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Publicada em 21 de Maio de 2020 às 20:12

Nelson Coelho de Castro: música com nome e sobrenome

Com um visual mais para rock que para MPB, músico fugia de estereótipos na forma e no conteúdo

Com um visual mais para rock que para MPB, músico fugia de estereótipos na forma e no conteúdo

ARQUIVO PESSOAL NELSON COELHO DE CASTRO/DIVULGAÇÃO/JC
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Marcello Campos
Não são apenas as 20 letras na assinatura do documento de identidade que fazem do jovem senhor chamado Nelson Coelho de Castro, 66 anos, um dos mais importantes nomes da moderna música popular produzida no Rio Grande do Sul. Compositor e intérprete de estilo inconfundível e público fiel, esse porto-alegrense nostálgico e desbravador continua apostando no fator local como estratégia de sobrevivência artística, com 11 discos, mais de mil shows e dezenas de prêmios desde o início da carreira, na metade dos anos 1970.
Não são apenas as 20 letras na assinatura do documento de identidade que fazem do jovem senhor chamado Nelson Coelho de Castro, 66 anos, um dos mais importantes nomes da moderna música popular produzida no Rio Grande do Sul. Compositor e intérprete de estilo inconfundível e público fiel, esse porto-alegrense nostálgico e desbravador continua apostando no fator local como estratégia de sobrevivência artística, com 11 discos, mais de mil shows e dezenas de prêmios desde o início da carreira, na metade dos anos 1970.
Sem gravar álbum novo há uma década e agora desfalcado de shows presenciais por conta da pandemia de coronavírus, ele mantém o discurso combativo, articulado e verborrágico, que se mostra hábil em transitar da prosa à poesia até mesmo nas pautas mais pungentes, movido pelo mesmo ímpeto com que entregou à sua geração sambas, marchas e valsas de desmedida originalidade - Futebol, Faz a cabeça, Rasa calamidade, Armadilha, Zé (Aquele tempo do Julinho), Tão bonita voz, Vim vadiá, Pérola no veludo, Lua caiada.
"Bah, eu tô de quarentena total, pertenço a grupo de risco e minha mulher é médica", diverte-se, por telefone e mensagens de WhatsApp, entocado em seu apartamento no bairro São João, na Zona Norte de Porto Alegre, e há semanas sem contato físico com a mãe, Dona Eunice, 86 anos, ou com os filhos Nicholas, 18, e Mariana America, 32, que mora em Nova York e, há um ano, deu a Nelson a sua primeira neta, Victoria, visitada no último verão por um avô feliz da vida. Entre uma live e outra nas redes sociais, ele promete novidades em breve.

Canarinhos do Colégio São João: Nelson é o terceiro em pé, enquanto seu irmão Cézar é o primeiro

Canarinhos do Colégio São João: Nelson é o terceiro em pé, enquanto seu irmão Cézar é o primeiro

ARQUIVO PESSOAL NELSON COELHO DE CASTRO/DIVULGAÇÃO/JC
Enquanto isso não ocorre, o artista volta no tempo para um relato evocativo de um itinerário que começa na infância. Nascido em 17 de abril de 1954 e registrado Nelson Carlos Coelho de Castro, o segundo dos cinco filhos de Eunice e Ulysses (ela, "lides domésticas"; ele, representante farmacêutico) cresceu de orelha colada no rádio e na vitrola do número 944 da rua Honório Silveira Dias (São João), onde também eram hits o cantarolado da mãe e a gaita de boca do pai.
E seria justamente a entrada no coral infantil Canarinhos do Colégio São João, em 1966, o primeiro passo para que a música deixasse de ser apenas algo lúdico-doméstico. Com peças sacras, folclóricas e populares, incluindo coisas da Velha Guarda que ele já ouvia em casa, Nelsinho e o irmão Cézar excursionaram com a turma por Buenos Aires, Rio de Janeiro e São Paulo (com direito a exibição no programa de Hebe Camargo e dois LPs), antes que o trabalho do pai transferisse a família para Curitiba.
Os acordes iniciais no violão, de Beatles a João Gilberto, eram traquejados em serestas na Praia de Torres, destino de veraneio dos Coelho de Castro. "Também passei a compor enlouquecidamente e, aos 20 anos, já tinha umas 400 músicas, ainda que a maioria garranchos", contabiliza. De volta a Porto Alegre em 1970, o pessoal foi morar na Zona Sul, e Nelson logo passou a conciliar aulas do instrumento, o cursinho pré-vestibular para Jornalismo e um trabalho como divulgador farmacêutico.

Uma obra cheia de pontes

Nos tempos dos shows com Bebeto Alves e a banda Olho da Rua no Teatro de Arena

Nos tempos dos shows com Bebeto Alves e a banda Olho da Rua no Teatro de Arena

ARQUIVO PESSOAL NELSON COELHO DE CASTRO/DIVULGAÇÃO/JC
Ainda que um empurrãozinho seja bem-vindo para quem começa, nem a criatividade mais delirante do cabeludo Nelson Coelho de Castro seria capaz de conceber o quanto isso soaria irônico durante uma noite de temporal em maio de 1977. Estudante de Jornalismo na Pucrs, estagiário da TV Difusora e com atuação elogiada desde o projeto Nas rodas de som (1975), de Carlinhos Hartlieb, a sua segunda participação no festival Musipuc - 6ª edição - impressionara antenados como a colega e produtora iniciante Dedé Ribeiro, que, após o evento, lhe ofereceu carona, gentileza interrompida por um enguiço que fez o magrão descer para empurrar um Corcel azul pela avenida Ipiranga, sob toró.
"Quase todo mundo seguia uma espécie de 'fórmula de festival', com refrões levanta-povo, enquanto ele chegou mirando o público com músicas e letras que alternavam acidez e lirismo, como se cortassem para logo depois assoprar a ferida", conta Dedé. Tempos depois, a amiga daria nova força, organizando um show individual para Nelson no Teatro de Arena. Com 22 anos e um visual mais para rock que para MPB, ele já esboçava uma obra cheia de pontes entre tradição, modernidade e vanguarda, em forma e conteúdo. Veículo: sambas, marchas, valsas e baladas embebidas de beleza e urgência em compartilhar crônicas urbanas, suburbanas e existenciais.
O pessoal amava ou odiava. De qualquer forma, tratava-se de algo tão original e áspero que desconcertou, em maio de 1977, o júri do Musipuc, competição de talentos da universidade, com o samba-noise Futebol, quase um texto em prosa musicada - "Uma vez eu fui convidado pra jogar um futebol/ Mas eu driblava muito, driblava muito (...)", narrava a letra impressionista do colorado Nelson, que só a gravaria 24 anos depois. Foi preciso criar a categoria "Canção Mais Original" para premiá-lo, em meio a 130 concorrentes. Jornais como Zero Hora compraram a ideia: "Ele desafina o coro dos contentes, vai além das estruturas acadêmicas do festival", anotou na época o crítico musical Juarez Fonseca.
A rádio Continental AM estava plugada e o comunicador Julio Fürst não apenas fazia parte do júri do Musipuc como rodava fitas com os melhores desempenhos - destino de Maneca & Rosa e Versos de proa (1976) e Meu galo é mecânico e a já citada Futebol (1977). A emissora também costumava gravar os artistas no estúdio, obtendo faixas exclusivas que supriam a falta de registros fonográficos por uma geração que, em sua maioria, ainda não sentira o gostinho do disco próprio. "Minha família inteira se reunia, ansiosa, em torno do rádio da cozinha, à espera das canções", recordou o músico, com carinho, em reportagem de 2010 para a revista Aplauso.
O alcance de Nelson já extrapolava os limites da Pucrs e do Arena, que receberia, em 1978, o seu primeiro espetáculo solo, E o crocodilo chorou. Ao pegar o canudo, em dezembro, o magrão recusou a proposta de efetivação como produtor de Tânia Carvalho e Clóvis Duarte na Difusora, embalado por novos convites e mais um show no teatro do Viaduto da Borges, Milagrezinho, ao lado de Bebeto Alves e da banda Olho da Rua, jogada familiar que incluía os irmãos Cezar e Suzana nos vocais, além de um cunhado que também respondia pelas fotos de divulgação e vizinhos e amigos alistados "no amor" como motoristas, roadies e cartazistas.

Paralelo 30

Capa do LP coletivo de 1978, que marcou toda uma geração

Capa do LP coletivo de 1978, que marcou toda uma geração

REPRODUÇÃO/JC
Tamanha efervescência não passava batida. O crítico musical Juarez Fonseca apareceu com a ideia de registrar a cena inovadora que viria a ser conhecida pela sigla MPG (música popular gaúcha), rejeitada por muitos de seus protagonistas. A proposta de um disco coletivo foi oferecida a Geraldo Flach, diretor da gravadora Isaec. Sinal verde, o próprio Juarez se incumbiu da produção e escalou seis caras "virgens" em matéria de disco: Bebeto Alves, Raul Ellwanger, Carlinhos Hartlieb, Cláudio Vera Cruz, Nando D'Ávila e Nelson Coelho de Castro.
O projeto se concretizou em 1978 sob o título de Paralelo 30, LP emblemático para toda uma geração. "O resultado soava heterogêneo e, ao mesmo tempo, coeso, feito aqui e por gente daqui", define o produtor. A obra de Nelson se destacava em originalidade, com a balada Águias e a inclassificável Rasa calamidade, falando da Vila Cruzeiro. "Uma crua visão da periferia, nos moldes do que seria aceito a partir dos anos 1990, a cargo de rappers e afins", compara o jornalista Arthur de Faria.
Empolgado pelo impacto de Paralelo 30 e apresentações em casas icônicas da noite, como o restaurante Vinha D'Alho, Nelson partiu, em 1979, para um compacto simples, novamente dirigido por Flach. A parceria com Arnaldo Sisson na latina Hei de ver ficou eclipsada pelo sambão Faz a cabeça, com solo de trombone, caixa de fósforo, coro de pastoras e sonoplastia de botequim armando a cama para um texto de construção livre, repleto de gírias e indiretas sobre o processo de reabertura política, embora o verdadeiro mote fosse um recado divertido para a banda não misturar trago e cannabis.
"Faz, faz a cabeça, faz com cachaça, faz a razão./ Mas, toma cuidado, com a folia da situação (....)", dizia a letra. Muita gente não entendeu direito, mas o fato é que a canção virou uma espécie de hino local da anistia. "Esse samba meio doido era cantado em coro nos meus shows e, a partir de um disquinho com duas faixas, passou a ser uma das mais executadas nas rádios de Porto Alegre, pau a pau com Café da manhã, do Roberto Carlos". Ainda faltava um LP solo, façanha que seria cumprida de um jeito inovador.

Independência

Público de classe média se deixava levar pelo visual na capa do LP  homônimo e imaginava outro som

Público de classe média se deixava levar pelo visual na capa do LP homônimo e imaginava outro som

REPRODUÇÃO/JC
Deu pra ti, Isaec: por motivos diversos, a gravadora fechava as portas, indenizando Nelson com 40 horas livres no estúdio, oportunidade de ouro para a produção de 12 faixas com total liberdade. Marketing: a venda antecipada de "bônus" do disco, em uma jogada que não poupou nomes na agenda. E foi na condição de "coprodutores" que cerca de 200 amigos, parentes e colegas apareceram creditados, em setembro de 1981, na contracapa de Juntos. Referência obrigatória para toda uma geração, o primeiro álbum independente do mercado profissional gaúcho tinha tudo a ver com o sorriso do músico de então 27 anos, clicado para a foto da capa na Rua da Praia.
Esse deixa-que-eu-chuto se estendia à promoção, em um replay da experiência de ex-divulgador farmacêutico: "Eu visitava lojas para saber das vendas e deixava uns bombons para ganhar a simpatia dos vendedores, que ofereciam o disco aos indecisos". Quem comprava dificilmente se arrependia com a inspiração da valsa Armadilha (parceria com Dedé Ribeiro): "Falta pouco tempo, eu sei./ Mas quando a gente é pequeno, o tempo custa pra passar". Ou do samba-rancho Zé (Naquele tempo do Julinho), repleta de porto-alegrês ("trolha", "pirol") e que ainda induz ao erro de que o autor residiu no Bom Fim ou estudou no Colégio Júlio de Castilhos.
Criatividade afuzel, bilheterias esgotadas e muito a dizer. Circunstância ideal, em 1983, para o LP Nelson Coelho de Castro, pelo selo Chantecler. Voz, piano e violão nas valsas e baladas do lado A (Legislativo, Tão bonita voz), em bipolaridade aos sambas e afoxés da face oposta, incluindo a participação do grupo carnavalesco Ala do Roxo. "O público branco e classe-média comprava o bolachão com minha foto de cabelo comprido e óculos escuros, pagava ingresso e era surpreendido pela bateria da Imperadores descendo o couro no palco", orgulha-se.
Tinha também Vim vadiá, samba-de-roda que seria entoado por 25 mil vozes no Parque Marinha do Brasil, em um especial para a TV. Aliás, nada mais inadequado que o verbo "vadiar": a sua composição No sangue da terra nada guarani, na voz da cantora Berê, venceu o 1º Musicanto (Santa Rosa), enquanto o musical infantil Cidade do lugar nenhum - outra cria de Nelson - recebia o prêmio Tibicuera de Melhor Espetáculo e a já mencionada Armadilha ainda entrava na trilha do filme gaúcho Verdes Anos (1984), de Carlos Gerbase e Giba Assis Brasil. Cereja no bolo: a Zero Hora o elegeu "Personalidade do Ano na Cultura". Que baita fase!

Honestidade intelectual em demasia

Ao vivo, shows passaram da verborragia agressiva ao estresse com as plateias

Ao vivo, shows passaram da verborragia agressiva ao estresse com as plateias

ARQUIVO PESSOAL NELSON COELHO DE CASTRO/DIVULGAÇÃO/JC
A cobra começaria a fumar em 1985, ano de Nova República, relaxamento da censura e explosão do rock brasileiro, dando corda para turmas que não hesitaram em decretar a morte da música popular "convencional", por mais que houvesse toda uma produção a recusar na testa o adesivo de "ultrapassado". Isso incluía Nelson, que estreava nacionalmente pela major Ariola com Força d'água, promessa de guinada na carreira de um sujeito habituado a tirar leite da pedra. Faixas como o samba-choro Neguinha e o reggae-rock Sertório ajudavam a rodar em outras praças um LP que, apesar das críticas positivas, poderia render mais.
Essa é a avaliação de Arthur de Faria: "Força d'água foi dirigido por um produtor carioca que seguia a cartilha sonora daquele período, diferente dos trabalhos anteriores de Nelson, que sabiam utilizar a seu favor a própria falta de recursos. As bandas gaúchas estavam sendo abraçadas com toda força pelas principais rádios de Porto Alegre, inclusive a 'alternativa' Ipanema FM (1983-2015), que, pela primeira vez, ignorou um disco dele. A ironia maior é que duas faixas desse trabalho (Força d'água e Pátria Mãe) acabaram rodando por vários meses na playlist da Atlântida FM, vizinha no dial e uma das emissoras mais comerciais do Rio Grande do Sul".
Mesmo que ainda lhe rendesse mimos como o Açorianos de trilha sonora pela peça teatral Doce vampiro (Carlos Carvalho), Nelson sentia-se um exilado involuntário da atenção da própria cidade que o formara pessoa, cidadão e artista. Os shows, já escassos, passaram a descambar na verborragia agressiva e daí para o estresse com as plateias. "O problema era minha honestidade intelectual em demasia, resultado de uma urgência combinada ao medo de não atender às expectativas, então o discurso virou prioridade", admite. "A sinceridade aparta, então optei por roteiros que não me permitiam falar tanto no palco."
Esse mesmo inconformismo fez de Nelson, em 1987, o primeiro presidente da Cooperativa dos Músicos de Porto Alegre (Coompor), frente efêmera de resistência que assinou projetos coletivos como o tributo Coompor canta Lupi, com nomes de sua geração interpretando Lupicínio Rodrigues em disco e turnê. "Ainda hoje, a gente fica à mercê de uma visão tacanha da mídia que encara a cultura como um release de serviço, de tal forma que 10 participações num telejornal mal somam meia hora de espaço, isso quando não soterram a gente com aqueles caracteres de encerramento", ironiza. "Isso, é claro, quando ainda recebemos alguma colher de chá."

Retomada

Com os parceiros de Juntos, Bebeto Alves, Gelson Oliveira e Antonio Villeroy

Com os parceiros de Juntos, Bebeto Alves, Gelson Oliveira e Antonio Villeroy

/ARQUIVO PESSOAL NELSON COELHO DE CASTRO/DIVULGAÇÃO/JC
A reconciliação tomaria chá-de-banco até 1995, sem que ele cogitasse uma debandada. Como estopins, uma temporada de três meses no Arena com o espetáculo Sambha e apresentações à meia-noite na Sessão Maldita do Teatro Renascença, que no ano seguinte seria novamente lotado pelos fãs, no show alusivo à reedição digital do LP Juntos, por iniciativa da Secretaria Municipal da Cultura (SMC). Nelson também estava entre os destaques do combo de gaúchos que desembarcava na cidade francesa de Sanary sur Mer para uma série de apresentações no segundo semestre daquele ano.
No retorno, a novidade: o artista, que nos últimos 11 anos praticamente só entrara em estúdio como convidado ou produtor, preparava mais um lance solo, Verniz da madrugada, CD merecedor de três prêmios Açorianos em 1996. Difícil imaginar melhor volta por cima do que Colombina, Homem alma, Ela vem de manhã, Imperadores do Universo ou o cinemascope poético da faixa-título: "No verniz da madrugada, meu amor, um automóvel foge lindo pela estrada./ Que cinema mais bonito (...)". Ou a fina-flor da gentileza no registro antropológico de apito e grito dos amoladores de faca, na vinheta Afiador.
Nelson resplandecia até em pautas "das antigas": em 2000, o selo Barulhinho relançou o segundo e terceiro LPs, mais o compacto Faz a cabeça, tudo em um mesmo CD. No ano seguinte, as canções de Paralelo 30 voltavam a dar as caras em uma bolachinha dupla (original remasterizado e releituras pela Orquestra da Unisinos), enquanto Nelson amarrava as chuteiras para mais um álbum, o independente Da pessoa. Valsa, choro, sete sambas sortidos e, grata surpresa, a gravação de Futebol. O protagonista abre o jogo, sem falsa modéstia: "Naquele momento, meio ruborizado, fui obrigado a admitir que eu era, enfim, um compositor de MPB."
E dos bons, conforme testemunhavam joias como Santa, Cachorro chinês, Pérola no veludo e Mestre Neri. Na estante, mais um Açorianos e novas performances ao vivo com Bebeto Alves, Gelson Oliveira, Antonio Villeroy, Mônica Tomasi e a Orquestra de Câmara do Theatro São Pedro. Em 2002, seria a vez de um segundo volume do projeto Juntos, com Villeroy, Bebeto e Gelson, quatro anos e três Açorianos depois da primeira aventura, capturada ao vivo no Teatro Renascença para um CD e responsável por bem-sucedidas visitas aos palcos europeus, além de uma performance para 70 mil cabeças no 2º Fórum Social Mundial em Porto Alegre.
A primeira década do novo milênio manteve o ritmo de jogo, coroado em 2010 com Lua caiada, seu trabalho mais feliz e elegante. Resultado de quatro anos na fila por patrocínio da Petrobras, ali estavam 17 sambas, maracatus, vinhetas e até minimalismo piano-vibrafone-vassourinha, em criações autorais ou com parceiros (Mônica Tomasi, Bebeto Alves, Antonio Villeroy) que sobrepunham o meia refinado ao centroavante trombador de outras épocas. "Tô satisfeito pra caralho, encontrei muito do que eu vinha perseguindo", declarou na época, mostrando maravilhas como Menino não sobe a rua e Mulato carmin, levadas a palcos de diversas capitais.

Seca perto do fim

Sem lançar discos desde 2010, Nelson promete boas novidades para breve

Sem lançar discos desde 2010, Nelson promete boas novidades para breve

CLAU MENDONÇA/DIVULGAÇÃO/JC
Titular absoluto no primeiro time da tal MPG, Nelson passou a jogar também em um time que tem o carioca Paulinho Viola como capitão: o de músicos que ficam por longos períodos sem gravar. Afinal, desde Lua caiada já se vão 10 anos, quase o mesmo intervalo entre Força d'água (1985) e Verniz da madrugada (1996). Com a bola embaixo do braço, ele também questiona o porquê dessa seca, para, em seguida, responder a si mesmo com variadas teses, desde velhas e assumidamente esfarrapadas desculpas até lúcidas reflexões sobre consumo, estética e tecnologia.
Ficando apenas com essa última versão, as notas são de um ceticismo em forma e conteúdo que mantém a veia poética na prosa crítica ao sistema. "Se a mídia física e seu próprio mercado acabaram faz tempo, bem como a profissão de artista de disco, por que vou gravar? Se o sonho acabou e tudo virou intangível, estamos suspensos", contextualiza Nelson, que ainda guarda em escaninhos pessoais o projeto Conteúdo abandonado, coletânea de letras inéditas, fragmentos, contos e crônicas que talvez sejam reunidas em livro.
Assumidamente portador de um déficit de interações com a gurizada atual, Nelson compartilha faixas no YouTube e lives no Facebook ou no Instagram para amenizar lacunas, inclusive a de shows ao vivo. "Mas sinto que vou engravidar novamente", desembucha, convicto de que entrar em estúdio é parte de um processo gestacional. "Por vezes a gente fica sem cio, submerso na sobrevivência, aí vem uma pulsão sazonal, as músicas suplicam o parto, tu vai lá e grava. Jamais parei de compor, na gaveta tem um disco de valsas, outro praiano, um de marchinhas e dois DVDs. Tenho boas novidades. Aguardem."

Nelson por Nando

Músico mantém uma espécie de popularidade cult entre seus fãs

Músico mantém uma espécie de popularidade cult entre seus fãs

ARQUIVO PESSOAL NELSON COELHO DE CASTRO/DIVULGAÇÃO/JC
Numerosos e fiéis, os fãs garantem a Nelson Coelho de Castro uma espécie de popularidade cult que resiste ao tempo. Caras comuns, embalados pelo que o próprio artista trata por “canções dependuradas no pretérito afetivo de uma bagagem íntima” que o emociona e incentiva.
Nessa plateia está o publicitário Fernando Laitano, 52 anos, até hoje grato aos amigos de adolescência que apareceram com o LP Juntos debaixo do braço em rodinhas de conversa no Centro Histórico e no Menino Deus. Fedelhos de 13 anos que já “curtiam afu” – e se identificavam – com os trabalhos de Carlinhos Hartlieb, Bebeto Alves, Saracura e Cheiro de Vida, ídolos locais de uma escalação que abrangia de Alceu Valença a Led Zeppelin.
 “Naquele tempo, a professora de Língua Portuguesa da 7ª série no Colégio Paula Soares pediu uma pesquisa sobre personalidades da literatura ou música, então consegui o contato e fui até o apartamento do Nelson”, relembra. “Gravei um papo tri de boa e o cara se dispôs a conversar com a turma. Mas a coroa não topou e ainda teve desconto na nota porque a transcrição da entrevista era literal, com os ‘di’ em vez do ‘de’, por exemplo.”
Décadas depois, Nando segue fazendo dos discos do ídolo um trilha sonora dos altos e baixos da vida – houve ocasiões em que comprou várias cópias de algum título para presentear amigos. “Tenho tudo autografado, além de recortes, fotos, cartazes, ingressos de shows. É uma verdadeira benção viver na mesma época desse cara.”

Discografia completa

Material de divulgação do primeiro compacto solo, lançado em 1979

Material de divulgação do primeiro compacto solo, lançado em 1979

REPRODUÇÃO/JC
1966 – Canarinhos do São João (Novo Disco)
1978 – Paralelo 30 (Isaec)
1979 – Faz a cabeça (Isaec)
1981 – Juntos (independente)
1983 – Nelson Coelho de Castro (RGE)
1985 – Força d’água (BMG/Ariola)
1988 – Coompor canta Lupi (independente)
1996 – Verniz da madrugada (Independente)
1998 – Juntos ao vivo (RGE/RBS Discos)
2000 – Coletânea (Barulhinho)
2001 – Da pessoa (independente)
2002 – Juntos 2 – Povoado das Águas (Atração Fonográfica)
2010 – Lua caiada (independente)

*Marcello Campos é formado em Jornalismo e Publicidade e Propaganda (ambas pela Pucrs) e Artes Plásticas (Ufrgs). Tem cinco livros já publicados, incluindo a biografia de Lupicínio Rodrigues e do Conjunto Melódico Norberto Baldauf. Há mais de uma década, dedica-se ao resgate de fatos, lugares e personagens porto-alegrenses. Em 2019, obteve o 2º lugar e uma menção honrosa no Prêmio ARI com duas reportagens culturais para o Jornal do Comércio.

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