Após um hiato significativo, que para os fãs durou longos 13 anos, neste final de ano os badalados Superguidis anunciam seu retorno aos palcos em 2025. A ideia surgiu após conversas com o selo paulista Balaclava Records, que trouxe a proposta de prensar em vinil o primeiro e cultuado álbum da banda, lançado no ano de 2006. Dessa forma, nada melhor do que botar o pé na estrada novamente e comemorar os 20 anos desse disco, que os levou a tocar em lugares - e figurar em listas do rock independente - "inimagináveis para os quatro caras que ensaiavam em uma garagem na cidade de Guaíba", filósofa o baterista Marco Pecker.
Esse retorno é aguardado com grande expectativa por todas as pessoas que acompanharam e tiveram a oportunidade de assistir shows viscerais cantados a plenos pulmões nos palcos por onde o quarteto passou. A novidade é que o então quarteto agora tornou-se um power trio (permanecendo da formação original, além de Pecker, o guitarrista e vocalista Andrio Barbosa e o baixista Diogo Machado). Alguns shows já estão previstos para Porto Alegre, São Paulo, Natal e Goiânia, além do Paraná e do Pará. Aos poucos, a banda divulgará as datas oficiais em suas redes sociais.
Em 2006, a extinta revista Bizz publicou numa de suas edições uma espécie de guia intitulado "13 nomes que realmente importam no novo rock". O apanhado trazia dez nomes internacionais e três brasileiros. Dos estrangeiros, o único que realmente vingou e ficaria "grande", de fato, seria o Arctic Monkeys. Já entre os brasileiros (a lista também trazia os grupos Moptop e Supercordas), os Superguidis marcava presença devido à sensação causada, em todo o Brasil, por seu debut discográfico, o autointitulado Superguidis (Senhor F Discos). No álbum, guitarras ora furiosas, ora dissonantes contornavam letras de temática jovem-adultas cantadas com tanto potencial melódico que, ainda hoje, são difíceis de esquecer. Com sua estreia fonográfica, os guaibenses traziam para língua portuguesa, sem perdas no percurso, um universo dos anos 1990 povoado por grupos do naipe de Pavement, Sonic Youth, Guided By Voices e Yo La Tengo.
Atualmente radicado em Londres, o músico Luiz Bruno (que integrou o mascarados da Procura-se Quem Fez Isso) expressa sua devoção pelo grupo, o qual viu nascer. "Eu amo Superguidis. Eles eram nossos, representavam a galera. A gente ia no Tear, que ficava ao lado do bar Ocidente, para cantar junto e em coro O Véio Máximo. A canção era o nosso hino, na época. Ingleses não usam mullets, Ainda sem nome, O coraçãozinho: músicas que marcaram nossa geração, entre 2003 e 2006. Havia naqueles dias uma sensação de comunidade entre todo mundo. A notícia que os guris tão voltando me enche de amor. Vai ser lindo. Por isso eu acredito nos riffs, eles me farão mais feliz", diz Bruno, citando o refrão da música Riffs.
Nas letras, o grupo abordava assuntos cotidianos, beirando o prosaico, por vezes o sentimental, sem deixar de serem despojadas. Casos, por exemplo, de O banana e Spiral Arco-Iris. Da letra: "Olha o que eu trouxe pra enfeitar / Maravilhosamente o seu lar/ Paguei baratinho no mercado / E tô pensando em colocar no quarto ao lado".
Os Superguidis têm outros dois discos oficiais lançados em sua carreira: A Amarga Sinfonia do Superstar (2007) e Superguidis 3 (2010) - este último sendo álbum duplo, com um disco acústico gravado em Porto Alegre, e músicas de estúdio gravadas e produzidas por Philippe Seabra (Plebe Rude) e mixado por Gustavo Dreher. Tocando pelos principais festivais do País, além de shows na Argentina e Uruguai, a Superguidis consolidou-se como uma das bandas mais importante do cenário do rock brasileiro em seus primeiros dez anos de existência.
No release de imprensa sobre o primogênito álbum, escrito pelo ex-proprietário do bar Garagem Hermética, Leo Felipe, o jornalista escreve que, mesmo vivendo e tocando no Estado mais meridional do País, a banda dificilmente poderia ser carimbada com o estereótipo de "rock gaúcho". "O som inteligente e despretensioso pouco tem a ver com os clichês que recendem ao bolor dos terninhos de brechó (em pleno verão escaldante!) tão caros à estética do gênero. Sem renegar a tradição pop sessentista, os 'Guidis' bebem em fontes que brotam dos Pixies e, principalmente nos anos 1990, próxima década a ser revisitada segundo o manual de novas tendências, coisa para a qual eles estão se lixando, diga-se de passagem".
Guiado por vozes
No ponto de encontro entre a cidade de Guaíba e a cena roqueira porto-alegrense, a Superguidis encontrou o nicho para desenvolver sua música cheia de particularidades
THIAGO PICCOLI/DIVULGAÇÃO/JCTambém natural de Guaíba, o produtor do primeiro Superguidis, Rafael Sonic, conta detalhes sobre a produção do disco de estreia. No momento, está dedicado ao primeiro disco da Pequena Serenata, banda da qual também faz parte, bem como de outras bandas de sua cidade, como Grande Escala, Bandoalheio, Anjos Quase Infernais, Cabernet's e muitas outras.
"A Superguidis foi muito mais do que um disco novo produzido no meu estúdio. Eu era um dos que seguiam a banda, desde os tempos em que ainda se chamavam Dissidentes, nos ônibus contratados para os shows. Para muita gente, eu sabia, parecia uma banda 'improvável'. Tão genial, vinda de Guaíba. Eu pensava o contrário. Me parecia óbvio que Guaíba poderia parir essa genialidade. Nasci em Guaíba e cresci aprendendo que aqui existem pessoas brilhantes que nem sempre são percebidas. Poderiam dizer que Superguidis era algo como Pavement, Guided by Voices e outras maravilhas do tipo, mas, na minha visão, era apenas uma unidade formada por pessoas simples, que cantavam sobre suas vidas de um jeito introspectivo, observando um mundo todo feito de Porto Alegre e Guaíba. Entendi, desde o início, que Superguidis era uma unidade rara. Naqueles idos de 2000, eu era um novato do Pro Tools. Lembro da emoção por simplesmente aprender a abrir um canal e gravar. Por isso, também era aberto a experimentos de um jeito tão ingênuo quanto também eram ingênuas, e sábias, aquelas palavras que cantavam os "guidis". O Marco gravou baterias duplicadas (coisa que nunca mais vi alguém fazer tão bem). O Andrio tinha que gravar um take, ou dois, e tudo ficava bom, com aquele jeito zen e canhoto de ser. O Lucas tinha pedais caseiros, além de uma mão direita muito precisa e sincera. O Diogo era mais engraçado do que bom, mas nunca vi ele errar, nem nas notas, nem nas piadas. Depois de gravar e começar a mixar, eu me transformava num simples fã, escutando bem alto, cantando junto. Sinceramente, nunca foi tão fácil gravar um disco. Nunca vou esquecer esse momento, em que meu estúdio se tornou um lugar cheio de 'espiral arco-íris' e uma louca vontade de mandar tudo pro raio que o parta. Dali em diante eu sabia que não era um cara ruim. Eu sei que não."
Em busca da microfonia perfeita
Apresentações ao vivo sempre foram um dos pontos fortes da banda de Guaíba
TALITA OLIVEIRA/DIVULGAÇÃO/JCUm bate-bola com Andrio Barbosa, vocalista e guitarrista da Superguidis
- Uma banda
Difícil. Fico com o dream team da Backbeat.
- Um disco
In Utero, do Nirvana, que me deu vontade de ter uma banda. Era 1994.
- Um pedal
Oliver Bass Chorus! Plugue o microfone e você fica com a voz igual à do Ozzy Osbourne!
- Herói
Stephen Malkmus, cuja sensibilidade musical e senso de humor admiramos e seguimos.
- Anti-herói
Bob Dylan. Se lambuzou todo naquele submundo descrito pelos beats. Cresci ouvindo-o, com meu velho. Outsider de carteirinha.
- Livro
Clichê, vá lá: On The Road, Jack Kerouac.
- Lugar dos sonhos pra tocar
Queria ter tocado com o Mudhoney no Teatro de Elis, na Porto Alegre de 2001.
- Fã perfeito
Philippe Seabra. Gosta da banda, libera o estudiozão pra gravar e dá palpites. Heheh.
- O cantor mais cool do rock
Beck Hansen tem a genialidade escorrendo por debaixo do sovaco! O cara canta e dança demais, recicla sons e é um compositor que se reinventa como quem troca de cueca.
- Microfonia perfeita
O final de Like a Hurricane no Rock in Rio 3, com a velha Les Paul preta do Neil Young com três cordas arrebentadas sendo esmurrada pela mão já ensanguentada do velho índio, fazendo ecoar estrondosos simulacros de trovões. Incrível!
- O "seu" filme de rock já foi feito? Sobre o que ele seria?
Já. Jim Jarmusch pulou na frente, com o Year Of The Horse. Seria algo assim, quando ficarmos mais velhos e caducos, e a iminência do Acidente Vascular Cerebral nos bater às têmporas, rodar um filmezinho em turnê, enxertado com imagens de arquivo!
- Cinco discos do seu Top List
Bom, pra isso estabeleço um critério, o qual consiste naqueles discos em que eu não pulo NENHUMA faixa. Ouço-o todo, se bobear, no repeat. Parecem coletâneas.
1. Foo Fighters - Foo Fighters
2. My Bloody Valentine - Loveless
3. Stone Temple Pilots - Nº 4
4. PJ Harvey - Stories From The City, Stories From The Sea
5. The Smashing Pumpkins - Siamese Dream
- Aforismo predileto
"Não existe trabalho ruim, o ruim é ter de trabalhar". Seu Madruga.
- Lema de vida
Levo a vida tal qual Juca de Oliveira no longínquo comercial da Maracugina. Não há uma frase concreta, mas sim o ato de desfranzir as sobrancelhas, desestressar... "Deixa que depois nóis desatola ela".
O sonho não acabou
Superguidis, em foto dos primórdios da carreira: banda marcou o rock underground gaúcho e brasileiro dos anos 2000
BRUNA PAULIN/DIVULGAÇÃO/JCStéfano Fell, integrante da banda Loomer (Hidden Everywhere, terceiro álbum de sua discografia, tem lançamento previsto para 2025), acompanhou de perto a triunfante trajetória dos guaibenses. Neste relato, o guitarrista e vocalista revive os dias de sua convivência com os Superguidis quando então alçavam seu "voo sonoro" Brasil adentro:
— Stéfano, se um dia tu for fazer uma banda tipo My Bloody Valentine, me chama pra tocar baixo! — disse-me a DJ daquela noite ao ouvido, ensurdecido em meio à barulheira da festa Horrorshow, no Laika, num dia qualquer do ano de 2008. No som, um Rage Against The Machine, já no copo, uma ceva quente.
— Sim, claro, pode deixar, respondi laconicamente. A disc jockey era a Liege Milk, namorada do Andrio da Superguidis, me disseram.
No caminho de volta para casa, pensei: "Mas como ela sabia que precisávamos de um baixista?". Mal chego em casa e toca o telefone:
— Stéfano! Quer dizer que tu já tem uma banda tipo My Bloody Valentine e não me chamou!? Vamos marcar esse ensaio agora mesmo!
Um amigo meu, logo depois, havia contado pra ela aquilo que eu havia hesitado em dizer.
Mas enfim. Nos ensaios, Liege demonstrava-se empolgada e visivelmente nervosa. Já o Andrio, que a acompanhava nessas ocasiões, era sempre tranquilão, super simpático e bem atencioso na hora de ajudar a guria no que fosse preciso. Júpiter Maçã quando referia-se a George Harrison, chamando-o de "assertivo", poderia referir-se ao rapaz ali sem nenhuma perda de significado.
Certas vezes, o Andrio trazia junto com eles o Lucas, seu parceiro guitarrístico nos Guidis. Lucas e Andrio, que dupla peculiar. Se juntavam e era uma piada atrás da outra, um completando a tirada do outro.
O Lucas era estudante de Engenharia Elétrica, e costumávamos conversar bastante sobre pedais de distorção. Ele havia feito os pedais que eles utilizavam na banda usando circuitos que ele havia pego na internet e montava em latas de sardinha ou de graxa de sapato. Outro da banda que eu via com certa frequência era o Diogo Machado (ótimo baixista, alias), pois dividia na época apartamento com um amigo meu de Guaíba. E, completando bem o quarteto, Marco Pecker, batera, que eu só via nos shows mesmo.
Um dia a Liege me perguntou no MSN:
— Tá a fim de ver um show dos Guidis? Eles vão tocar no festival Morrostock, e preciso de carona!
Finalmente eu iria conferir essa turma ao vivo, lá no Bar do Morro, belo local de Sapiranga. Eles tocaram bem no final daquela noite. Já ao amanhecer, perto da hora de subirem ao palco, de repente vi surgir, vinda de vários cantos escuros, uma gurizada muito nova. Onde minutos atrás não havia sequer viva alma surgiram umas 300 cabeças, que, às seis da manhã, pulavam e cantavam junto, entoando as letras que sabiam de cor.
Ficava evidente ali, ao vivo, que o instrumental dos Superguidis era dos mais competentes, e percebi que aqueles pedais caseiros soavam poderosamente bem. Sem tirar o mérito da cozinha, as guitarras eram nitidamente o ponto alto deles e, é claro, também o trabalho vocal. Quanto às letras, as canções falavam, com o peculiar bom humor dos Guidis, sobre dilemas juvenis (ou nem tanto) como se fossem uma espécie de "Stephen Malkmus dos pampas". No intervalo entre as musicas, aquela peculiar dupla de guitarristas divertia o público com seu humor nonsense.
Lembro ainda de ter pensado: "Esses caras, de fato, têm método. E são particularmente únicos."
Pensando agora, os Guidis eram uma banda de guris que preenchia um espaço vazio na cena, e que tinham muito a ensinar. Não só enquanto banda, mas simbolicamente como pessoas que, com bom humor, tiravam de letra muitos dos dilemas que fazem eco em nossas cabeças. Viviam a vida como em um sonho, ou às vezes traziam o sonho para ela. O retorno após um hiato de 13 anos, e mesmo que sem a presença do Lucas, faz jus a uma das grandes bandas do início do século, trazendo de volta a poética sobre um certo tipo de ingenuidade a qual, muitas vezes, podemos passar uma vida inteira buscando, e assim sendo pego em suas inúmeras armadilhas.
Parafraseando Lucas, com seu véio máximo, "a vida é mole, mas é queijo".
É, se não fosse o bom humor...
Os 3 corações
Detalhe da capa do álbum 'Superguidis' (2006), que alavancou a banda e se tornou clássico do rock underground brasileiro
SENHOR F/DIVULGAÇÃO/JCAgora sem a presença do guitarrista Lucas Pocamacha, integrante da formação original, nesta volta da banda guaibense aos palcos de todo o Brasil, têm a palavra os três músicos remanescentes dos Superguidis:
- Marco Pecker
Depois do intervalo de 13 anos que a banda deu, formei-me em Jornalismo, mas a música, ahh, a música sempre dominou esse coraçãozinho, que agora retorna para o lugar de onde nunca deveria ter saído: atrás de uma bateria, acompanhado dos meus irmãos da Superguidis. Anos de terapia não resolveram o que um único show pode curar quando eu estou no palco atrás de uma bateria.
- Diogo Machado
Com 12 anos de atuação na gastronomia, dedicado à arte de cozinhar, marcada por experiências e sabores que me acompanham até hoje. Minha jornada pessoal, após a história que tive junto dos Superguidis, também é especial: sou pai de uma filha que completará dez anos no próximo ano, e cada momento ao lado dela tem sido uma inspiração e uma realização. O retorno dos Superguidis aos palcos só faz amplificar, ainda mais, esses momentos de felicidade.
- Andrio Barbosa
Foi Kurt Cobain que me mostrou, a mim e a milhões de adolescentes mundo afora, que eu também podia tocar guitarra e cantar. A aproximação com o violão que tinha em casa fluiu ao natural, ao mesmo tempo que me era uma essencial ferramenta 'quebra gelo' nas minhas primeiras interações sociais. O violão, eu e a mochila éramos um só nos corredores da escola. E também na igreja! Fiz parte de um grupo de Jovens do Catolicismo guaibense: ali aprendi um pouco do 'ambiental de um show', tinha palco (o altar), cacetada de gente olhando e cantando junto, o reverbar infinito da igreja... Foi uma ótima experiência! Sem falar que nos intervalos já rolavam umas contravenções entre alguns outsiders do grupo. Era cantar sobre Jesus e seus feitos, mas também fumar cigarro atrás da igreja e tocar uns The Doors enquanto não começava a missa valendo.
* Cristiano Bastos é jornalista e autor de Julio Reny – Histórias de amor e morte (Prêmio Açorianos de Melhor Livro em 2015), Júpiter Maçã: A efervescente vida e obra, Nelson Gonçalves: O rei da boemia, Nova carne para moer e Gauleses irredutíveis – Causos & Atitudes do Rock Gaúcho. Também publicou, em 2023, a obra de jornalismo e artes gráficas 100 grandes álbuns do rock gaúcho: influências e vertentes (Nova Carne Livros).