no fato que tinha acontecido, escrevia e guardava na gaveta. E assim foi, até que juntei um bom material e pensei que daria uma publicação".
Mas não só de matéria-prima se faz uma obra. O locutor precisou ir atrás de alguém para produzir o material. Haroldo tirou a ideia do papel com a ajuda de duas pessoas em especial. "Tive a colaboração do Ciro Guedes, um jornalista que mora no Uruguai, e do Kelvin Moraes, da cidade de Ijuí, que tem um arquivo muito grande ao meu respeito", conta.
Haroldo relembra com saudosismo o início de carreira
Revivendo memórias, o narrador destaca as passagens pelos principais veículos gaúchos com saudosismo. Natural de Jacarezinho, Paraná, ele estava a serviço da Rádio Itatiaia, de Minas Gerais, quando se reuniu com as cabeças da Rádio Gaúcha e sacramentou sua vinda. "A Gaúcha me deu entrada no Rio Grande do Sul. Fui fazer a Copa do Mundo de 1974, na Alemanha, pela Itatiaia, e lá cruzamos eu, Paulo Sant'Ana e Nelson Sirotsky, e acabei vindo naquele ano. Na RBS, permaneci 17 anos autenticamente bem vividos no rádio raiz. Vibrávamos com cada transmissão, porque a rivalidade era com a Rádio Guaíba, que tinha um poderio enorme, tanto tecnicamente quanto de pessoas talentosas na sua equipe", relembra.
Quando ele fala em "rádio raiz", se refere ao poder das emissoras nas coberturas "in loco" e as vivências ao redor do planeta, demonstrando, em sua fala, o entusiasmo que cercava as viagens em um jornalismo cada vez mais distante dos dias atuais. "Não importa onde Inter e Grêmio fossem jogar, seguiam narrador, comentarista, repórter e operador de som. Tanto a Gaúcha como a Guaíba, e as grandes rádios de São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Recife, por aí afora. Quando a seleção brasileira fazia uma excursão, viajavam 40 emissoras de rádio. Multiplica isso por quatro profissionais em cada, conhecendo outros países, culturas e costumes", relembra.
A passagem da Rádio Gaúcha para a Guaíba
O narrador conta sobre a vida nos estádios e enfatiza a rivalidade sadia. Ao passar dos anos, nomes de Gaúcha e Guaíba foram "virando a casaca". Haroldo, que também falou nos dois microfones, não guarda mágoas de sua saída e detalha as chegadas e partidas no jornalismo esportivo da Capital: "Conseguimos na Gaúcha equilibrar. Tiramos o Ruy Carlos Ostermann da Guaíba, empatamos e em alguns momentos até ultrapassamos a emissora rival. Depois, a RBS resolveu buscar o restante dos talentos da Guaíba. Trouxe Armindo Antônio Ranzolin, Lauro Quadros, João Carlos Belmonte, e formou a seleção do rádio. Não tinha para ninguém".
Entretanto, com tantas "estrelas" no mesmo plantel, a falta de espaço começou a pesar. "Comecei a me sentir escanteado. Aguentei dois anos lá, com a presença do falecido Ranzolin como chefe. Resolvi, em 1991, depois da Copa da Itália (1990), que iria procurar meu canto", explica Haroldo.
E daí foram outras quase duas décadas na locução, em outro endereço. "Fui para a Rádio Guaíba e lá fiquei 19 anos. Foram momentos marcantes. Do grito de 'Guaíba' no estádio a uma rivalidade homérica com a Gaúcha. Foi fantástico para mim, particularmente, e de uma forma geral para o rádio esportivo da Capital. Ficam na memória os momentos grandiosos, numa disputa de audiência muito gostosa", saúda Haroldo, que apesar das boas memórias, não contou com a saída que gostaria.
Em 1989, o fundador da Igreja Universal do Reino de Deus, Edir Macedo, comprou o Grupo Record, que anos depois, em 2006, assumiu a Rádio Guaíba. Haroldo, por sua vez, era um crítico ferrenho das políticas do bispo e se sentiu "marcado" no ambiente de trabalho, sob comando da nova gerência. Mesmo assim, foram anos empunhando o microfone guaibeiro, até 2010, após a Copa do Mundo da África do Sul.
"Fui fazer o Mundial e por lá soube que havia uma decisão da Rede Globo de não mais vender direitos de transmissão da Copa para emissoras que não fossem filiadas a ela. No caso, em Porto Alegre, a Rádio Gaúcha. Aí decidi: encerrei minha carreira por aqui, porque daqui a quatro anos estarei em Porto Alegre, com a Rádio Guaíba, e ela não vai transmitir a Copa do Mundo", relembra o locutor, que inclusive foi convidado a falar sobre seu livro na emissora, em novembro do ano passado, e aceitou.
Locutor se encanta com o pioneirismo da Rádio Gre-Nal
Na sequência, os dois anos na Rádio Bandeirantes não foram felizes. Depois de uma saída conturbada, na primeira demissão da carreira, Haroldo rumou à Rádio Gre-Nal, em 2012. Três meses após a fundação do veículo afiliado à Rede Pampa, lá estava o narrador. Contemplado com o momento atual da trajetória, ele fala sobre a importância de uma rádio com a programação focada inteiramente no futebol: "Não tem no Brasil, na Alemanha, na Suécia, em Pernambuco, não existe em lugar nenhum do mundo uma rádio falando 24 horas por dia e focalizando a paixão do povo. Houve um casamento perfeito, e, hoje, a Gre-Nal é uma grata surpresa e presença marcante na radiofonia". E lá, o locutor trabalha com aquele que elegeu seu maior parceiro e amigo no jornalismo esportivo, Luiz Carlos Reche.
Quanto aos desafios de quem viveu as diversas fases do rádio nos dias atuais, Haroldo sente saudade das antigas coberturas, que se contrapõem ao rádio moderno — "a maioria das emissoras de rádio brasileira ficam dentro do estúdio e mandam o repórter na linha de frente. Agora, economizamos por conta das dificuldades da venda de patrocínio para o futebol —, e se demonstra contrário à febre mais recente da comunicação, o jornalista identificado. "Não entendo, não gosto e não aprovo. Mas quem sou eu para ir contra o momento, o sistema, a evolução tecnológica e a cabeça das pessoas, que tem aquele olhar lá na frente pelo dinheiro, dinheiro e dinheiro".