Há de cerca de 10 anos, a diretoria da Cooperativa Vinícola Garibaldi começou a perceber que o suco de uva, por suas características de produção, se tornaria muito similar a uma commodity, com grandes volumes e baixa rentabilidade, o que poderia, gradativamente, resultar em perda de competitividade. A partir de um estudo, a diretoria vislumbrou no espumante um item de grande potencial de agregação de valor, além da forte identificação com as características brasileiras.
O diretor executivo Alexandre Angonezi destaca que o planejamento estratégico contemplou investimentos fortes no espumante. Atualmente, a bebida já representa 30% do volume produzido e 40% da receita da companhia. "Não estamos abrindo mão de outros itens, como vinhos finos e sucos, mas o crescimento da cooperativa se dará pelos espumantes, que agrega valor e melhora a rentabilidade", assinala.
Angonezi atenta para o baixo consumo per capita de espumante no Brasil, na ordem de 200 mililitros por consumidor acima dos 18 anos. Na sua avaliação, o consumo ainda está muito concentrado em eventos nos festejos de final de ano. "Existe um mercado muito grande para ser explorado e ocupado", afirma.
Para ampliar a faixa de consumo, a cooperativa desenvolve produtos de perfis variados para ocasiões diferentes. Angonezi cita rótulos mais leves e doces, como moscatel, normalmente a porta de entrada do consumidor, até itens mais sofisticados elaborados pelos métodos charmat e champenoise. A mais recente novidade é o surlie, espumante que continua com as leveduras dentro da garrafa mesmo após o término da segunda fermentação. O objetivo é obter um produto de características únicas de aromas, sabores e textura. Também investiu em um prosecco sem álcool. Para cumprir os objetivos do planejamento estratégico, a cooperativa realizou um intenso trabalho de mudança cultural junto aos mais de 450 associados, que representam em torno de 300 famílias e plantios de 1,2 mil hectares de vinhedos.
Angonezi registra que uma equipe de cinco técnicos atende diretamente os cooperados com informações sobre as novas variedades, plantios e cuidados com os vinhedos e o meio ambiente. "O objetivo é sincronizar o máximo possível os volumes de produção com a capacidade de processamento e, principalmente, com a demanda do mercado. Felizmente, temos esta situação equilibrada. O cooperado entendeu a necessidade da mudança de foco. Assim, foi possível fazer a reconversão dos vinhedos, com apoio da cooperativa, para este novo momento", assinala.
A Garibaldi formalizou parceria com uma empresa italiana para importação de mudas selecionadas, as quais foram repassadas aos produtores já validadas pelos técnicos como adequadas a cumprir os objetivos do planejamento estratégico. De acordo com Angonezi, as variedades também contemplam uma gama de vinhos finos, atendendo aos consumidores que estão optando por produtos mais sofisticados para ocasiões mais restritas.
Dentre as novidades está a linha VG, elaborada a partir de variedades pouco usuais no Brasil como Ancellota, Marselan, Alvarinho branco e Pálava, essa originária da República Tcheca e, pela primeira vez, cultivada no Brasil.
Quando chega ao produtor, a variedade já foi testada em um vinhedo experimental da cooperativa. São quase três hectares de parreirais, com cerca de 60 variedades, escolhidas em função da capacidade de produção, potencial enológico e resistência às doenças. "Quando recebe a muda, o cooperado já sabe que a chance de sucesso é grande e demonstra interesse pelo plantio", frisa.
A cooperativa também se preparou tecnologicamente para o processamento das uvas. Inicialmente, o investimento atendeu o segmento de suco uva. Num segundo estágio, o direcionamento foi para a elaboração de espumantes. Angonezi avalia que os valores aplicados nos últimos 15 anos somam mais de R$ 100 milhões. "Temos um dos mais modernos complexos fabris do mundo para sucos, vinhos e espumantes", assegura.
Na safra deste ano, a Cooperativa Garibaldi apurou queda de 35% na comparação com um ano normal, resultado dos efeitos climáticos do El Niño. A situação foi contornada pela existência de volumes estocados, o que permitiu manter o planejamento da cooperativa em termos de atendimento ao mercado e o crescimento planejado.
As enchentes de maio causaram impactos diretos, com perdas de produtos na unidade de Porto Alegre, e de videiras por parte de alguns produtores. Ainda assim, Angonezi mantém a projeção de crescimento de 10% no ano, especialmente com aumento de participação nos espumantes. Em 2023, a comercialização chegou a 20 milhões de litros.
A exemplo da maior parte do mercado, a cooperativa tem no varejo supermercadista o seu principal canal de venda, com 85% do total. A diferença segue para delicatessen, lojas especializadas e venda direta ao consumidor por meio do enoturismo. O mercado externo também faz parte do planejamento estratégico da Garibaldi.
Angonezi define como mercado interessante, mas sem grandes volumes em valores. O executivo registra que, como um dos objetivos é a agregação de valor, a cooperativa procura não entrar em disputa de preços.
"É bem difícil acessar o mercado, porque o mundo todo tem excedentes de produção", assinala. Destaca que, no ano passado, as exportações nacionais de vinhos e derivados somaram pouco mais de US$ 20 milhões, principalmente de produtos de baixo valor agregado. A atuação da cooperativa se dá principalmente nos Estados Unidos, Canadá, Japão, Chile, Uruguai e Guianas, sempre em pequenos volumes, buscando nichos e agregação de valor.