A década é a de 1970. O Brasil vive sob a ditadura militar (1964-1985). Chegam por aqui notícias que dilatam no calor da hora e outras que reverberam apesar da passagem do tempo: as lutas pelas independências em países do continente africano; nos Estados Unidos, o partido dos Panteras Negras, as ideias do ativista político Martin Luther King (1929-1968), a prisão da ativista e filósofa Angela Davis (1944 -); o conceito de Negritude - criado por Aimé Césaire (1913-2008); o socialismo europeu - entre outros acontecimentos não menos efervescentes de recorte racial.
Direcionando a lente da História para um contexto local, em Porto Alegre, nesta mesma época um grupo de jovens negros passa a questionar a celebração do 13 de maio, data em que a princesa Isabel assinara a Lei Áurea (1888), abolindo formalmente a escravidão no Brasil. "Na minha visão de jovem inconformado, percebia em nossa comunidade negra, em um Estado de maioria branca, uma baixa autoestima. Vivíamos atrelados a um sentimento de favor ao ter que agradecer pelo 'presente' do 13 de maio, cuja a história oficial dava essa data como magna a nós". Quem recorda é Jorge Antônio dos Santos, também conhecido como Jorge de Xangô, um dos maiores críticos do Treze.
Foi ele, o poeta Oliveira Silveira (1941-2009), Ilmo da Silva, Vilmar Nunes, Antonio Carlos Côrtes e Luiz Paulo Assis Santos que fundaram, em Porto Alegre, em 1971, o Grupo Palmares, focado nos estudos, artes, literatura e teatro. Nos encontros seguintes, as mulheres também fariam parte em diferentes momentos, como Nara Helena Medeiros Soares, Anita Abad, Helena Vitória dos Santos Machado, Maria Conceição da Fontoura, Marli Carolino, Marisa Souza da Silva, Antônia Mariza Carolino, Margarida Maria Martimiano Ramos, entre outras e outros nomes importantes que passaram pelo coletivo. Em razão desta articulação que nasce o 20 de Novembro, Dia da Consciência Negra - inicialmente denominado Dia do Negro - e que anos mais tarde entraria na agenda nacional.
A busca por uma data que fizesse contraponto a de uma lei que não garantia direitos à população negra pós-escravidão era uma inconformidade que cada um carregava consigo. O poeta Oliveira Silveira, por exemplo, quem se manteve do início ao fim no grupo, já a manifestara em 1969, quando escreve o poema 13 de maio ("treze de maio traição/liberdade sem asas/ e fome sem pão/ liberdade de asas quebradas/como/ este verso"), publicado no livro Banzo saudade negra. Aos 72 anos de idade, Côrtes pontua que na Lei Áurea ''não havia nenhuma justificativa ou compensação a esses que fizeram o Brasil e que encharcaram esse País com suor e sangue".
O jeito, então, era encontrar uma nova data. O grupo se encarregou de estudar e rever a história dos negros no Brasil. Oliveira Silveira chega ao 20 de novembro através da publicação da editora Abril Grandes Personagens da Nossa História, dedicada a Zumbi. Lá estava a trajetória de Palmares e a morte do líder quilombola: 20 de novembro de 1695. Outra consulta fora feita pelo grupo ao livro Quilombo dos Palmares (1947), de Edson Carneiro, exibindo a mesma informação. A data, então, passa a ser o símbolo de resistência e da identidade negra.
Para homenagear e manter viva a memória do Grupo Palmares, instituições e coletivos de diferentes setores de movimentos negros do Rio Grande do Sul sugeriram ao Governo Estadual que 2021 fosse decretado como o Ano do Cinquentenário do 20 de Novembro, proposta que foi acolhida. Desde o primeiro semestre estão sendo promovidas atividades culturais e debates que contemplam discussões e reflexões relacionadas à efeméride. A programação se adiciona àquelas que anualmente já são promovidas por segmentos que há décadas propõem debates, mudanças e ações relacionados às questões raciais.
Uma forma de estar no mundo
Cartaz do primeiro 20/11/1971 guardado pelo autor
/ACERVO OLIVEIRA SILVEIRA/DIVULGAÇÃO/JC
O Grupo Palmares foi, e ainda é, tema de pesquisa do jornalista, pesquisador e professor de Comunicação da Ulbra, Deivison Campos. Ele destaca que a troca do 13 de maio pelo 20 de novembro tinha a intenção de substituir "a hegemonia do discurso de uma liberdade concedida pela a de uma liberdade conquistada''.
O pesquisador explica que, na primeira metade do século, outras células formadas por pessoas negras haviam se formado no Rio Grande do Sul e no Brasil. Eram, em parte, indivíduos levados a acreditar no discurso da democracia racial. Pensavam no acesso à cidadania pelo processo da integração, sem ruptura de discurso radical. "O Grupo Palmares chega e diz 'queremos negociar, mas a partir do universo negro, e não mais do da discriminação'".
Para Campos, esta é a chave que faz com que o movimento se redirecione, dando ao 20 de novembro um norte político. "O 20 é uma forma de estar no mundo, é ontológico. Tu te tornas outra pessoa, te posicionas frente ao mundo e sonha de outra forma".
O espaço simbólico da resistência
Contraponto entre 13/05 e o 20/11, rascunho original para palestra sobre o Dia Nacional da Consciência Negra
ACERVO OLIVEIRA SILVEIRA/DIVULGAÇÃO/JC
Na gênese do Grupo Palmares, está a inconformidade de uma geração de jovens negros em relação à manutenção do dia 13 de maio - dia da Abolição da Escravatura no Brasil - como data celebratória da comunidade negra. Após alguns encontros no Centro de Porto Alegre, Oliveira Silveira, Antônio Carlos Côrtes, Ilmo da Silva, Vilmar Nunes, Jorge Antônio dos Santos (Jorge Xangô) e Luiz Paulo Assis Santos se reúnem oficialmente na casa do então sogro de Oliveira Silveira, José Maria Vianna Rodrigues, e da sogra, Maria Aracy dos Santos Rodrigues, no bairro Bom Fim, antiga Colônia Africana de Porto Alegre. Também faziam parte Naiara Rodrigues Silveira e Julieta Maria Rodrigues, respectivamente, filha e a então esposa do poeta.
A segunda reunião oficial, ocasião na qual foi escolhido o nome Palmares para identificar o grupo, aconteceu na casa dos pais de Antonio Côrtes, no Centro da Capital. Posteriormente, como não havia uma sede oficial, as discussões passaram a ser feitas em diferentes espaços, como clubes sociais negros ou no bar da Faculdade de Filosofia da Ufrgs. "Nos reuníamos de maneira informal justamente para não dar meios aos investigadores da ditadura saberem onde era nossa sede, que era a nossa rua", diz o advogado, jornalista e psicanalista Côrtes.
O jornalista, pesquisador e professor de Comunicação da Ulbra, Deivison Campos, autor da dissertação O Grupo Palmares [1971-1978]: um movimento negro de subversão e resistência pela construção de um novo espaço social e simbólico (2006) ressalta que as organizações sociais são desestruturadas pelos militares durante a ditadura. Como decorrência, há um processo de perseguição e de cassação a muitas pessoas ligadas a esses movimentos. Paralelo a isso, os militares desenvolvem um processo de expansão e modernização com planos imobiliários para as populações mais pobres, porém, em áreas periféricas das cidades. "Todas aquelas sociabilidades que ocorriam deixam de acontecer. Quando tu tiras o território, ficam os elementos simbólicos que precisam ser satisfeitos de outras maneiras", analisa, fazendo uma relação com o Grupo Palmares.
Além de recusar o 13 de maio, o coletivo propunha a afirmação de personagens negros na história brasileira. O primeiro evento ocorreu em agosto de 1971, na Sociedade Floresta Aurora, no qual se prestou homenagem ao poeta e abolicionista Luiz Gama [1830-1882]. Outra homenagem seria feita ao jornalista e abolicionista José do Patrocínio [1853-1905], meses depois, em outubro, mas, conforme os dados na pesquisa de Deivison, a atividade acabou não ocorrendo, apesar de terem sido feitos estudos sobre o jornalista.
Os encontros resultaram no primeiro ato evocativo a Zumbi e Palmares, em 20 de novembro de 1971, no Clube Náutico Marcílio Dias, em Porto Alegre, contando com a presença de 11 pessoas. "Foi um momento marcante para mim, embora eu não estivesse ativo ao grupo", comenta Jorge de Xangô. "Representou a materialização de todas as discussões acontecidas na Esquina Democrática." Dois dias antes, o Grupo foi chamado na Polícia Federal para apresentar a programação e contar com a liberação da censura.
Apesar da importância da data, Naiara Silveira, filha do poeta Oliveira Silveira - na década de 1970, um jovem professor de Letras - enfatiza que a trajetória do Grupo Palmares não se resume à reunião que marcara as comemorações do dia 20. Durante o tempo em que se manteve ativo, o núcleo promoveu lançamento de livros e exposições - como a de 1973, Três pintores negros, que reuniu Maria Magliani, J. Altair e Paulo Chimendes - palestras, leituras e espetáculos - como Do Carnaval ao quilombo. "O potencial do Grupo Palmares e de Oliveira Silveira em conscientizar as populações sobre como o racismo está a serviço das desigualdades foi estrategicamente garantido, principalmente, pelas produções literárias, jornalísticas e artísticas", observa a biógrafa de Oliveira Silveira e professora da Unipampa, Sátira Machado.
Percebe-se que a imprensa desempenhara um papel fundamental para que as ideias do Grupo ganhassem projeção nacional. Além da divulgação do núcleo pelos jornais locais, o Jornal do Brasil [RJ] publica, em 1973, uma matéria sobre a mobilização no Sul do País em torno da substituição do 13 de maio pelo 20 de novembro. No ano seguinte, o mesmo jornal abre espaço para o Manifesto do Grupo Palmares. A partir daí a discussão é ampliada, catalisando reflexões que já estavam sendo feitas pelo País afora, mas que até 1988, aproximadamente, ainda se manteria restrita ao círculo dos movimentos negros.
Esse trajeto ganha força em 18 de junho de 1978, quando o Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação Racial (MNUCDR), de São Paulo, é criado, agrupando várias entidades, algumas delas já adotando como pauta o Vinte. Após tomar conhecimento das celebrações ocorridas na Capital, o MNUCDR - hoje, MNU - passa a promover manifestações em alusão ao líder Zumbi. Anos depois, outros estados também passam a evocar o Quilombo dos Palmares, resultando na Marcha Zumbi - 300 anos, em 1995. Em 2003, o 20 de novembro entra para o calendário escolar como Dia Nacional da Consciência Negra, pela Lei 10.639, que inclui a história da África negra e das culturas afro-brasileiras no ensino oficial.
Subverter para transformar
Antonio Carlos Côrtes, um dos fundadores do Grupo Palmares
LUIZA PRADO/JC
Percebe-se no Grupo Palmares que alguns nomes fizeram parte dos debates, mas não se vincularam formalmente. Antonio Carlos Côrtes conta que originalmente o núcleo era formado por ele, Oliveira Silveira, Wilmar Nunes, Ilmo Silva, Jorge Antônio dos Santos [Jorge de Xangô] e Luiz Paulo Assis Santos. Porém, por estratégia política, dois deles - Jorge de Xangô e Luis Paulo - ficaram 'ocultos': "O nosso ajuste era o seguinte: se algo acontecesse a nós quatro, esses dois assumiriam e dariam seguimento à ideia de Palmares". Jorge de Xangô - alcunha recebida após uma apresentação do monólogo O Velho Lanceiro, no Theatro São Pedro, uma alusão à tragédia na Revolução Farroupilha - conta que o seu afastamento se deu em razão do nascimento de sua filha e porque precisou assumir "a posição de retaguarda". Com 75 anos de idade, ele mora desde 1974 em Salvador (Bahia). Administrador, especialista em gestão das organizações e professor universitário, hoje é aposentado, dedicando-se ao estudo e à pesquisa da cultura negra. Jorge, assim como Antônio Carlos Côrtes e Vilmar Nunes, havia passado pelo Grupo de Teatro Novo Floresta Aurora.
A palavra subversão presente na dissertação de Deivison Campos é usada no sentido de transformar, conforme ele mesmo destaca. Para o pesquisador, o grupo construiu uma estratégia que contrariava uma das principais bandeiras do regime militar, o nacionalismo. "No momento em que tu falas de uma cultura afro-brasileira, estás rompendo com o discurso dos militares de identidade nacional. Então, os caras aplicaram um processo de subversão discursiva muito profundo, mesmo sem se dar conta".
Outras personagens que foram fundamentais para a manutenção das atividades do Grupo Palmares durante a ditadura militar foram as mulheres. Eram elas que se encarregavam de solicitar a liberação das reuniões à censura na Polícia Federal. Uma das integrantes, a engenheira civil Margarida Maria Martimiano Ramos, que ingressou no Grupo em 1974, aos 22 anos, conta que não chegou a participar destas mediações, porém, sabe que as licenças eram solicitadas pelas mulheres do coletivo "como estratégia para evitar confrontos e descaracterizar as reuniões como encontros políticos".
As mulheres e as pautas políticas
Sátira Machado (professora Unipampa) e Naiara Silveira Lacerda, filha do poeta Oliveira Silveira
MARCO QUINTANA/JC
O Grupo Palmares se denominava um coletivo cultural e de estudos. No entanto, ao analisar a documentação produzida pelos integrantes no decorrer dos anos, fica evidente de que se tratava de um núcleo político. Essa era uma necessidade imposta pela Ditadura Militar, período no qual a autodefinição ‘cultural’ afastava a ideia de práticas de enfrentamento ao sistema. Nesta época, bastaria uma reunião com mais de três pessoas para que fosse considerada suspeita ou subversiva. Quem faz a análise é a mestre em Sociologia (Ufrgs) Elenir Gularte Marques, autora da dissertação Grupo Palmares na década de 1970 em Porto Alegre: o papel das mulheres negras ativistas (2019).
Por essas e outras razões, Elenir delega às mulheres um papel determinante para a manutenção do Grupo Palmares, sobretudo, no processo de politização do núcleo. Assumiam o perfil de participação ativa nas discussões da luta antirracista de Porto Alegre nas décadas de 1970 e 1980. Eram intelectualizadas, estudantes e graduadas nas universidades Ufrgs e Pucrs. “Algumas eram guardiãs de documentos que ficavam sob a sua responsabilidade nas casas das mesmas. Outras se colocavam como porta-voz do grupo na mídia local”, relata Elenir.
Falar da presença de mulheres no Grupo Palmares, como em qualquer outro da época ou anterior a ele, afirma Elenir, é de suma importância, uma vez que elas pouco aparecem nos relatos e na história oficial, sendo invisibilizadas nestes pontos de vista. A pesquisadora observa que em algumas leituras o Grupo Palmares pode até ser descrito como majoritariamente masculino, mas nas ‘’fotografias do grupo lá estão elas em sua maioria’’.
Elenir acrescenta que as mulheres sempre se posicionaram politicamente, conforme os relatos que colheu para a sua pesquisa. “Embora alguns momentos tivessem divergências entre suas integrantes e o seu idealizador, a luta antirracista estava acima de qualquer desacordo’’, conforme disse uma das integrantes à pesquisadora. Elas prezavam por ações mais efetivas para politização da cultura através da poesia, música, dança, capoeira e religião e tudo que envolvesse educação para o ativismo antirracista.
Conforme entrevista concedida para Elenir, uma das mulheres que integrou o Grupo Palmares, Helena Vitória dos Santos Machado, a pauta das mulheres era ‘’a defesa de que a luta visasse conquistas sociopolíticas e não só feministas, ‘em vista de que as mulheres negras tiveram experiências históricas diferenciadas, e que o discurso tradicional sobre a opressão da mulher tem dificuldade em reconhecer”.
Margarida Maria Martimiano Ramos, uma das integrantes do grupo, conta que a sua participação sempre foi de extrema atenção aos assuntos discutidos e aos temas relacionados às experiências da população negra. ‘’Até então eu não havia tido a oportunidade de discutir as questões sobre as lutas negras que o grupo debatia, a não ser em família, quando havia alertas e recomendações, principalmente por parte de meu pai e minha mãe’, lembra Margarida. "[No Grupo Palmares] instruíam-nos para termos respostas e identificarmos o preconceito que era lançado sobre nós nos diversos lugares que frequentávamos”.
A jornalista, biógrafa de Oliveira Silveira e professora da Unipampa, Sátira Machado, conta que Oliveira Silveira permaneceu do início ao fim no Grupo Palmares. Mas concorda que a sustentação do coletivo foi possível graças às diversas mulheres negras que passaram pelo Grupo, entre 1971 e 1978. Ela menciona o protagonismo de Helena Machado, no Manifesto do Grupo; de Vera Daisy, Jeanice Ramos e Maria Lídia Magliani, na Revista Tição. Sátira também acrescenta os desdobramentos que levaram a ativista Maria Conceição Fontoura e a atriz Vera Lopes a serem umas das fundadoras da entidade Maria Mulher - Grupo de Mulheres Negras, na década de 1980, em Porto Alegre. Segundo a biógrafa, esses seriam exemplos “da força feminina dessas mulheres que de alguma forma passaram pelo Grupo Palmares”.
Com a adoção pelo Movimento Negro Unificado, em 1978, do 20 de Novembro como Dia Nacional da Consciência Negra, e com a migração de integrantes do coletivo para outros empreendimentos pessoais - como a Revista Tição e, no caso de muitas mulheres que integraram o núcleo, passam a atuar em projetos e ONGs relacionadas às discussões de raça e gênero - o Grupo decide por encerrar as suas atividades, oficialmente, em agosto de 1978.
Por essas e outras razões, Elenir delega às mulheres um papel determinante para a manutenção do Grupo Palmares, sobretudo, no processo de politização do núcleo. Assumiam o perfil de participação ativa nas discussões da luta antirracista de Porto Alegre nas décadas de 1970 e 1980. Eram intelectualizadas, estudantes e graduadas nas universidades Ufrgs e Pucrs. “Algumas eram guardiãs de documentos que ficavam sob a sua responsabilidade nas casas das mesmas. Outras se colocavam como porta-voz do grupo na mídia local”, relata Elenir.
Falar da presença de mulheres no Grupo Palmares, como em qualquer outro da época ou anterior a ele, afirma Elenir, é de suma importância, uma vez que elas pouco aparecem nos relatos e na história oficial, sendo invisibilizadas nestes pontos de vista. A pesquisadora observa que em algumas leituras o Grupo Palmares pode até ser descrito como majoritariamente masculino, mas nas ‘’fotografias do grupo lá estão elas em sua maioria’’.
Elenir acrescenta que as mulheres sempre se posicionaram politicamente, conforme os relatos que colheu para a sua pesquisa. “Embora alguns momentos tivessem divergências entre suas integrantes e o seu idealizador, a luta antirracista estava acima de qualquer desacordo’’, conforme disse uma das integrantes à pesquisadora. Elas prezavam por ações mais efetivas para politização da cultura através da poesia, música, dança, capoeira e religião e tudo que envolvesse educação para o ativismo antirracista.
Conforme entrevista concedida para Elenir, uma das mulheres que integrou o Grupo Palmares, Helena Vitória dos Santos Machado, a pauta das mulheres era ‘’a defesa de que a luta visasse conquistas sociopolíticas e não só feministas, ‘em vista de que as mulheres negras tiveram experiências históricas diferenciadas, e que o discurso tradicional sobre a opressão da mulher tem dificuldade em reconhecer”.
Margarida Maria Martimiano Ramos, uma das integrantes do grupo, conta que a sua participação sempre foi de extrema atenção aos assuntos discutidos e aos temas relacionados às experiências da população negra. ‘’Até então eu não havia tido a oportunidade de discutir as questões sobre as lutas negras que o grupo debatia, a não ser em família, quando havia alertas e recomendações, principalmente por parte de meu pai e minha mãe’, lembra Margarida. "[No Grupo Palmares] instruíam-nos para termos respostas e identificarmos o preconceito que era lançado sobre nós nos diversos lugares que frequentávamos”.
A jornalista, biógrafa de Oliveira Silveira e professora da Unipampa, Sátira Machado, conta que Oliveira Silveira permaneceu do início ao fim no Grupo Palmares. Mas concorda que a sustentação do coletivo foi possível graças às diversas mulheres negras que passaram pelo Grupo, entre 1971 e 1978. Ela menciona o protagonismo de Helena Machado, no Manifesto do Grupo; de Vera Daisy, Jeanice Ramos e Maria Lídia Magliani, na Revista Tição. Sátira também acrescenta os desdobramentos que levaram a ativista Maria Conceição Fontoura e a atriz Vera Lopes a serem umas das fundadoras da entidade Maria Mulher - Grupo de Mulheres Negras, na década de 1980, em Porto Alegre. Segundo a biógrafa, esses seriam exemplos “da força feminina dessas mulheres que de alguma forma passaram pelo Grupo Palmares”.
Com a adoção pelo Movimento Negro Unificado, em 1978, do 20 de Novembro como Dia Nacional da Consciência Negra, e com a migração de integrantes do coletivo para outros empreendimentos pessoais - como a Revista Tição e, no caso de muitas mulheres que integraram o núcleo, passam a atuar em projetos e ONGs relacionadas às discussões de raça e gênero - o Grupo decide por encerrar as suas atividades, oficialmente, em agosto de 1978.
A coletividade de Palmares
Pesquisador Deivison Campos fez dissertação sobre o coletivo cultural
/ANDRESSA PUFAL/JC
Como forma de celebrar as cinco décadas do 20 de Novembro, a militância negra do Rio Grande do Sul se mobilizou em janeiro deste ano, e o Estado do Rio Grande do Sul - por meio da Secretaria da Cultura (Sedac) - acolheu a proposta para a criação do Ano do Cinquentenário do 20 de Novembro. Desde o mês de maio, estão sendo promovidos eventos e atividades culturais que estendem até este sábado (20). Uma comissão foi formada e composta, entre outros, por integrantes da Sedac, do Conselho Estadual de Cultura, de universidades, além de ONGs, associações ligadas a movimentos negros.
Também como parte das comemorações, o livro Cinquentenário do 20 de Novembro em textos deve ser publicado ainda em 2021. Resultado de um concurso aberto, o volume reúne 50 textos inéditos de diferentes estilos e linguagens selecionados em um concurso realizado pela Sedac. A proposta é a de dar visibilidade do legado e da luta do povo negro do Rio Grande do Sul.
A Presidente da Comissão do Cinquentenário do 20 de Novembro e Conselheira Estadual de Cultura, Sandra Maciel comenta que o decreto instituído para tornar 2021 como o ano dedicado à data foi fundamental para que as atividades se estendessem por meses e não de forma isolada. Inclusive porque, para Sandra, o legado do 20 de Novembro ainda não é reconhecido pela sociedade gaúcha como um todo. Para a conselheira, o caminho para isso é a admissão de que “a sociedade é estruturada no escravismo e em todos os privilégios que essa barbárie deu aos não negros. Há um déficit muito grande dessa sociedade com os negros, com as nossas pautas”, destaca.
A assessora de diversidade da Secretaria da Cultura, a jornalista Clarissa Lima, aponta que celebrar o cinquentenário também é uma maneira de refletir sobre problemas sociais. Entre eles, o racismo estrutural, a violência contra a juventude negra, a discriminação da mulher negra no mercado de trabalho - que está na base da pirâmide social, com remuneração inferior ao das mulheres brancas e de homens negros e brancos. “E, assim como a educação, a cultura é uma ferramenta eficaz para a construção de uma realidade melhor para todos”.
Bem se sabe que a comunidade negra e todos aqueles comprometidos com as pauta antirracistas, independentemente de ações governamentais, promovem as próprias intervenções, e não apenas em novembro, sem dúvida. No entanto, também é notório que, tradicionalmente, o poder público gaúcho, costuma privilegiar e investir em celebrações nas quais a figura, a história e o papel de sujeitos negros não são levadas e conta na construção da identidade do Rio Grande do Sul.
A respeito disso, Clarissa destaca que a atual gestão vem promovendo, por meio da Sedac, diversas atividades para valorizar a cultura negra gaúcha, promovendo o debate e a reflexão acerca deste tema o ano todo e não somente em novembro. Ela menciona algumas instituições, como a Casa de Cultura Mário Quintana, o Margs, o Memorial do RS, o Museu Julio de Castilhos que caminham nesta direção. A busca de valorização de artistas e produtores culturais negros, o resgate da história e do legado da população negra através de seus acervos são alguns exemplos. As ações afirmativas por meio de cotas raciais em editais também foram lembradas por Clarissa como um diferencial neste ano.
Inúmeros eventos estão programados para ocorrer neste sábado (20) em todo o Brasil, como marchas, lives, debates e eventos culturais. Em Porto Alegre, berço da criação da data, está prevista a Grande Marcha dos 50 anos da Consciência Negra, às 15h, que partirá do Largo Glênio Peres.
O pesquisador Deivison Campos chama a atenção para o nome do Grupo, que focou não na figura do líder quilombola, mas no coletivo Palmares. E lembra o que Oliveira Silveira lhe dizia durante as entrevistas que lhe concedeu: o objetivo nunca fora Zumbi, mas a coletividade de Palmares.
Também como parte das comemorações, o livro Cinquentenário do 20 de Novembro em textos deve ser publicado ainda em 2021. Resultado de um concurso aberto, o volume reúne 50 textos inéditos de diferentes estilos e linguagens selecionados em um concurso realizado pela Sedac. A proposta é a de dar visibilidade do legado e da luta do povo negro do Rio Grande do Sul.
A Presidente da Comissão do Cinquentenário do 20 de Novembro e Conselheira Estadual de Cultura, Sandra Maciel comenta que o decreto instituído para tornar 2021 como o ano dedicado à data foi fundamental para que as atividades se estendessem por meses e não de forma isolada. Inclusive porque, para Sandra, o legado do 20 de Novembro ainda não é reconhecido pela sociedade gaúcha como um todo. Para a conselheira, o caminho para isso é a admissão de que “a sociedade é estruturada no escravismo e em todos os privilégios que essa barbárie deu aos não negros. Há um déficit muito grande dessa sociedade com os negros, com as nossas pautas”, destaca.
A assessora de diversidade da Secretaria da Cultura, a jornalista Clarissa Lima, aponta que celebrar o cinquentenário também é uma maneira de refletir sobre problemas sociais. Entre eles, o racismo estrutural, a violência contra a juventude negra, a discriminação da mulher negra no mercado de trabalho - que está na base da pirâmide social, com remuneração inferior ao das mulheres brancas e de homens negros e brancos. “E, assim como a educação, a cultura é uma ferramenta eficaz para a construção de uma realidade melhor para todos”.
Bem se sabe que a comunidade negra e todos aqueles comprometidos com as pauta antirracistas, independentemente de ações governamentais, promovem as próprias intervenções, e não apenas em novembro, sem dúvida. No entanto, também é notório que, tradicionalmente, o poder público gaúcho, costuma privilegiar e investir em celebrações nas quais a figura, a história e o papel de sujeitos negros não são levadas e conta na construção da identidade do Rio Grande do Sul.
A respeito disso, Clarissa destaca que a atual gestão vem promovendo, por meio da Sedac, diversas atividades para valorizar a cultura negra gaúcha, promovendo o debate e a reflexão acerca deste tema o ano todo e não somente em novembro. Ela menciona algumas instituições, como a Casa de Cultura Mário Quintana, o Margs, o Memorial do RS, o Museu Julio de Castilhos que caminham nesta direção. A busca de valorização de artistas e produtores culturais negros, o resgate da história e do legado da população negra através de seus acervos são alguns exemplos. As ações afirmativas por meio de cotas raciais em editais também foram lembradas por Clarissa como um diferencial neste ano.
Inúmeros eventos estão programados para ocorrer neste sábado (20) em todo o Brasil, como marchas, lives, debates e eventos culturais. Em Porto Alegre, berço da criação da data, está prevista a Grande Marcha dos 50 anos da Consciência Negra, às 15h, que partirá do Largo Glênio Peres.
O pesquisador Deivison Campos chama a atenção para o nome do Grupo, que focou não na figura do líder quilombola, mas no coletivo Palmares. E lembra o que Oliveira Silveira lhe dizia durante as entrevistas que lhe concedeu: o objetivo nunca fora Zumbi, mas a coletividade de Palmares.
Para Deivison, os grupos, sejam quais fossem, sempre orbitavam em torno dele, o que fazia do poeta protagonista, mas não centralizador. “Oliveira tinha projetos, ideias e, como poeta, tinha sonhos também. Ele chamava as pessoas para construir com ele. Qualquer projeto que tu pensares que seja grande e coletivo [da comunidade negra] em algum momento tu vai esbarrar no nome de Oliveira Silveira”.
Neste mesmo sentido, Naiara Silveira diz que o conhecimento dos sujeitos negros da sua história, tão reivindicado pelo grupo - seguiu ocorrendo no decorrer destes 50 anos. Ela menciona como exemplo a formação de vários outros grupos em Porto Alegre que trabalham com poesia, dança, slams, a Frente Negra Gaúcha ou ainda a conquista em relação às cotas. “Os grupos têm muita força e isso sempre foi reconhecido por meu pai”, e cita alguns dos coletivos liderados ou estimulados por Oliveira Silveira após o encerramento das atividades do Palmares, como Grupo de Trabalho Palmares (um braço do Movimento Negro Unificado), o jornal Tição, Razão Negra, Pemba e a Associação Negra de Cultura [1987], que se destinavam à promoção da cultura negra. “Não podemos parar. É importante as pessoas negras usarem a força desta união para alcançarem os seus objetivos”.
Neste mesmo sentido, Naiara Silveira diz que o conhecimento dos sujeitos negros da sua história, tão reivindicado pelo grupo - seguiu ocorrendo no decorrer destes 50 anos. Ela menciona como exemplo a formação de vários outros grupos em Porto Alegre que trabalham com poesia, dança, slams, a Frente Negra Gaúcha ou ainda a conquista em relação às cotas. “Os grupos têm muita força e isso sempre foi reconhecido por meu pai”, e cita alguns dos coletivos liderados ou estimulados por Oliveira Silveira após o encerramento das atividades do Palmares, como Grupo de Trabalho Palmares (um braço do Movimento Negro Unificado), o jornal Tição, Razão Negra, Pemba e a Associação Negra de Cultura [1987], que se destinavam à promoção da cultura negra. “Não podemos parar. É importante as pessoas negras usarem a força desta união para alcançarem os seus objetivos”.
Programação
Glau Barros e Sirmar Antunes apresentam Encontrei minhas origens neste sábado no Theatro São Pedro
/ALISSON BATISTA/DIVULGAÇÃO/JC
DIA 19/11, SEXTA-FEIRA
- THEATRO SÃO PEDRO (Praça Marechal Deodoro s/nº), às 21h: Tributo Biográfico Musical ZilahGuindim
A jazzista Marguerite Silva Santos une o jazz e o samba com algumas canções que pontuaram a trajetória da cantora, compositora e percussionista porto-alegrense Zilah Machado [1928-2011].
- BIBLIOTECA PÚBLICA DO RS, às 20h: Live Letras Pretas no Sul, com transmissão pelo YouTube da BPE
Uma programação especial sobre escritoras negras que nasceram ou vivem no Estado, com a presença de Fernanda Bastos e Nathallia Protazio e mediação da jornalista e assessora de Diversidade da Sedac, Clarissa Lima.
DIA 20/11, SÁBADO
- THEATRO SÃO PEDRO (Praça Marechal Deodoro, s/n°), às 21h: Encontrei minhas origens - 50 do 20
O recital de Glau Barros e Sirmar Antunes apresenta poemas da vasta e elogiada obra do poeta gaúcho Oliveira Silveira, entremeado de canções que fazem alusão à temática da negritude.
* Para os espetáculos no Theatro São Pedro, é obrigatória a apresentação do comprovante de vacinação. Ingresso mediante a doação de 2kg de alimento não perecível, na recepção do Multipalco Eva Sopher, das 13h30min às 18h. Os alimentos serão destinados a quilombos urbanos de Porto Alegre.
- II FESTIVAL CINEMA NEGRO EM AÇÃO (20 a 27 de novembro)
Exibição de obras audiovisuais produzidas por pessoas negras, em formato híbrido, com exibição pela TVE, por canais de assinatura, pela web e sessões presenciais na Cinemateca Paulo Amorim (Andradas, 736)
- CASA DA OSPA (avenida Borges de Medeiros, 1.501), às 17h: Cinquentenário do Dia da Consciência Negra
Concerto especial, com quatro solistas negros à frente da orquestra. Regência de Evandro Matté.
* O ingresso pode ser trocado por 1kg de alimento não perecível. É obrigatória a apresentação de comprovante de vacinação. Bilheteria: sexta-feira e sábado, das 12h às 17h.
DIA 30/11, TERÇA-FEIRA
- MEMORIAL DO RS (Praça da Alfândega, 1.020), a partir das 10h: Palmares não é só um, são milhares
Exposição até dia 30 de maio, com visitação gratuita de terça-feira a domingo, das 10h às 18h.
- Programação Ano do Cinquentenário no RS (cultura.rs.gov.br/programacao-cinquentenario)
- NOVEMBRO NEGRO UFRGS (www.ufrgs.br/novembronegro)
* Priscila Pasko é escritora e jornalista. É autora do livro de contos Como se mata uma ilha (Zouk, 2019) – Prêmio Açorianos 2020 na categoria Conto. Também integra a coletânea Novas contistas da literatura brasileira (Editora Zouk, 2018).