Rafael Gloria, especial para o JC
Lá na cidade de Júlio de Castilhos, Tailor Diniz se apaixonou pela literatura quando leu autores como Machado de Assis, Joaquim Manuel de Macedo e José Alencar na escola. "Despertou em mim a veia do escritor, mas era algo muito distante da minha realidade. Eu achava que todo autor era morto. Não tinha nada de contato com o contemporâneo", diz.
Foi só quando descobriu Gabriel Garcia Marques e o livro Os Funerais da Mamãe Grande em uma livraria da cidade, entretanto, que ele percebeu que poderia escrever. "Eu li o primeiro conto e fiquei impressionado com a descrição daquela paisagem, aquela coisa desoladora, a rua de chão batido, as pessoas tentando aproveitar a sombra do amendoeiro para se proteger do sol… Isso aqui parece Júlio de Castilhos! Então, me dei conta que não eram só lugares deslumbrantes, como Rio de Janeiro, que aparecem na literatura. E, claro, guardadas as proporções, pensei que também dava para escrever, foi aí que me entusiasmei", completa.
Corta para 2024. Diniz é um autor consolidado com 23 livros escritos e mais obras a caminho, acumulando premiações como Açorianos de Literatura, Prêmio Jacarandá de livro do ano, além de ter sido semifinalista do prêmio Oceanos em 2015. Soma-se a isso a mais recente indicação ao Jabuti, na categoria Romance de Entretenimento, com Os Canibais da Rua do Arvoredo, lançado pela editora Citadel, no qual faz uma recriação atual do famoso caso da Capital.
Para o escritor e doutor em literatura Rafael Bassi, Diniz costuma fazer essa discussão com o presente muito bem. "Ele consegue construir uma ficção a partir do contexto em que vive. Com isso, tem uma percepção aguda. É sobre isso que escreve. E escreve bem", diz. Bassi foi seu editor no mais recente livro do autor, lançado em dezembro: Jogos Imperfeitos, que sai pela editora Casa de Astérion. Agora, o autor explora o mundo das bets em um thriller policial, envolvendo jogadores e imprensa.
Diniz costuma ler vários jornais diariamente, antes de começar a escrever pela manhã. Gosta da rotina de redigir cedo e retrabalhar o texto pela tarde. "Eu sempre estou usando esses cacos da realidade, como chamam. O Jogos Imperfeitos também vai nessa linha de usar elementos atuais. Mas não ficam datados: por exemplo, Os Canibais..., se for lido daqui a 50 anos, pode contribuir para que as pessoas entendam bem o que é que acontece agora", afirma. De fato, há um potente comentário político e social dos tempos atuais no livro, principalmente na figura do narrador que Diniz constrói para tecer a narrativa de Os Canibais....
Para a jornalista e crítica literária Paula Sperb, Tailor Diniz é um grande escritor. "Ocorre um fenômeno curioso com os livros dele. Quando acabo de ler algum outro autor e sinto aquela 'ressaca literária' que me deixa na dúvida sobre o que devo ler na sequência, escolho um livro dele e nunca me arrependo. Tentei entender por que os livros dele têm esse efeito de 'cura' e penso que a resposta está na habilidade de criar mundos e personagens verossímeis, muito humanos, que me fazem sentir como se estivesse escutando a história de algum conhecido. Ou seja: Diniz é um bom contador de histórias. Mesmo as mais sofisticadas, como o romance Só os diamantes são eternos, ou as mais breves, como as dos contos de Porto-alegreanos. Ler Diniz é como escutar tango, não tem erro", diz.
No fim, o prêmio para o Romance de Entretenimento neste ano no Jabuti foi para o escritor Samir Machado de Machado com o livro O Crime do Bom Nazista, mas Diniz considera que chegar entre os finalistas já é uma conquista. "Para a carreira, é fantástico: no meio literário no eixo São Paulo, por exemplo, se as pessoas não sabiam que eu existia, agora sabem; então, para isso é importante, para dar mais visibilidade", completa.
Primeiros anos
Natural de Júlio de Castilhos, Diniz homenageou a Capital com os contos do livro Porto-alegreanos (2022)
/EVANDRO OLIVEIRA/JCA formação de Tailor Diniz é em jornalismo e, para ele, o caminho foi natural. "Certo dia, abriu uma rádio em Júlio de Castilhos e comecei a trabalhar lá por um tempo, primeiro de operador de som, depois de locutor; então, já estava na área. Até hoje, sou apaixonado pelo formato", diz. O próximo passo foi fazer o curso na Universidade Federal de Santa Maria.
Daquela época, ele lembra de conhecer mais pessoas interessadas em literatura e de participar com alguns contos em um caderno literário chamado Lanterna Verde, do jornal A Razão. "Fui ganhando ainda mais gosto pela coisa", comenta. Na famosa cidade universitária, também lhe aconteceram episódios peculiares e marcantes, como no caso em que sofreu uma censura quando trabalhava em uma rádio local.
Diniz relata o episódio ocorrido nos anos 1970, quando foi designado para cobrir uma exposição promovida pelo exército em um quartel. "Me deram um gravador e disseram: vai lá, vê o que é. Entrevistei o responsável, que era do exército. Mas fiz perguntas sobre a mostra, coisas simples, nada demais. Quando eu cheguei na redação, estava o meu chefe, mais o diretor da redação desesperados. Disseram que eles já tinham ligado para a rádio antes de eu voltar e queriam a fita da entrevista", diz. O conteúdo precisou ser 'avaliado' pelos militares antes de qualquer divulgação. "Eles ouviram a fita e, só depois, liberaram. Nem tinha nada de provocativo. Mas eles já sabiam quem eu era, com quem falar e tudo mais", pontua Diniz, relembrando a insegurança que cercava a profissão naqueles tempos.
Ele conta que, depois de formado, mudou-se para Porto Alegre onde trabalhou por muitos anos na Rádio Guaíba. Desde então, a Capital é constantemente pano de fundo de suas obras. E ele já chegou a homenageá-la diretamente com os contos do livro Porto-alegreanos, de 2022, quando a cidade completou 250 anos. Foi nela que Diniz constituiu família: é casado há muitos anos com a também jornalista Rosane de Oliveira e tem dois filhos, já crescidos.
Em Porto Alegre, é também onde estão a maioria dos seus amigos escritores, entre eles, Rodrigo Tavares, autor de Carancho. Ele acredita que Diniz é um escritor completo. "Transita com a mesma competência em cenários urbanos e de interior, em novelas de crimes, narrativas "porto-alegreanas" ou temas mais sensíveis como uma sobrevivente do holocausto - porém, sempre com um objetivo: contar uma boa história. Esse devia ser o norte dos escritores, mas os tempos contemporâneos estão mais interessados nas figuras dos autores e menos nas ficções", comenta. Além disso, Tavares considera Diniz uma das melhores pessoas para se conhecer no meio literário. "Um amigo sincero, preocupado, generoso e sempre disposto para um bom café e conversas cotidianas", afirma.
Sobre a influência do jornalismo em sua escrita literária, Diniz conta que levou algum tempo para perder certos preceitos do texto jornalístico. "Eu fui por muito tempo redator de rádio, e esse tipo de texto é objetivo, direto. Você precisa passar o máximo de informação no menor espaço possível e isso para a literatura não é muito bom. Na literatura, o leitor precisa ter prazer com o texto, não apenas com o enredo", aponta.
Caminho literário
Diniz foi indicado ao Prêmio Jabuti com Os Canibais da Rua do Arvoredo
/Priscila Ceconelo/Divulgação/JCCom 22 livros publicados, Diniz é conhecido também pela velocidade da produção. Ele mesmo reconhece que escreve rápido, está constantemente pensando nas histórias de seus personagens. Para quem deseja mergulhar na sua obra, o escritor indica três obras recentes: Os Canibais da Rua do Arvoredo, Novela Interior e A Superfície da Sombra. "Eu acho que os últimos livros são os melhores, porque sempre se evolui de um livro para outro. Vai aprendendo com os erros anteriores", reflete.
Apesar disso, ele confessa que o título que mais tem carinho é o seu segundo em ordem cronológica: Trégua para o silêncio, lançado em 1996. Uma publicação de contos cujas histórias se passam no interior do interior do Rio Grande do Sul. "Aquela coisa meio desolada, com pessoas que moram sozinhas, na grota. Um dos contos é uma noite de temporal, o cara bate na porta da casa pedindo para dormir, porque se perdeu. E aquilo para a pessoa que está sozinha é uma coisa maravilhosa, porque tem alguém para conversar, em uma noite de temporal e ficam ali, com sono, mas querendo aproveitar a companhia um do outro. Então são contos que se passam no Interior, mas sem ser regionalista e tradicionalista, aquela coisa que é tão comum por aqui. Eu sempre digo: o Caramelo resistiu porque é cavalo, não porque é gaúcho", brinca.
Paula Sperb diz que a literatura de Diniz tem características que o colocam em uma vertente também sul-americana. "Isso porque traz uma série de elementos estéticos - e mesmo temáticos - compartilhados com as literaturas dos países vizinhos do nosso continente. Seus livros integram o que o crítico uruguaio Ángel Rama definiu como comarca cultural, uma região com traços comuns mas que pode ultrapassar as fronteiras de um país. É o caso do nosso pampa, por exemplo, que aparece na obra de Diniz. Aprecio tanto os contos como os romances", aponta. Já quando perguntado o que prefere escrever, Diniz tem uma resposta rápida. "Prefiro o romance mesmo, gosto de ficar mais tempo com os personagens, me divirto mais e é o que vale no fim", acredita.
A relação de Tailor Diniz com Porto Alegre vai além de ser sua cidade de residência desde 1982, a geografia da cidade é muito presente, especialmente nos romances policiais, uma de suas principais vertentes. Entre as histórias que mais conectam a cidade ao seu trabalho está Crime na Feira do Livro, que foi inicialmente publicado como folhetim no jornal Correio do Povo, com capítulos diários durante o evento literário. "Começava no primeiro dia da Feira e terminava no último. Foi um exercício e tanto, tive que começar e terminar dentro daquele período", relembra. Porto Alegre também ganha vida em Mistério no Centro Histórico, outro romance que compartilha o mesmo detetive de Crime na Feira do Livro.
Entre as suas maiores influências na literatura policial, estão autores dos Estados Unidos, como Raymond Chandler, Dashiell Hammett e David Goodis. "Aconteceu um episódio engraçado quando lancei O assassino usava batom: o crítico Tuio Becker fez uma resenha muito positiva do livro, ele escreveu algo como: 'é um autor que a gente percebe que tem muita influência do Dashiell Hammett, Ramon Chandler, David Goodes. Só não tem uma Filadélfia para chamar de sua'. E eu nunca tinha lido nenhum desses caras, tinha lido outros, e aí que eu fui atrás e gostei muito", diz. Aliás, para 2025, Diniz está com um novo romance policial engatado para sair, e, mais uma vez, a paisagem literária será Porto Alegre.
Do roteiro para o livro
Autor de 22 livros publicados, o jornalista e escritor é conhecido no meio literário por sua velocidade na produção
/GUSTAVO DIEHL/ARQUIVO/JCAlém da escrita literária, Tailor Diniz também se envereda pelo campo do audiovisual, assinando vários roteiros ao longo dos anos, muitos deles adaptados da própria obra. Dentre seus trabalhos como roteirista, estão os curtas Terra Prometida, vencedor, em 2006, do prêmio de Melhor Filme nos festivais de cinema de Gramado e Brasília, e Rolex de Ouro, também baseado em um conto seu, vencedor, em 2007, do prêmio de Melhor Filme na mostra gaúcha do Festival de Cinema de Gramado. Há também a série Chuteira Preta, disponível no streaming Amazon Prime. Diniz conta que Rolex de Ouro foi baseado em fatos reais, em seu último trabalho na área da comunicação, quando ocupou o cargo de assessor de imprensa em uma estatal. "Ali, aprendi muito sob o ponto de vista do absurdo", diz. O curta apresenta duas realidades que se confrontam a partir da onda de privatizações do final da década de 1980. Uma é representada por um jornalista que trabalha como assessor de imprensa de uma empresa recém-privatizada. A outra, por um chefe que discursa em defesa da eficiência e da competitividade.
Diniz tem uma longa parceria com o diretor Paulo Nascimento, responsável por filmes como Em teu nome e Valsa para Bruno Stein. Segundo o escritor, Nascimento o abordou com a proposta de criar algo para a Paris Filmes dentro do gênero true crime. Diniz afirma que pensou em várias ideias, mas nenhuma se encaixava. "Então, um dia acordei de madrugada, com a ideia de uma releitura para o tempo presente do caso dos canibais do arvoredo. Ela é uma estudante de medicina e ele um chef de gastronomia vegano, mas que acaba também comendo carne humana", diz. A sugestão foi rapidamente acolhida por Nascimento. "Mandei uma mensagem para ele, e ele me ligou de volta dizendo: 'Tu acabou de ter a ideia mais brilhante do século!'. No mesmo dia, a Paris Filmes aprovou o conceito, e à tarde eu já estava com o contrato assinado", conta.
Durante a pandemia da Covid-19, entre 2021 e 2022, o escritor trabalhou em desenvolver o roteiro. "O cinema é muito demorado, passa por muitas pessoas e, no audiovisual, algo pode ser modificado ou até reproduzido sem você saber", comentou. Com isso, Diniz tomou a decisão de transformar o roteiro em livro. "Registrei na Biblioteca Nacional e comecei a adaptar o roteiro. Como a base já estava pronta, foi questão de trabalhar no texto", explicou. O livro ganhou um elemento que não estava presente no roteiro: um narrador peculiar, e com ele uma forte crítica social aos tempos políticos do Brasil, principalmente durante a pandemia. "Esse narrador foi um diferencial e que chamou atenção, é a primeira pergunta que me fazem quando abordam o livro", diz. Sobre o filme, Tailor diz que o ele vai começar a ser rodado no segundo semestre de 2025, no esquema de coprodução com uma produtora dos Estados Unidos, sendo filmado por lá também.
Rotina e música
Tailor Diniz mora atualmente no bairro Rio Branco, mas conta da casa que a família tem em Eldorado do Sul e também das peripécias do cachorro Pessoa, que volta e meia aparece em postagens no seu perfil do Instagram. "Ele tá sempre atento: esses dias, ele pegou uma cobra verde lá no sítio. Não era venenosa. Mas imagina se fosse uma jararaca, né?", diz. Como de praxe, Diniz está sempre lendo também, e compartilha que — na época dessa entrevista — estava lendo A Patroa, de Hannelore Cayre. O autor de Noite Adentro também cita vários autores contemporâneos brasileiros, como Michel Laub, Paulo Scott, Cíntia Moscovich, entre outros.
Diniz conta que tem uma relação especial com a música na hora de escrever. Ele revela que sempre escreve ao som de músicas, geralmente mantidas em um volume baixo, mas suficientes para influenciar seu ritmo de escrita. "Às vezes, ouço uma música e sinto vontade de escrever", conta.
Um episódio marcante dessa relação aconteceu durante a criação de Trégua para o silêncio. Ele diz que o músico Jerônimo Jardim, já falecido e muito conhecido na cena cultural do Rio Grande do Sul, leu a obra e comentou: "Eu li esse livro como se estivesse ouvindo Piazzolla". A observação surpreendeu o autor, que revela ter escrito todos os contos do livro escutando o compositor argentino. "É fantástico como ele conseguiu perceber isso, o ritmo do texto. Ele era músico e captou algo que fazia parte do meu processo sem que eu notasse claramente", fala Diniz.
Livros de Tailor Diniz
um terrorista no pampa
/LEITURA XXI/DIVULGAÇÃO/JC Armadilha do destino (novela), Mercado Aberto, 1988
Crônica de uma rádio pirata (novela), Alquimia da Palavra, 1992
Trégua para o silêncio (contos), IEL/Editora Unisinos, 1996
O assassino usava batom (romance), Mercado Aberto, 1997
O círculo da paixão (novela), WS Editor, 1999
Tango da madrugada (romance) , Mercado Aberto, 2000
As 19 plásticas da miss e outras histórias (Crônicas), Mercado Aberto, 2001
A sobrevivente A21646 (biografia romanceada), Mercado Aberto, 2002
Um terrorista no pampa (romance), Mercado Aberto, 2004
Transversais do tempo (contos e novelas), Bertrand Brasil, 2006
Crime na Feira do Livro (romance), Dublinense, 2010
A superfície da sombra (romance), Grua Livros, 2012
Em linha reta (romance), Grua Livros, 2014
A matéria da capa (romance), Primeira Linha - KDP Amazon, 2015
Mistério no Centro Histórico (romance), Dublinense, 2016
Noite adentro (romance), Grua Livros, 2017
Só os diamante são eternos (romance), Folha de Relva, 2020
Noturno em Punta del Diablo (romance), Primeira Linha - KDP Amazon, 2020
O Clube dos sobreviventes (romance), Class, 2022
Porto-alegreanos (contos), Bestiário, 2022
Novela interior (romance), Quintal de Letras, 2023
Os canibais da Rua do Arvoredo (romance), Citadela, 2023
Assinatura
* Rafael Gloria é jornalista, mestre em Comunicação (Ufrgs) e editor do site Nonada Jornalismo.