A manhã do dia 7 de junho de 2014 é daquelas que o torcedor do Inter, ao ser perguntado sobre o que estava fazendo, terá em sua resposta detalhes que não costumam acompanhar memórias de uma década atrás. Isso porque há exatos dez anos morria Fernando Lúcio da Costa, o eterno Fernandão. Em um trágico acidente de helicóptero, o ex-jogador faleceu em Aruanã, no interior de Goiás, aos 36 anos. Desde então, o sentimento de tristeza pela sua partida anda de mãos dadas com o sorriso que seu nome desperta em todo colorado.
Uma década depois, ele segue – e seguirá – no panteão da idolatria alvirrubra, ao lado de nomes como Falcão, Figueroa e Valdomiro. Craque dentro das quatro linhas e protagonista dos títulos mais importantes da história do clube, Fernandão é lembrado, acima de tudo, pelo caráter.
Fernando Carvalho, que ocupou os cargos de presidente e vice-presidente durante a passagem do ídolo, fala sobre a convivência com o F9: “Foi a melhor possível, era uma pessoa muito lúcida, evoluída e com uma consciência profissional acima da média, com conhecimento de vida, que demonstrava desde cedo. Tudo isso, ele passou a expor perante os seus colegas no ambiente de trabalho e foi logo caindo nas graças do grupo e da torcida”, relembra.
Revelado pelo Goiás, equipe na qual também tem grande idolatria, o meia-atacante deu os primeiros passos como profissional em 1995. Seis anos depois, entrou no radar do Inter, quando Odair Hellmann e João Gabriel Demeneghi, atletas da base, indicaram seu nome a Carvalho, na época dirigente, após disputarem um torneio de juniores pela seleção brasileira. O jovem, então com 21 anos, no entanto, rumou à França, onde ficou três anos, somando passagens por Olympique de Marselha e Toulouse.
Chegada em Porto Alegre
E quem diria que uma história tão rica se resolveria em apenas uma tarde. Em negociações avançadas com o Flamengo para voltar ao Brasil, Fernandão mudou de ideia em uma visita de Carvalho à Goiânia. Sentados na mesa de um restaurante, a dupla precisou de algumas horas para selar o acordo que mudaria o curso da história alvirrubra.
O desembarque na Capital, em junho de 2004, marcou o início de uma trajetória predestinada desde 18 de março de 1978, data do nascimento do atleta. Em 177 jogos com a camisa vermelha, foram cinco taças conquistadas, 90 gols marcados e 32 assistências. Entre os triunfos, estão a Libertadores, que rendeu a Fernandão a carinhosa alcunha de Capitão América, e o Mundial de 2006. Dois Estaduais e a Recopa Sul-Americana fecham a lista.
Influente, Fernando chegou com a mesma postura das palavras de seu discurso na prévia da final do Mundial, contra o Barcelona: sem “cair de paraquedas”. Por mérito, ele foi conquistando o ambiente e se tornando a liderança que, até hoje, é adotada como referência nos corredores do Beira-Rio.
Em Yokohama, a consagração de um ídolo
Contra o Barcelona, Fernandão subiu um patamar na idolatria alvirrubra
YOSHIKAZU TSUNO/AFP PHOTO/JC
Dois anos após o desembarque, foi naquele vestiário, no Estádio Internacional de Yokohama, no Japão, que o camisa 9, com a braçadeira amarrada no braço, protagonizou um dos momentos mais icônicos da conquista.
"Chegou a hora. Chegou o tão sonhado momento. Contra uma equipe que não é imbatível, que tem defeitos, sim. Que são seres humanos acima de tudo. A gente tem qualidade, chegamos aqui não foi por paraquedas. Ninguém ganhou no sorteio a classificação para vir jogar essa final. Ganhamos com muita luta, determinação e vontade. Com muita doação dentro de campo. E lembrar o que o Edinho acabou de falar aqui. Lá dentro, dá o máximo. O máximo. Só que aí a gente vai ver que estamos chegando no máximo, a gente ainda pode dar mais um pouquinho. Vamos lá dentro e vamos sair daqui campeão", discursou o capitão aos seus companheiros.
O experiente goleiro Clemer relata a expectativa pelas palavras do líder: “todo mundo já se conhecia, mas na hora da roda, ficamos esperando para ver o que o Fernandão ia falar. Ele, como sempre, foi um cara diferente, emocionou a todos. Se a gente já estava com muita gana para vencer, aquilo despertou ainda mais a chama que poderia ser acesa e incendiou o vestiário”.
A estreia e o gol 1000 em Grenais
Este processo, ainda que natural, se acelerou pela estrela do então camisa 18 em sua estreia, contra o Grêmio. Sob o comando de Joel Santana, que recém havia assumido a equipe e já estava pressionado, o meia-atacante saiu do banco de reservas para anotar “apenas” o milésimo gol em Grenais, o segundo do time na vitória por 2 a 0 no clássico 360.
Confiando nos seus comandados, o treinador recorreu às lideranças Clemer e Sangaletti, que conheciam Fernandão dos tempos de Goiás, para saber se ele, com seus 1,90 m de altura, ajudaria na bola área. “Joel chegou no intervalo e perguntou se ele resolvia nosso problema no momento. Nós confirmamos e o Fernando entrou em campo para fazer aquele golaço de cabeça. Aquela modificação mudou não só o Gre-Nal, mas também a vida dele no Inter”, relata o arqueiro.
A entrelaçada história entre Fernando Lúcio da Costa e Sport Club Internacional seguiu após a morte do ídolo. Em dezembro de 2014, o clube ergueu uma estátua no pátio do Beira-Rio e um Memorial foi construído no corredor do Portão 3 de acesso ao estádio. Entretanto, a nação colorada convive com a perda de um dos seus maiores símbolos, sem a oportunidade de se despedir do Eterno Capitão.
Torcedor colorado precisa conviver com a partida precoce do seu Eterno Capitão
JONATHAN HECKLER/JC
Como foi o acidente
Fernando Lúcio da Costa faleceu por volta da 1h da manhã do dia 7 de junho de 2014, em um acidente de helicóptero. O ex-jogador estava pescando com os amigos em Aruanã, no interior de Goiás. O episódio ocorreu no retorno para Goiânia. De acordo com a perícia, o piloto não estava sob efeito de nenhum entorpecente, mas teve culpa por perder o controle da aeronave. Além do ídolo colorado, também faleceram na tragédia: Milton Ananias (piloto), Antônio de Pádua, Marconi Perillo, Edmilson de Sousa Lemes e Lindomar Mendes Vieira.