Sirmar Antunes tinha uma meta desde adolescente, quando foi levado por sua família para assistir a um filme em uma tela grande: ser ator de cinema. Assim como um grande personagem de uma produção, a narrativa de origem do artista é complexa, mas tem um local determinante: o bairro Medianeira em Porto Alegre, onde nasceu em 1955. Soma-se a esse cenário o importante elenco composto por sua família. Essas primeiras cenas foram fundamentais para a sua carreira cênica de 47 anos.
Conhecido por personagens marcantes no cinema feito no Rio Grande do Sul, em filmes como Netto perde a sua alma, Lua de Outubro e O dia em que Dorival encarou a guarda, Sirmar tem também atuação no teatro e em diversas produções para a televisão. Para Zeca Brito, diretor do Instituto Estadual de Cinema, em seus filmes Sirmar tratou com sensibilidade questões de gênero, teve uma expressiva participação em produções históricas e abraçou uma produção afirmativa, abrindo caminhos e portas para discussões importantes da sociedade. "Consagrado com prêmios e distinções em diversos festivais, é um reconhecido ator de cinema, gaúcho e universal", completa.
A trajetória cênica de Sirmar começa em casa: sua avó ouvia com frequência as famosas radionovelas na época. "Esses programas estavam no auge, e ela deixava eu ficar escutando, porque depois que acabava eu refazia toda a novela. E ela dizia assim, 'esse menino é artista', e falava orgulhosa para toda a vizinhança", conta. E, logo, a sua mãe também entraria para o coro.
Se o ator nasceu em casa, ele foi criado e começou a dar os primeiros passos em aulas de teatro na escola do bairro. Ainda quando criança, sua mãe era muito chamada pelas professoras. "Eu achava que a minha mãe era bem quista, porque todo dia queriam bater um papo com ela", conta. Só que o problema era a hiperatividade do guri. "Por sugestão de uma professora, criaram uma espécie de grupo de teatro para crianças como opção durante o período da Educação Física. Parece mentira, mas a minha mãe nunca mais foi chamada para o colégio", diz. E, com isso, vieram os primeiros ensaios e a ideia de se tornar um artista começou a crescer.
Faltava, entretanto, aquele elemento quase mágico que chegou na adolescência: os filmes na grande tela. "Quando eu tinha uns 14 ou 15 anos, a mãe, a tia ou a avó, todas gostavam de ir ao cinema e me levavam e eu via um cara em cena. Negrão. Sebastião Bernardes de Souza Prata. Grande Otelo. Aí eu disse para a minha tia: 'Tá aí, quero fazer isso'. Grande Otelo foi a minha grande referência negra em querer fazer cinema. E então eu descobri que mesmo não tendo grandes conhecimentos ou estudos, que eu estava no caminho certo'", relata.
Na época, o cinema era muito mais acessível financeiramente, enquanto o teatro era ainda mais elitizado. "Era distante para nós no sentido da grana, a gente não tinha muitos recursos para ir assistir, por isso que eles estranharam de início quando resolvi ir para o teatro", conta. Sirmar lembra que sua família era composta por muitas mulheres fortes. "Eu tive uma criação muito legal porque elas ajudaram a me blindar em relação ao racismo, que eu ia encontrar adversidade no teatro", conta. Elas o incentivaram, mas também se preocupavam com o futuro.
Infelizmente, Sirmar perdeu a sua mãe quando tinha apenas 17 anos. "Ela chegou a ver os primeiros ensaios, da primeira peça que estava desenvolvendo. Dei uma pausa, mas no ano seguinte entrei para um grupo de teatro e comecei a fazer mais seriamente mesmo", diz. Autodidata? Ele não gosta do termo. "Eu sou um ator 'feito a facão' mesmo, bruto. Eu mesmo me criei, era a oportunidade que eu tinha", aponta.
Em 2021, Sirmar Antunes foi escolhido como o primeiro ator a receber o prêmio Leonardo Machado, que homenageia personalidades do audiovisual no Rio Grande do Sul, no Festival de Gramado. Emocionado, na ocasião, ele agradeceu e lembrou também do ator Leonardo Machado, que dá nome à premiação e com quem contracenou várias vezes. "Na hora, tu não consegue entender o quão grande é esse prêmio, o quanto de representatividade tem. Mas na verdade isso só aumenta a minha responsabilidade como ator, o meu trabalho, porque um prêmio desses não é para retribuir com um obrigado, é para retribuir com trabalho", conclui.
Começo no teatro
Artista veterano contracenou com o jovem ator Paulo Rodríguez na montagem O coração de um boxeador, em 2012
/JONATHAN HECKLER/ARQUIVO/JC
Apesar de uma carreira intensa no audiovisual, Sirmar Antunes estreou oficialmente nos palcos no Grupo Canoense de Teatro Amador, onde fez o seu primeiro trabalho, a peça De Como Reviver um Marido Oscar, de Oraci Gimba, com direção de Newton Pereira, em 1976. Nessa época, ainda fez outros trabalhos marcantes em sua trajetória, como O Evangelho Segundo Zebedeu, em 1978, com direção de Luciano Alabarse, no Teatro de Arena.
Aliás, ele diz que um dos seus personagens favoritos no teatro foi Mandrião, da peça Jornada de um imbecil até o entendimento, de 1979. "Foi a última peça montada na Arena enquanto trincheira de resistência", comenta Sirmar. Era época da ditadura militar e a censura às artes era ainda mais evidente. Sirmar lembra de como funcionava. "Alguns dias antes da estreia, o censor ia ver tudo, com o texto junto. Aí terminava a apresentação, chamava o diretor e apontava a frase que deveria ser cortada, colocava carimbo etc", diz.
Em 1984, teve a sua primeira experiência na direção cênica com o espetáculo Afro Latino, um musical sobre a influência negra no Rio Grande do Sul. "Remontamos esse espetáculo em 1988 para questionar as comemorações dos 100 anos da abolição. Vamos comemorar o quê? Um engodo", questiona. O texto era do poeta Oliveira Silveira, que também teve uma grande influência na trajetória de Sirmar Antunes.
Sirmar foi um dos fundadores do grupo de teatro dos Correios chamado Carta Aberta -, e seu segundo trabalho na direção foi com o espetáculo O Planeta dos Palhaços, de Pascoal Lourenço, inaugurando o auditório dos Correios como casa de espetáculos, em 1987. Ele conta que foi uma das experiências mais bonitas que teve na vida. "Eu trabalhava como carteiro e junto com dois colegas começamos a fazer o grupo. E aí a ideia é que cada montagem teve um diretor diferente. Foi crescendo e uma das peças foi até indicada ao prêmio Açorianos na época", diz. Com o tempo, a empresa acabou cortando a iniciativa.
Jessé Oliveira, atual coordenador de Artes Cênicas da Porto Alegre, lembra a atuação generosa de Sirmar na peça O coração de um boxeador, de 2012. "Ainda que atualmente Sirmar venha trabalhando com mais ênfase no cinema, fez algumas aparições nos palcos de forma marcante. Ele contracenou com o jovem ator Paulo Rodríguez com tamanha sensibilidade numa trama onde o conflito geracional era o mote da ação e o experimentado ator muito contribuía para que a contracenação ganhasse densidade com a diferença", diz.
Personalidade de cinema
No curta 'Grito', em papel premiado contracenando com Clemente Vascaíno
GILBERTO PERIN/DIVULGAÇÃO/JC
O cinema sempre fez Sirmar brilhar os olhos. Sua primeira experiência, na verdade, foi como figurante do filme Carmen, a cigana, de Teixeirinha, em 1976, em uma cena de casamento. "Mas a primeira com fala foi no filme Domingo de Grenal, em que eu interpretava um torcedor bebum, um papel pequeno, mas meu nome aparecia nos créditos", afirma.
Dez anos depois, viria a participação no famoso curta O dia em que Dorival encarou a guarda, de Jorge Furtado e José Pedro Goulart. A produção acabou tendo um grande sucesso de crítica e público, alçando a carreira de vários dos participantes, mas não no caso de Sirmar. "As pessoas continuavam a fazer cinema em Porto Alegre, curtas, médias e longas, e não me chamaram", diz. Demorou um tempo ainda para que a carreira no audiovisual decolasse.
Em 1991, Sirmar foi para São Paulo e trabalhou como arte-educador na área do teatro, em um projeto ligado à prefeitura. "O João Acaiabe (ator que interpretou Dorival) tinha uma empresa em que ele contratava diferentes profissionais da cultura para darem aula no bairro de Itaquera", diz. Paralelamente, também foi contratado pela Bandeirantes como assistente de iluminação em vários programas.
Um convite para o filme Lua de Outubro (1997), de Henrique de Lima Freitas, traria Sirmar de volta ao Estado e ao cinema. Sirmar, então, estava pronto para o que ele considera o trabalho divisor de sua carreira, ao interpretar o personagem Juan Bispo. "Quando fiz o Lua, concorri ao prêmio de melhor ator coadjuvante no Festival de Brasília, o filme foi bem-sucedido em Gramado. A partir do ano seguinte, comecei a ser sempre chamado para trabalhar direto em filmes, seja curta, média ou longa." Ele lembra também os comentários da imprensa da época, e consegue recitar as palavras de um texto elogioso da crítica Ivonete Pinto, que considerou sua interpretação excelente.
O diretor Henrique de Freitas Lima concorda que esse foi um papel fundamental de Sirmar. "Ele demonstrou dedicação e profissionalismo, fez o período de treinamento em Santana de Livramento com afinco, especialmente equitação e luta corporal de faca", comenta. Essa cena de luta de adagas em que ele atua com Marcos Winter foi considerada pela crítica Maria do Rosário Caetano como a melhor da história do cinema brasileiro. "A cena em que Marcos lhe devolve a adaga depois dele vencer o Comissário Passos em uma luta justa, quando é liberado e parte sob os acordes do Hino Riograndense é uma das mais emocionantes do filme", completa Henrique.
Depois disso, sua carreira só cresceu, participando também de muitas produções para a TV. Um dos trabalhos mais marcantes foi o curta Ponto de Vista (2003), dirigido por Betânia Furtado, em que conquistou o prêmio de melhor ator do Histórias Curtas, da RBS. No curta, ele interpreta um personagem deficiente visual que fica gravando sons na Praça da Alfândega. Betânia lembra que foi o primeiro filme em que ela trabalhou na vida. "Então, foi praticamente a primeira pessoa que eu dirigi na vida, e ele foi extremamente atencioso e cuidadoso e entregue ao papel. É talvez o principal ator gaúcho que nós temos em tantos papéis importantes", diz.
O cineasta Hique Montanari também trabalhou em duas produções com Sirmar Antunes: O Boi das Aspas de Ouro e Francisca, a rainha dos pampas, ambas de 2003, também para o projeto de curtas da RBS. Montanari conta que Sirmar encenava um personagem que conduzia a história com as suas falas narrativas, dirigindo-se diretamente ao espectador. "Foram experiências de curto tempo de duração, mas sólidas o suficiente para demonstrarem que não existem personagens menores ou maiores. Existem, sim, atores e atrizes que agigantam os personagens, dando-lhes uma vida de energia exuberante, e Sirmar é um desses atores que empresta sua própria luz e brilho para os personagens que interpreta, tornando-os grandes", afirma.
Lanceiro contemporâneo
'Sargento Caldeira, do longa 'Netto perde sua alma', é um dos principais personagens da carreira de Sirmar Antunes
/IMAGEM FILMES/JC
É inegável que o papel mais reconhecido de Sirmar Antunes é o de Sargento Caldeira no filme Netto perde sua alma, de Tabajara Ruas e Beto Souza. A produção completou 20 anos de seu lançamento no último agosto.
Sirmar se preparou e se aprofundou na história dos Lanceiros Negros para fazer o filme, tendo também aulas com o professor Oliveira Silveira e outros historiadores. "Me indicaram livros sobre a história da Revolução Farroupilha e esses autores contavam o que havia acontecido, sobre a traição e o massacre de Porongos", diz. Esse filme também estreitou a relação entre Sirmar e Tabajara Ruas, que viriam a trabalhar em outras produções.
Tabajara conta que conheceu Sirmar nos preparativos para o curta O dia que Dorival encarou a guarda, que é uma história tirada de um capítulo do romance O amor de Pedro por João, de sua autoria. A relação é fraterna, e o diretor elogia o seu profissionalismo durante a filmagem. "Nos bastidores da filmagem já se comentava o talento inato de Sirmar. Sua naturalidade, seu profissionalismo e, principalmente seu olho, grande, luminoso. O olhar dele tem uma profundidade marcante. Para um ator o olhar é fundamental", diz.
Sirmar compartilha uma história marcante envolvendo o personagem Caldeira que ocorreu pouco tempo depois que o VHS da produção foi lançado. Na praia de Cidreira, onde costuma passar o verão, ele foi ao banco e avistou um brigadiano, que logo abriu um sorriso quando o viu. "Eu pensei, um brigadiano me abrir o sorriso só pode ser por causa do filme, e realmente foi", brinca. O homem lhe disse que em Santa Maria, o comandante exibiu Netto perde a sua alma para o batalhão e contou a história de formação da Brigada, recomendando que todos os cabos inscritos para o curso de sargento fossem na locadora e alugassem o filme, e prestassem a atenção na atuação do sargento, porque o seu comportamento era exemplar. "E então esse homem fardado encheu os olhos de água e me abraçou, dizendo que a minha interpretação o fez tirar o primeiro lugar no curso de sargento. E aí eu chorei, era um elogio que não estava esperando", relata. Por esse papel, Sirmar também ganhou o prêmio de ator coadjuvante no Festival de Recife, em 2002.
Tabajara relembra também uma história envolvendo o talento de sua atuação, agora no filme A cabeça de Gumercindo Saraiva. "Quando começamos o trabalho, Sirmar apresentou um problema na perna. Mancava e para montar precisava de ajuda. Adicionamos ao seu personagem, Caminito, uma charmosa bengala, que compôs muito bem com o resto do figurino. Acredito que é um dos seus melhores trabalhos", afirma.
Novos projetos
Sirmar Antunes nas filmagens do longa 'Anita'
SOLUÇÃO FILMES/DIVULGAÇÃO/JC
Mesmo com todas as dificuldades impostas pela pandemia, Sirmar se manteve trabalhando. Entre as produções, realizou a minissérie Nação Preta do Sul para a TV Nação Preta, uma leitura dramática para a Cia. Incomode-Te, além do já citado curta Rota, de Mariani Ferrari. "Tudo a distância, estamos aprendendo a lidar com isso ainda, é totalmente estranho", confessa. Mais recentemente, também esteve nos palcos do Theatro São Pedro, acompanhado de Glau Barros com o recital Encontrei minhas origens - 50 do 20, uma homenagem à Oliveira Silveira e aos 50 anos das comemorações do dia 20 de novembro, data em que é celebrado o Dia da Consciência Negra.
Ele ainda gravou participação no longa Anita: a guerreira de dois mundos, de Guilherme Suman, em novembro, no Palácio Piratini. Também afirma que no segundo semestre de 2011 vai participar de mais uma parceria com Tabajara Ruas, Perseguição e Cerco a Juvêncio Gutierrez. Recentemente ainda gravou uma participação na série Chuteira preta, de Paulo Nascimento, um diretor com quem também tem vários trabalhos.
Perguntado sobre qual personagem ainda gostaria de interpretar, Sirmar tem a resposta na ponta da língua. "Nunca fiz, mas o que me atrai agora seria o papel de um presidente de escola de samba, um gestor do Carnaval", diz. Ele é ligado ao Carnaval, faz parte da Associação de Jurados de Carnaval do RS e declara que a sua escola é a Praiana.
Referência para a negritude
Ator tem consciência também do seu papel para novas gerações de profissionais negros no setor
ANDRESSA PUFAL/JC
Ainda na época do teatro amador, durante os anos 1970, Sirmar se aproximou do movimento negro gaúcho por meio de um amigo, que o incentivou a conhecer o intelectual Oliveira Silveira. "Ele me levou onde o Oliveira tinha o grupo e as rodas da poesia, nos altos do Mercado Público. Eu também já fazia declamação de poesia na época", conta. A luta e as reflexões por igualdade o guiaram por toda a sua trajetória profissional.
Sirmar tem consciência também do seu papel para novas gerações de profissionais negros no setor. Segundo o ator, o Brasil precisa reconhecer e dar espaço para os negros, que são cerca de 57% da população. "Representatividade é importante e sempre que puder vou me tornar visível, porque sou referência para muita gente, assim como o Grande Otelo foi para mim, assim como a Deise Nunes, que ganhou o Miss Brasil, é ainda referência. Brinco que tenho a necessidade de me ver na TV, e, com isso, quero dizer ver os meus pares", diz.
Wagner Machado, doutorando em Comunicação pela Pucrs, pesquisou sobre a equidade da representação do negro na televisão em seu mestrado. Para ele, a relevância de se reconhecer na televisão é desfazer a concepção de uma etnia subserviente e de exclusão da população negra. "Quanto mais se refletir sobre isso, menor será a possibilidade de reforçar o mito da democracia racial e da ideologia do branqueamento, tão difundidos ao longo dos tempos", afirma. Uma possibilidade, segundo Machado, de lutar contra essa invisibilização do povo negro, é incluir mais profissionais negros no audiovisual - e não só como ator, mas diretor, roteirista -, contribuindo para a quebra de estereótipos.
E é essa a proposta do Macumba Lab, um coletivo de profissionais negros e negras do audiovisual no Rio Grande do Sul. A integrante Mariani Ferreira, diretora e roteirista, diz que o espaço para profissionais negros ainda é muto restrito e que trajetórias como a de Sirmar Antunes, Vera Lopes e Odilon Lopes foram fundamentais para a sua geração: "Fico extremamente feliz de ver um talento como o Sirmar sendo reconhecido e trabalhando, quando a gente sabe que muitas vezes os nossos mais velhos acabam esquecidos, desprezados pelo mercado que é essencialmente branco e racista. Então, é importante ter o Sirmar trabalhando, ter ele como referência. Não existiria Coletivo Macumba Lab, não existiria O Caso do Homem Errado, não exisitira o Cinema Negro em Ação, se não fosse os mais velhos, nossos ancestrais, abrindo caminhos". A propósito, o ator trabalhou recentemente com ela no curta Rota. "Dirigir um filme a distância na pandemia foi um desafio enorme, mas só possível porque pude contar o talento do Sirmar e da Paula Souza. O Sirmar é um ator incrível de dirigir, porque ele tem um entendimento muito sensível e profundo da história. Inclusive trazendo elementos riquíssimos para o filme", aponta.
Cronologia da carreira
Abaixo, um recorte da vasta carreira de Sirmar Antunes, com algumas obras marcantes no teatro e também no audiovisual. Há muito mais, a lista é apenas um começo.
Teatro
1979 - Jornada de um imbecil até o entendimento. Direção Jairo de Andrade
1983 - Calabar, o elogio da traição. Direção de Dilmar Messias
2001 - João Cândido vive. Direção de Ney Ortiz
2012 - O coração de um boxeador. Direção de Celso Velusa
2016 - Ulisses no país das maravilhas. Direção de Julio Zanotta
Audiovisual
1986 - O dia em que Dorival encarou a guarda [Curta]. Direção de Jorge Furtado e José Pedro Goulart
1997 - Lua de Outubro. Direção de Henrique de Freitas de Lima
2001 - Netto perde a sua alma. Direção de Tabajara Ruas e Beto Souza
2003 - Ponto de vista [Curta]. Direção de Betânia Furtado
2004 - Concerto campestre. Direção de Henrique de Freitas Lima
2007 - Valsa para Bruno Stein. Direção de Paulo Nascimento
2009 - Em teu nome. Direção de Paulo Nascimento
2010 - Enquanto a noite não chega. Direção de Zeca Brito.
2014 - Os senhores da guerra. Direção de Tabajara Ruas
2018 - Grito [Curta]. Direção de Luiz Alberto Cassol
A cabeça de Gumercindo Saraiva. Direção de Tabajara Ruas
2021 - Rota [Curta]. Direção de Mariani Ferreira
"O racismo midiático é inegável para os que querem enfrentá-lo e minimizado por quem quer que tudo siga como está", diz pesquisador
Sirmar Antunes e Leonardo Machado no longa 'A cabeça de Gumercindo Saraiva'
DULCE HELFER/DIVULGAÇÃO/JC
O doutorando e pesquisador da área da comunicação Wagner Machado trabalhou em sua dissertação de mestrado com o tema da equidade na televisão e o estímulo à reconstrução do imaginário do negro. Nessa conversa, ele fala sobre a importância e o impacto da representatividade na mídia audiovisual.
JC - Qual é a importância da população negra brasileira se ver na tv/filmes/séries?
Wagner Machado - Sem dúvida, a necessidade da pessoa negra se ver no audiovisual tem importância pelo reconhecimento e pertencimento. Por séculos, a imagem do negro esteve associada à submissão, quase sempre animalizada e desvalorizada. No país com maior número de pretos e pardos fora do continente africano, onde 56,2% da população se autodeclara negra (os grupos de pardos e pretos no Estado representam 18,2%) não há, nem de longe essa representação na televisão, que é o veículo mais visto no Brasil, as pessoas olham mais TV do que leem jornal, escutam rádio ou acessam a internet. Pelo contrário. De forma geral, quando o negro está na televisão, há sub-representação em relação à quantidade populacional, reiterado desequilíbrio de poder e status econômico, papéis estereotipados (favelado, pobre, escravizado, sensual ou malandro, por exemplo), secundários e vinculados a produtos com pouca relevância econômica e com branqueamento dos personagens de minorias raciais.
JC - Quais os efeitos dessa falta de representação causa no imaginário da construção do negro brasileiro?
Wagner Machado - De certa forma, não é papel apenas da televisão, tampouco da telenovela, acabar com as desigualdades sociais no país. No entanto, é possível que as oportunidades concedidas às imagens do negro, junto à sociedade, deixem de reforçar uma visão desfavorável da etnia. O racismo midiático é inegável para os que querem enfrentá-lo e minimizado por quem quer que tudo siga como está. Além disso, a mídia pouco se interessa em abordar a discriminação racial. À medida que os meios de comunicação, como a televisão, são gerenciados como bem particular, cuja finalidade central é comercial, a ideia de interesse público se perde ou é distorcida e o cidadão torna-se apenas um consumidor.
JC - Em sua opinião, qual o papel das emissoras públicas na questão da representatividade?
Wagner Machado - Não foi à toa que demorou 50 anos para o Jornal Nacional ter uma âncora negra, ainda que de forma substituta, a Maju Coutinho, e o RBS Notícias, principal telejornal do Estado, tardou quase quatro décadas para abrir esse espaço de representatividade na mídia gaúcha, através da jornalista Fernanda Carvalho. A mídia participa da sustentação e produção do racismo estrutural e simbólico, uma vez que produz e veicula um discurso que naturaliza a superioridade branca, acata o mito da democracia racial e discrimina os negros. Sendo a televisão uma concessão pública e o cinema recebendo recursos para financiar a sétima arte percebo que é essencial e tardio a compensação da pouca presença de negros. Mas não me refiro a ter papeis escrito para personagens negros. Pelo contrário, é necessário que existam personagens diversos e que entre os atores existam negros, sem dar espaço para rótulos ou estereótipos.
* Rafael Gloria é jornalista, mestre em Comunicação pela Ufrgs e editor fundador do site Nonada - Jornalismo Cultural e sócio da agência Riobaldo.