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Publicada em 11 de Outubro de 2024 às 03:00

Cheias de maio ampliam debate sobre papel dos seguros no Brasil

O Brasil tem um dos menores índices de adesão aos seguros do mundo, dado negativo mas que demonstra volume de oportunidades

O Brasil tem um dos menores índices de adesão aos seguros do mundo, dado negativo mas que demonstra volume de oportunidades

EVANDRO OLIVEIRA/JC
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Loraine Luz
Dando forma e números sem precedentes ao chamado risco climático, a enchente histórica e catastrófica de maio, no Rio Grande do Sul, trouxe à tona o papel do setor de seguros no País bem como reflexões sobre a capacidade de proteção desses mecanismos. Com 150 associadas no Estado, a Confederação Nacional das Seguradoras (CNSeg) vem divulgando, regularmente desde maio, relatórios específicos sobre indenizações relacionadas à enchente.
Dando forma e números sem precedentes ao chamado risco climático, a enchente histórica e catastrófica de maio, no Rio Grande do Sul, trouxe à tona o papel do setor de seguros no País bem como reflexões sobre a capacidade de proteção desses mecanismos. Com 150 associadas no Estado, a Confederação Nacional das Seguradoras (CNSeg) vem divulgando, regularmente desde maio, relatórios específicos sobre indenizações relacionadas à enchente.
Em cinco meses, os pagamentos superam os R$ 6 bilhões em quase 58 mil pedidos. Para o presidente da CNseg, Dyogo Oliveira, a depender de novas solicitações relacionadas principalmente aos seguros de Grandes Riscos, que requerem mais tempo de análise, as indenizações podem chegar à marca dos R$ 8 bilhões, superando os R$ 7 bilhões pagos durante o período da pandemia por Covid-19.
"Foi, sem dúvida, o maior sinistro decorrente de um único fato na história do Brasil", atesta André Thozeski, presidente do Sindicato dos Corretores de Seguros do Rio Grande do Sul (Sincor-RS), para quem o setor provou sua relevância, demonstrando agilidade de até 48 horas na maior parte dos pagamentos.
Opinião compartilhada por Guilherme Bini, presidente do Sindicato das Empresas de Seguros do Rio Grande do Sul (Sindseg-RS): "O segmento de seguros cumpriu um papel social preponderante, devolvendo à sociedade uma parcela considerável de recursos que, dessa forma, não precisaram ser desembolsados pelo setor público". Para o dirigente, o evento traumático demonstrou ainda a importância da fiscalização exercida pela Superintendência de Seguros Privados, assegurando que as seguradoras pudessem responder à demanda a partir de reservas técnicas rigorosamente alinhadas com o comprometimento de suas capacidades de indenização.
Pelo menos dois debates no setor se atrelaram fortemente ao sinistro no Estado. Um deles é a pouca adesão ao recurso. A razão é cultural, para Bini, que compara: "Somente em 2023, os brasileiros gastaram cerca de R$ 60 bilhões em sites de apostas, o que representa cerca de 15% dos valores pagos em seguros. Isso denota o quanto a cultura do seguro ainda tem muito a avançar na nossa sociedade", comenta o líder do Sindseg-RS.
Thozeski se mostra mais impressionado: "É alarmante a quantidade de cidadãos que ainda não têm seguro. O Brasil tem um dos menores índices de adesão aos seguros do mundo. Por que no 'primeiro mundo' as pessoas têm maior consciência da importância do seguro? Onde estamos falhando nesta 'evangelização'"?, questiona o representante do Sincor-RS.
De acordo com a entidade, menos de 30% dos veículos, residências e empresas têm seguro contratado no País. Thozeski acrescenta que, ainda assim, o Estado se destaca: "Cerca de 8% do total de valores arrecadados pelo setor de seguros no País, todos os anos, é de contratos gaúchos". São Paulo responde por cerca de 39%, Rio de Janeiro com 9,8% e Minas Gerais logo atrás, com 8,6%.
Superintendente de sinistros da Bradesco Seguros, Márcio Jordão afirma ter havido um aumento na demanda por coberturas contra desastres naturais motivada pela catástrofe de maio. "A situação evidenciou a vulnerabilidade de muitas propriedades e, como resultado, muitos segurados estão mais conscientes da importância de se proteger contra eventos climáticos extremos", afirmou ele.
Jordão ressalta, porém, que a cobertura para enchentes ainda é subcontratada, especialmente no Seguro Residencial. "Em um contexto em que os desastres naturais se tornam mais frequentes e intensos, a proteção da residência não é apenas uma medida prudente, mas essencial", acredita. A empresa contabilizou no Estado, no primeiro semestre (último balanço divulgado), o total de R$ 165 milhões em indenizações, com destaque para segurados de Porto Alegre, Canoas e São Leopoldo.
Uma oportunidade de ampliar a conscientização também foi percebida pela Sabemi Seguradora: "Ficou claro que empresas e indivíduos devem estar mais atentos à necessidade de proteção adequada. O mercado segurador tem um papel crucial, não só na recuperação financeira, mas também na prevenção e mitigação de danos", afirma Rodrigo Pecoraro, diretor-executivo de seguros da empresa.
Por outro lado, mesmo que a alternativa não esteja sendo usada em toda a sua potencialidade, o risco climático desafia o setor no sentido de se obrigar a rever os produtos que dispõem e avaliar o quanto estão aptos a responder diante de eventos naturais extremos, de grande amplitude. Os danos não podem ser subestimados.
"Daqui pra frente deve-se intensificar a oferta, tanto por parte das seguradoras como dos corretores de seguros, de coberturas com maiores abrangências e aptas a cobrir eventos extremos", acredita Bini. "Na parte de produtos, a experiência que se leva dessa enchente é a de que se deve intensificar a oferta de coberturas para eventos climáticos, trabalhando na criação de produtos com uma boa cobertura e preços compatíveis", conclui.
Pecoraro ratifica que o episódio também serviu como alerta para o desenvolvimento de novos produtos voltados a desastres naturais, essenciais para enfrentar os desafios climáticos futuros.
A longo prazo, as tendências visualizadas para o setor prometem respostas mais precisas e completas, capazes de se adequarem ao cenário envolvendo intempéries como a enchente gaúcha. "Com tecnologias como inteligência artificial e big data, as seguradoras poderão oferecer soluções sob medida, atendendo às necessidades dos consumidores de forma mais ágil", lembra.
"Os seguros sob demanda, que permitem coberturas temporárias e ajustáveis, atenderão especialmente as novas gerações, que buscam praticidade. A inclusão de camadas da população de baixa renda, com soluções acessíveis como microsseguros, também será uma tendência", acrescenta Pecoraro.
 

Resgates viraram emergenciais na Previdência Privada

Diretor do Bradesco, Scripilliti diz que contratos foram alterados

Diretor do Bradesco, Scripilliti diz que contratos foram alterados

/Bradesco/Divulgação/JC
Embora geralmente associada para fins de resgate futuro, de longo prazo — como aposentadoria, por exemplo —, a previdência privada também sentiu os reflexos do evento climático extremo de maio no Estado.
A Bradesco Vida e Previdência registrou movimentos entre clientes empresariais e também entre os individuais, confirma o diretor Estevão Scripilliti. "Nos planos individuais, naturalmente, ocorreram solicitações de resgates, e o saldo da previdência acaba sendo um importante colchão de emergência", afirma. Com relação a clientes de planos empresariais, também houve resgates.
Segundo ele, algumas empresas da região liberaram a parte da empresa aos participantes, retirando a regra de vesting prevista em contrato "De forma geral, esse impacto foi pontual, com aumento de poucas dezenas de milhões de reais em um universo de mais de R$ 10 bilhões em reservas", pondera. "Mas sabemos o quão importante foram esses recursos para quem se valeu do benefício", observa. Além da liberação do vesting, empresas utilizaram os recursos das suas contas coletivas para gerar aporte aos participantes impactados, buscando dar conforto financeiro na fase mais aguda.
Com mais de 40 anos de atuação no mercado, a Família Prev é um dos maiores fundos de previdência do Estado. E teve suas operações atingidas durante o desastre de maio. Ainda assim, se estruturou em tempo recorde para operar virtualmente e pagar, em dia, 8,8 mil aposentados e pensionistas. "Contar com esses recursos foi fundamental para nossos participantes durante a crise climática", relembra o diretor-presidente, Rodrigo Sisnandes. Entre os reflexos da enchente, a empresa percebeu uma redução da captação de novos clientes na ordem de 60% se comparado com 2023. "Avaliamos que as pessoas estão mais voltadas para o atendimento de demandas imediatas e até recorrendo a reservas para suprir necessidades básicas em decorrência das perdas durante a enchente", analisa Sisnandes. Para ele, no entanto, não resta dúvida de que a calamidade de maio mostrou a importância de ser previdente.
Entre as ações de apoio aos atingidos, a empresa ampliou o prazo de pagamento por boleto bancário em alguns planos, oferecendo uma carência para a contribuição mensal até que as pessoas conseguissem se organizar financeiramente. A empresa registrou um volume de 196 resgates nos últimos meses, desde a enchente, sendo 126 realizados de forma parcial. "Boa parte dessas solicitações de resgate está relacionada aos impactos da enchente." O volume é considerado baixo, e a empresa comemora o fato de ter conseguido converter a maior parte dos pedidos de resgate total em resgate parcial, mantendo as pessoas com o plano previdenciário. "Procuramos fazer um trabalho de retenção dos clientes, avaliando alternativas e explicando as vantagens de permanecer no plano", explica, para em seguida advertir: "Previdência privada é para constituir reservas a fim de gerar renda continuada no longo prazo. O resgate deve ser visto como último recurso". Porta-voz da Bradesco Vida e Previdência, Scripilliti também enfatiza este ponto e lembra da regulamentação recente da lei que prevê a utilização das reservas acumuladas em previdência privada como garantia de empréstimos contratados junto aos bancos, em condições mais favoráveis, justamente para evitar que as pessoas efetuem resgates em seus planos. Os prazos desta modalidade de crédito podem chegar a até 24 meses, sendo um instrumento para cobertura de uma necessidade financeira temporária, de modo a preservar as reservas de previdência.

Ameaças do clima: RS vira principal case para o setor

Dyogo Oliveira diz que proteção no Estado era de 10% dos prejuízos

Dyogo Oliveira diz que proteção no Estado era de 10% dos prejuízos

/Cnseg/Divulgação/JC
Riscos climáticos foi tema do 1º Fórum IRB (P&D) realizado em meados de setembro, no Rio de Janeiro. O IRB é uma empresa de resseguros, e o evento reuniu representantes de CNseg, Susep, Inmet, Embrapa, Inpe, Cemaden, entre outras instituições e empresas.
Na ocasião, o presidente da CNseg, Dyogo Oliveira, comentou sobre a catástrofe no Estado: "Lamento ver que a proteção que temos no Rio Grande do Sul é de menos de 10% do tamanho dos prejuízos totais que aconteceram. Temos um grande espaço para ocupar com os produtos já existentes". Para o dirigente, esse é um dos três desafios para o enfrentamento da situação pelo setor, ou seja, o fato de produtos já existentes não serem usados. Mesmo que a Região Sul, com destaque para os gaúchos, esteja entre os principais consumidores de seguros do Brasil em linhas como automóveis, residências, empresas e agronegócios. O segundo desafio é desenvolver novos produtos e, por fim, a integração com programas públicos, com agendas do governo, como terceiro desafio.
Novos modelos para medir riscos climáticos também estão em pauta no setor. Em recente podcast da CNSeg, Daniel Castillo, vice-presidente do IRB(Re), José Ferrara, CEO da Tokio Marine Seguradora, e Frederico Ferreira, CEO da Austral Seguradora, debateram o fato de que, tradicionalmente, os dados que precificam o risco de hoje têm como base eventos passados. Diante de uma nova realidade imposta pela transição climática, com eventos cada vez mais severos e extremos, como as chuvas no Rio Grande do Sul, mostram que as seguradoras precisam de novos modelos para medir os riscos climáticos.
A CNseg, em parceria com a Universidade de São Paulo (USP), realiza no dia 19 de outubro, em São Paulo, um workshop sobre riscos climáticos. O evento abordará os modelos de previsão de risco.

O maio atípico

No Brasil, a sinistralidade nos seguros de danos, em maio de 2024, aumentou para 66,1%, ante os 42,1% do mês anterior.
Os sinistros diretos no segmento de danos no estado do Rio Grande do Sul totalizaram R$ 1,69 bilhão, um crescimento de 192,5% em relação a abril, quando o valor foi de R$ 580 milhões.
Os dados foram divulgados em julho deste ano pela Superintendência de Seguros Privados (Susep), no seu relatório Síntese Mensal mais recente.

Efeito enchente

A Confederação Nacional das Seguradoras (CNseg), com 150 associadas no Estado, vem acompanhando o volume de pedidos para pagamento de indenizações de seguros ligadas à enchente gaúcha. Os números seguem em alta, mas desaceleraram. Foram quatro levantamentos sobre pagamentos solicitados às seguradoras até o fim da apuração desta reportagem:
1º Até 24 de maio: R$ 1,67 bilhão
2º Até 19 de junho: R$ 3,88 bilhões
3º Até 31 de julho: R$ 5,60 bilhões
4º Até 20 de setembro: R$ 6,03 bilhões
No estudo de julho comparado a junho, as solicitações "Outros" foram as que registraram maior alta (65,3%). Em termos absolutos, Grandes Riscos subiu quase R$ 1,5 bilhão de um mês para outro, alcançando pagamentos superiores a R$ 2,8 bilhões, sendo até agora o que registrou o maior volume de indenizações.
No levantamento de setembro em relação a julho, os números estão mais estáveis. No total de indenizações, houve aumento de R$ 435 milhões ( 7,8%). A variação percentual abaixo dos 8% ocorre pelo fato de a maior parte dos pedidos já ter sido feita.

Indenizações gaúchas ligadas à enchente

Entorno do Centro Administrativo alagado durante a enchente de maio de 2024 em Porto Alegre

Entorno do Centro Administrativo alagado durante a enchente de maio de 2024 em Porto Alegre

/Gustavo Mansur/Secom/Divulgação/JC
Automóvel 18.086 (R$ 1,22 bilhões)
Residencial habitacional 29.783 (R$ 601,5 milhões)
Agrícola 2.109 (R$ 177,7 milhões)
Grandes Riscos 822 (R$ 3,21 bilhões)
Outros* 7.147 (R$ 821,1 milhões)
Total 57.946 (R$ 6,03 bilhões)
* "Outros" contempla: Empresarial, Transportes, Riscos de Engenharia, Vida, Máquinas e Equipamentos/Benfeitorias (Rural) e Riscos Diversos (Patrimonial)

Tipos de seguros

Segurança. Cuidado. Proteção. Previdência

Segurança. Cuidado. Proteção. Previdência

/TÂNIA MEINERZ/JC
Por causa das enchentes no Estado, a Susep criou um guia de orientações sobre como os seguros podem ser proteção financeira em casos assim. Conforme o documento, os principais seguros que podem conter, a depender do que foi contratado, coberturas que cubram os danos causados pelas cheias são:
Habitacional: por imposição legal, esse seguro deve obrigatoriamente contemplar pelo menos duas coberturas: a) os danos físicos ao imóvel provenientes de desmoronamento ou ameaça deste, total ou parcial, vendaval, destelhamento e inundação ou alagamento, ainda que decorrente de chuva; e b) morte e invalidez permanente.
Auto: as coberturas deste seguro podem abranger diferentes riscos, podendo incluir alagamentos e inundações.
Residencial, Condomínio e Empresarial: estes seguros protegem residências individuais, casas e apartamentos, habituais ou de veraneio; edificação ou o conjunto de edificações, abrangendo todas as unidades autônomas e partes comuns; atividades comerciais, industriais ou serviços, ou, ainda, a imóveis não residenciais.
Rural: em geral, as seguradoras definem, em seus planos de seguro, coberturas básicas que devem ser contratadas. Assim, deve o segurado verificar se nas apólices consta a cobertura de eventos como chuva excessiva, alagamento, tromba d´água, ventos fortes, ventos frios etc. Caso as apólices sejam do tipo all risks, em que estão cobertos todos os riscos que não sejam expressamente excluídos, deve o segurado verificar se os eventos acima citados constam ou não da lista de riscos excluídos.
Transportes: garante ao segurado uma indenização pelos prejuízos causados aos bens segurados durante o seu transporte em viagens aquaviárias, terrestres e aéreas, em percursos nacionais e internacionais. De forma geral, costumam cobrir sinistros causados por fenômenos da natureza.

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