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Publicada em 13 de Novembro de 2024 às 19:22

Adriana Deffenti, uma voz em movimento na música popular gaúcha

Cheia de  projetos e com shows frequentes na noite porto-alegrense, cantora e compositora é uma das vozes mais marcantes do Estado

Cheia de projetos e com shows frequentes na noite porto-alegrense, cantora e compositora é uma das vozes mais marcantes do Estado

LIVIA GUILHERMANO/ESPECIAL/JC
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Lívia Guilhermano, especial para o JC
Lívia Guilhermano, especial para o JC
Três mesas com três cadeiras cada estão posicionadas diante de um teclado e um banco. É neste espaço de cerca de 40 metros quadrados que se apresenta a atração da noite. Quando o relógio marca nove horas, o lugar, que parecia não caber muita gente, se enche de público sentado, de pé e até do lado de fora. Fica preenchido pela voz que corta o ar.
Mas saiba meu senhor, senhora, que fiquei assim / Por desfrutar da liberdade de viver pra mim (depois pra você) / E se meu jeito lhe incomoda / Digo e repito a toda hora / Adoro ser essa pessoa que você detesta. O som do violão e da voz de Adriana Deffenti impactam — sem falar na letra da música de sua autoria, Controversa (gravada e difundida também por Valéria Barcellos).
O show da noite se chama Sortidas, pois traz um repertório variado de MPB, pop, rock, além de temas de novelas e sucessos dos anos 1980. A noite vai ter lua cheia / Tudo pode acontecer / A noite vai ter lua cheia / Quem eu amo vem me ver (Pepeu Gomes). O público dança e faz coro. É um clima leve e divertido. Lovin' you is more than just a dream come true / and everything that I do is out of lovin' you (Minnie Riperton). Em certo momento, Deffenti pega as castanholas e dança, interagindo com o público.
A descrição do show que aconteceu em uma quinta-feira à noite no Guernica — um dos pequenos bares da histórica Travessa dos Venezianos, no bairro Cidade Baixa, na capital gaúcha — diz muito sobre a artista porto-alegrense Adriana Deffenti, pela versatilidade, o bom humor, a potência da voz e a dança, sempre presente de alguma forma.
uma artista muito fora da curva", diz o produtor musical e ex-integrante da banda de Adriana, Marcelo Corsetti, que completa: "uma pessoa que se comunica no Theatro São Pedro da mesma forma que se comunica no Guernica". Valéria Barcellos conta que já conhecia o trabalho de Adriana antes de ser apresentada a ela, mas, depois, se surpreendeu: "Ela toca nos diferentes palcos com a mesma finesse. Aparenta ter um jeito de nobre, mas é, ao mesmo tempo, popular. Ela é engraçadíssima".
Adriana Deffenti é intérprete, compositora, dançarina, atriz, professora de canto, leonina, independente, feminista; filha do meio do Edson e da Eliane Emília, um casal que ouvia muita MPB e música latino-americana em casa. Foi nesse ambiente que cresceu, no Morro Santa Teresa, onde teve uma infância de interior no meio da cidade grande. O tio, que cantava músicas em espanhol, como boleros, foi uma grande influência. Hoje, é uma artista que incorpora diferentes gêneros, como folclore argentino, jazz, samba e pop, dentro desse grande guarda-chuva que é a Música Popular Brasileira, conforme define o jornalista e crítico musical Juarez Fonseca.
"A Adriana é uma atriz da voz. Ela consegue extrair detalhes de uma música, a dramaticidade, a picardia, a alegria ou até mesmo a angústia. A gente tem um bocado de excelentes cantores e cantoras, mas um grande intérprete é aquele com capacidade interpretativa daquilo que se diz, como a Adriana", diz o músico Angelo Primon, ex-integrante da banda de Adriana. Ele ressalta um episódio marcante que aconteceu durante uma entrevista de rádio, quando eles começaram a tocar: "ela começou a cantar de um jeito tão contemplativo e tão denso. Apoiou o dedo indicador sobre a mesa e começou a percorrer lentamente, como se estivesse lendo uma carta. Foi de um impacto visual, que todos ficaram um momento em silêncio quando acabou".
O talento foi reconhecido. Adriana Deffenti conquistou 4 prêmios Açorianos de Música: melhor intérprete de MPB (em 2002, 2006 e 2020) e melhor disco de MPB (2020). Também levou para casa o Prêmio Grão de Música (2020), que reverencia artistas da cena alternativa com abrangência nacional.
 

Primeiros passos

Uma das primeiras fotos de divulgação de Adriana Deffenti, em 1998

Uma das primeiras fotos de divulgação de Adriana Deffenti, em 1998

LETÍCIA RAMOS/DIVULGAÇÃO/JC
A primeira vez que Adriana subiu ao palco não foi para cantar. A prova disso está dentro da pasta onde ela guarda recortes de jornais e outras lembranças. Está lá o programa do espetáculo Estética La Femme, de 1984, em que ela dançou ao som de Michael Jackson. O jazz como modalidade de dança estava em alta, e Adriana tinha talento. Porém, depois de dois anos, precisou parar com as aulas devido a um problema postural.
Ela conta que, durante toda a juventude, nunca teve certeza sobre o que queria ser quando crescer. Mas quem olha para o seu passado, percebe que não poderia ter sido diferente.
A música sempre esteve presente em casa. Já o estudo musical teve início no Colégio de Aplicação, da Ufrgs, com a professora Martha Paz. "Desde o primeiro dia de aula, a Adriana vibrava com as atividades, cantava afinadamente e com ritmo. Era muito clara a sua habilidade artística e o seu talento", lembra a docente. Um dia, a professora resolveu conversar com a mãe de Adriana na saída da escola, como conta Deffenti: "eu sentei atrás no Corcel e a minha mãe na frente. Quando o carro estava arrancando, a professora Martha fez ela parar e disse: 'Olha só. Eu não estou dando conta. Você precisa inscrever ela no Prelúdio'. Eu fiquei muito feliz. Foi a primeira vez que eu quis muito algo".
A sorte ajudou: aos 9 anos, Adriana foi sorteada para ingressar no projeto de formação de jovens músicos da Ufrgs. Lá, estudou flauta doce, flauta transversal e integrou o Coral Infantojuvenil. Aos 14 anos, foi aprovada para o Coral da Ufrgs. "Eu não sabia na época, mas a Dorete, diretora do Coral, foi perguntar para a Marlene Becker, que era regente do Coral do Prelúdio se eu tinha condições de seguir no canto. A resposta foi: 'Olha… vocais perfeitos, mas disciplina, eu não me responsabilizo!", conta Deffenti, bem humorada, e complementa: "Eu cantei por três anos na Ufrgs e foi uma das coisas mais importantes para a minha formação".
Nessa época, ela já havia se mudado da casa onde passou a infância na rua Garibaldi, no bairro Bom Fim. Era o lugar para se estar na adolescência, com bares e uma movimentada cena underground. Foi nessa fase que substituiu Alexandra Scott na banda Fróide Explica. Adriana tinha 17 anos quando começou a cantar no grupo, que misturava música com esquetes de teatro.
 

Um desvio e a descoberta do caminho

Com Mateus Mapa, Mano Sá e Juli Manzi, foto para divulgação do Festival Sai Catiça (1999)

Com Mateus Mapa, Mano Sá e Juli Manzi, foto para divulgação do Festival Sai Catiça (1999)

RICARDO LAGE/DIVULGAÇÃO/JC
"Dezoito anos é muito cedo para decidir o que fazer para o resto da vida", reflete Adriana Deffenti. No vestibular, optou por Publicidade e Propaganda, que hoje ela chama de "a faculdade dos artistas perdidos", e ingressou na Pucrs.
A música não chegou a ficar de lado. Dedicou-se à flauta e passou no vestibular da Ufrgs de música erudita no verão seguinte. Por um período, cursou as duas faculdades ao mesmo tempo, mas na universidade federal o rigor era bem maior. Um professor disse que ela precisaria estudar sete horas por dia. "E naquela idade eu não conseguiria ficar sete horas em uma sala. Eu larguei, porque precisava de uma frouxidão maior. Mas é uma rigidez que eu respeito e eu acho necessária", diz. Por outro lado, Deffenti não se via como publicitária. Terminou o curso em consideração ao pai, que custeou tudo. Sua monografia foi sobre jingles, ou seja, música.
Em meio a tudo isso, uma experiência marcou sua vida. Ela foi visitar o irmão, que morava na Austrália. Lá conheceu o chileno Waldo Garrigo, que trabalhava com a banda de surf music Hoodoo Gurus. Ele a convidou para fazer vocais em espanhol em uma gravação. Ficou impressionado e perguntou se ela era profissional. "Eu pensei: se esse baita músico acha que eu sou boa, por que eu não acho que sou? Então eu brinco que precisei ir à Austrália para descobrir que sou capaz."
De volta ao Brasil, depois de terminar a faculdade, Adriana gravava jingles para publicidade. O ano era 1998. No bar Megazine, localizado na sua rua, Garibaldi, conheceu Otávio Santos, músico e compositor, que a convidou para entrar na banda Pato com Laranja. Depois de um tempo, eles formaram um duo. A partir daí, muita coisa aconteceu em pouco tempo. Em 1999, Deffenti lançou o CD demo Quem te ensinou a dançar?. Foi indicada ao Açorianos de Música como artista revelação de MPB. Também participou do Estúdio 36, programa da TVCOM. Foi quando o telefone da casa de Adriana tocou e a mãe dela anunciou: "Filha, Marcelo Corsetti quer falar contigo!".
 
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No estúdio e na estrada

Com Nei Lisboa, em concerto com a Orquestra de Câmara da Ulbra (2006)

Com Nei Lisboa, em concerto com a Orquestra de Câmara da Ulbra (2006)

FERNANDA CHEMALE/DIVULGAÇÃO/JC
"Eu lembrava de uma matéria de jornal sobre os guitarristas de Porto Alegre, que tinha o nome do Corsetti, do Chumbinho, do Júlio Herrlein… ele me disse: 'Eu te vi tocar na TV e eu quero te oferecer 12 horas de estúdio pra tu gravares o que tu quiser!”, conta Adriana. Parecia bom demais para ser verdade, mas ela foi. E deu certo.
"Eu sempre busquei artistas fora do padrão. Achava uma roubada quando cantoras se apresentavam com canções já definitivas, como de Elis Regina, por exemplo", conta o músico e produtor Marcelo Corsetti. Ela optou por Samba Tango, do Otávio Santos, faixa que entrou no seu primeiro disco. Depois disso, foram oito anos dividindo os palcos. Corsetti pediu para fazer parte da banda de Adriana. Já o então parceiro, Otávio Santos, decidiu sair do projeto. Corsetti e Deffenti começaram a tocar juntos, acompanhados do então baterista Ruba Snell.
Peças de pessoas (2002), o primeiro disco de Adriana, foi produzido por Marcelo Corsetti e Rodrigo Rheinheimer e financiado pelo Fumproarte (Fundo Municipal de Apoio à Produção Artística e Cultural de Porto Alegre). Contou com Luke Faro, na bateria, Rheinheimer, no baixo, e Corsetti, na guitarra. Sobre o trabalho de produtor, Corsetti diz que Deffenti sempre deu as diretrizes. "Ela sempre esteve à frente nessa parte de pesquisa, de estar ouvindo coisas. Para cada faixa, tinha explicações: 'Essa aqui eu queria vocais estilo Björk', por exemplo", conta.
"Tinha coisas que eu tinha certeza que queria. Tinha que ter uma música do Vitor Ramil e outra do Nei Lisboa", lembra Adriana. Assim foi. O CD traz também composições de Otávio Santos, Nico Nicolaiewsky, Jimmy Page e Robert Plant, da própria Adriana e outros.
Quatro anos depois, veio um novo projeto, com instrumental reduzido e a voz em primeiro plano, ou "um CD classudo", como diria Adriana. Essa era a proposta quando formou o trio com Marcelo Corsetti e o instrumentista Angelo Primon para a gravação de Adriana Deffenti (2006). O caminho foi inverso do usual, segundo Primon: "Foram dois anos de produção, sendo que um ano e meio fazendo shows. Só depois gravamos em estúdio. Foi muito legal, porque quando a gente entrou em estúdio, a estrutura toda estava bem armada. Ela, muito madura, cantando e tocando divinamente".
Deffenti cita o folclore argentino como inspirador deste trabalho. "Eu descobri essa música regional, nossa irmã e que tem muitas semelhanças com a nossa, como a relação com a fronteira. Só que não existe limite ou imposição do tradicionalismo. Eu ouvia e pensava: 'poxa, tem gente cantando Gustavo Leguizamón e Manuel Castilla de uma maneira jazzística e isso pode. Não tem ninguém dizendo que não pode'", reflete.
O trio passou por muitos palcos com o repertório que incluía músicas do Brasil, Uruguai e Argentina. Pelos cálculos de Corsetti (que na época também se apresentava com Bebeto Alves e os Blackbagual) em um ano, foram 75 shows: "podia ser em qualquer lugar, na garagem do Centro Cultural Brasil Espanha ou no Theatro São Pedro, em uma mesma semana". Os três foram para São Paulo, Rio de Janeiro e Buenos Aires. Foi na terra dos hermanos que aconteceu uma experiência marcante. Em um show dentro do Café Vinilo, estavam na primeira fileira Liliana Herrero e Fito Páez. Ao final, Fito os abraçou, elogiando a magia de Deffenti e dos "magos das guitarras".

Palco, set e picadeiro

Em 2023, no Festival da Canção Francesa, no qual alcançou o 3º lugar

Em 2023, no Festival da Canção Francesa, no qual alcançou o 3º lugar

FABIO ALT/DIVULGAÇÃO/JC
O álbum Adriana Defentti foi lançado na Argentina pela Random Records um ano depois, o que abriu portas. Ela passou três meses na Europa. Na França, abriu o Festival de Cinema de Biarritz, com auditório lotado. No retorno para o Brasil, trabalhou muito, mas havia pouco financiamento para gravar. Treze anos separam o segundo disco do terceiro.
Em 2009, estreou o show Alma Equilibrista, indicado ao Prêmio Açorianos de melhor espetáculo do ano. Em 2010, criou o show Abolengo, no qual fazia livres interpretações das canções de seus dois CDs e de músicas que marcaram sua vida.
A carreira solo, em diversos momentos, caminhou junto com experiências em outras linguagens artísticas, como o cinema. Adriana Deffenti interpretou uma cantora no filme venezuelano Patas Arriba (2011), de Alejandro García Wiedemann.
Muito antes disso, estreou no picadeiro. Com o Circo Girassol, ela fez o papel de uma apresentadora que cantava no espetáculo Pão e Circo (2001), dirigido por Dilmar Messias. A trilha sonora era de Nico Nicolaiewsky, que já tinha uma trajetória consolidada com Tangos & Tragédias. Foi esse momento que aproximou os dois.
Adriana passou a visitar Nico para mostrar suas músicas e ouvir as dele. Foi então que ele mostrou os rascunhos de uma ópera que demorou nove anos para ficar pronta. "O Nico era um cara muito perfeccionista, mas tudo o que ele fazia era impecável. Ele me mostrou o trecho de sete minutos, de uma mulher falando e cantando sem parar, nervosa, histérica", conta. Adriana assumiu o papel na ópera cômica As sete caras da verdade, que virou um CD com encarte em quadrinhos e, depois, uma montagem no Theatro São Pedro. "Foi a coisa mais difícil que eu fiz na minha vida, porque era tecnicamente muito desafiador e o Nico era muito exigente", lembra.
Em três momentos, ela se apresentou com a Eduardo Severino Cia. de Dança. "Fernanda Leite e eu a convidamos para participar do Alma Tonta, improvisando com voz e flauta e dançando em partes pontuais, pois ela é uma artista múltipla, que dança, canta, toca", conta Eduardo Severino. Deffenti também integrou o grupo nos espetáculos Lixo, lixo Severino e Levanta, Sacode a Poeira e dá a volta por cima (online, durante a pandemia), com direção geral de Eva Schul. "A dança e o canto andam juntos no fazer artístico da Adriana Deffenti", comenta Ana Medeiros, bailarina e professora de flamenco. "Tudo nela é dança, inclusive, acredito que as melodias de sua voz são a própria extensão de seu corpo sempre em movimento", completa. As castanholas estão presentes nas apresentações solo de Deffenti.
 

Imperadora do carnaval de rua

Grupo montado para o espetáculo 'Coração de Búfalo' - Carlinhos Carneiro, Gisela Sparremberger, Adriana Deffenti e Denizeli Cardoso

Grupo montado para o espetáculo 'Coração de Búfalo' - Carlinhos Carneiro, Gisela Sparremberger, Adriana Deffenti e Denizeli Cardoso

FABIO ALT/DIVULGAÇÃO/JC
À primeira vista, desordem e improviso podem parecer antíteses na carreira de uma intérprete, compositora e flautista como Adriana Deffenti. Porém, foram incorporadas ao seu trabalho e isso se deve, em boa parte, ao Império da Lã. “Por mais que ela estabeleça a carreira dela de uma maneira super bem bolada, bonita, as notas certas no lugar certo, a gente sabe que por trás tem um espírito anárquico atrapalhando e fomentando uma coisa louca tri massa dentro dela", reflete Carlinhos Carneiro, fundador do grupo e ex-vocalista da banda Bidê ou Balde.
O Império da Lã surgiu em 2007 para ser uma banda sem formação fixa ou estilo pré-determinado, com músicos de diversas vertentes que vêm e vão — participa quem puder em cada momento. Carlinhos conhecia Adriana desde os tempos da faculdade de Comunicação e a convidou para participar do especial do Império com músicas de novelas. Deu tão certo que algumas canções como Amor e Poder (Rosana) e Menino do Rio (Caetano Veloso) entraram no repertório solo de Adriana. Além disso, ela se tornou uma integrante mais ou menos fixa do grupo — é a voz feminina que permaneceu por mais tempo no Império.
Um desdobramento do grupo foi o bloco de carnaval. “Ela sempre falava que gostava de axé, que queria cantar Ivete Sangalo, Margareth Menezes. Então, ela fez parte do bloco desde o início", conta Carneiro. Nos ensaios abertos do bloco, no Espaço Cultural 512, rolava muito improviso e descontração. Muitas músicas foram criadas assim, ao vivo, em cima do palco. Carrinho de Lomba, Linda Guatemalteca e Banho de Cerveja são algumas das autorais do grupo, que depois foram gravadas. Deffenti participou da gravação de três discos do Império. “Isso trouxe para a carreira dela um despojamento, que eu trago da minha trajetória também, meio punk, meio alucinado. Dá pra notar um novo tipo de segurança na forma dela se apresentar. Eu vejo que o Império cresceu em todos nós”, avalia Carneiro.

Controversa

Adriana em retrato de 2019 para a promoção de Controversa

Adriana em retrato de 2019 para a promoção de Controversa

HELOISA MEDEIROS/DIVULGAÇÃO/JC
"No primeiro disco eu queria ser muito moderna. No segundo, eu descobri uma maneira de ver a tradição. No terceiro, eu virei compositora". Por mais que em Peças de Pessoas já houvesse uma canção de Adriana, foi nos últimos anos que ela se dedicou à composição. Para o terceiro disco, reuniu canções de Nei Lisboa, Bianca Obino, Ramiro Macedo e Arthur de Faria, mas seu desejo era de que pelo menos metade delas fossem de sua autoria. "Eu admiro muito quem compõe, pois requer muita disciplina. É difícil. É demorado", diz. Quando escreve, Deffenti retorna à letra diversas vezes. Para. Refaz. Por isso, reúne várias versões de Controversa, por exemplo.
A versão final ganhou o toque de Valéria Barcellos. As duas se conheceram no Bar Venezianos, na Cidade Baixa. "Chamaram ela pra dar uma canja e ela disse pra mim: 'eu tenho uma canção que é a tua cara'. Todo mundo amou a música. Eu comecei a cantá-la em alguns shows e a música foi tomando uma outra proporção", conta Valéria. Deffenti lembra que ficou impactada pela presença de palco de Valéria e a imaginou cantando a letra: "Eu pensei: 'Nossa! Vai ficar muito bom'. Ao mesmo tempo: 'poxa, mas eu nem gravei ainda. Mas não posso me apegar a isso. A minha obra tem que ser maior do que eu'". A faixa, gravada por Valéria e, depois, pelas duas cantoras juntas, dá nome ao terceiro disco de Deffenti, lançado em 2019 via Fumproarte.
Juarez Fonseca, jornalista e crítico musical, pontua esse momento como decisivo na carreira de ambas. "Foi um momento de grande visibilidade. Foi um título bem significativo para o novo disco de Deffenti, que tinha inclusive fotos de divulgação também bem controversas", afirma.
"A comunidade LGBT, que eu represento, recebeu a canção como um hino de empoderamento. A canção tomou um tamanho muito maior do que nós duas", reflete Valéria Barcellos. O clipe de Controversa foi gravado durante a pandemia: Valéria e Adriana foram posicionadas em janelas de prédios diferentes, vestindo terno, luvas e sutiã à mostra. As imagens são de um drone que acompanha as duas e mostra a cidade.
Adriana Deffenti tem se dedicado ao estudo do violão, para ganhar mais autonomia e sair da zona de conforto. Faz muitos shows e ministra aulas de canto. "Eu quero fazer um monólogo musical, com uma trilha pré-gravada. Eu tenho textos em prosa e ideias de textos que eu ainda não escrevi. Talvez eu pegue textos de outros autores também… Quero desconstruir algumas ideias, falar da minha vida, das coisas que eu penso, falar: 'olha, a vida é isso gente', de uma maneira bem humorada". Ela brinca que precisa parar de procrastinar. Porém, não há dúvidas de que há muito pela frente na trajetória dessa artista múltipla.
 

* Lívia Guilhermano é jornalista, repórter e apresentadora do programa Estação Cultura (TVE/RS), mestre em Comunicação e Informação (Ufrgs).

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