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Publicada em 12 de Setembro de 2024 às 19:07

Marô Barbieri, professora e escritora, é nome fundamental na literatura infantojuvenil

Escritora Marô Barbieri - Caderno Viver

Escritora Marô Barbieri - Caderno Viver

/THAYNÁ WEISSBACH/JC
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Rafael Gloria
Marô Barbieri é uma das escritoras mais reconhecidas na área da literatura infantojuvenil no Rio Grande do Sul, sendo autora de livros que movimentam o imaginário de leitores há gerações. A atuação como escritora, entretanto, é só uma das suas facetas mais consagradas. Ela também marcou o campo da educação, da formação de leitores e do mercado editorial.
Marô Barbieri é uma das escritoras mais reconhecidas na área da literatura infantojuvenil no Rio Grande do Sul, sendo autora de livros que movimentam o imaginário de leitores há gerações. A atuação como escritora, entretanto, é só uma das suas facetas mais consagradas. Ela também marcou o campo da educação, da formação de leitores e do mercado editorial.
A autora completou 80 anos em abril e segue na ativa, escrevendo e circulando com seus livros por eventos e feiras literárias no Rio Grande do Sul. Marô conta que cresceu tendo que se mudar de cidade frequentemente, porque seu pai era militar. "Isso me deu uma capacidade muito grande de adaptação, o que eu acho que é uma grande vantagem. Tendo vivido em diversos lugares, eu sempre precisava me enturmar novamente. E eu gosto de estar com pessoas, de conhecê-las, e isso foi fundamental, inclusive, para a minha tarefa maior, que foi ser professora", explica.
Na área da educação, Marô lecionou grande parte de sua trajetória na escola João XXIII, em Porto Alegre. "Não tínhamos medo de experimentar, trabalhar com métodos e técnicas diferentes para o ensino", diz. Um exemplo foi a abordagem inovadora na avaliação dos alunos. Em vez de atribuir notas tradicionais, os professores adotaram conceitos e avaliações baseadas em objetivos específicos. "Tentávamos entender se o aluno alcançou ou não os objetivos propostos, o que nos dava uma visão mais clara do seu progresso", explica Marô.
Foi lá também que a autora desenvolveu o seu trabalho pioneiro na contação de histórias. "Eu comecei a fazer um trabalho especializado de introdução à literatura nas séries iniciais do antigo primeiro grau, que a gente chamou de Hora do Conto. Eles tinham uma hora durante a semana em que eu trabalhava o livro, mostrava como se lia o texto e a leitura dramatizada. E eu faço isso muito bem, as crianças começaram a tomar gosto", diz. O projeto deu tão certo que acabou durando cerca de dez anos, até o momento em que ela se aposentou. Mas Marô não parou aí: continuou o trabalho de formação de professores compartilhando técnicas de contação de histórias e de mediação de leitura - além, é claro, de continuar contando histórias.
A também escritora e professora Gláucia de Souza diz que Marô trouxe para a sala de aula, e para os professores que atuam nesse segmento, aportes teóricos próprios à sua área de formação. "Não há como segmentar o trabalho de Marô Barbieri, pois é uma artista-professora plural, que transita entre a criação literária, a formação de professores, a contação de histórias e a edição de livros de uma forma orgânica. Sem dúvida, seu trabalho de contação de histórias é responsável por aproximar estudantes e educadores do universo do livro. Também chamou a atenção de professores para a necessidade de vocalização da palavra escrita como forma de despertar a curiosidade leitora. Nesse sentido, Marô foi pioneira", acredita.
O escritor Caio Riter diz que conheceu Marô primeiro como aluno. "No início de minha carreira como professor, lá pelos anos 1990, fiz um curso sobre metodologias de leitura e a professora era a Marô. Lembro que aprendi a construir castelos e caldeirões de bruxa com apenas uma folha branca", conta. No decorrer da trajetória, a sua foi se cruzando com a de Marô, quando realizaram projetos em parceria. "Ela sempre se mostrou uma usina de ideias que envolvam livro e leitura, além de animar os corações da gurizada com histórias e poemas. A voz da contadora de histórias sempre esteve presente em seus livros."
Marô também se destacou pelo pioneirismo ao se tornar editora e distribuidora de seus próprios livros. Ao optar pela autopublicação, apesar de já ter diversos títulos publicados por renomadas editoras, ela conquistou maior autonomia criativa e pavimentou o caminho para outros colegas que desejavam se autopublicar, mas duvidavam da viabilidade dessa alternativa. "Depois que eu fiquei mais conhecida, várias editoras vieram me perguntar se eu não tinha um original para fazer com eles. E eu negava. Por que eu vou entregar a minha fatia de mercado na mão de uma editora, se eu posso fazer?", completa.
 

Escrevendo para (e com) crianças

Marô Barbieri escreveu seu primeiro livro infantil, o clássico Tinoca Minhoca, a partir de desafios de alunos e do filho

Marô Barbieri escreveu seu primeiro livro infantil, o clássico Tinoca Minhoca, a partir de desafios de alunos e do filho

/THAYNÁ WEISSBACH/JC
Marô começou a sua trajetória literária com o já clássico Tinoca Minhoca, lançado em 1991; desde lá, já são 36 livros publicados. Ela conta que a ideia de escrever o livro surgiu quando foi desafiada pelo próprio filho. "Contei para ele que estava fazendo os meus alunos criarem as próprias histórias e incentivando-os a compartilhar. E ele disse: 'mãe, acho que os professores devem dar o exemplo'. E eu pensei que ele tinha razão", conta.
No percurso para a escola, Marô acabou criando uma história que acabou contando à sua turma naquele mesmo dia. "Um dos alunos me disse: muito legal a história, mas escreve, senão tu vais te esquecer. Porque era o que eu dizia para eles: tem que escrever, porque depois a pessoa esquece. Quando cheguei em casa naquele dia, pensei que ele também tinha razão. Peguei a máquina de escrever e fiz a história da Tinoca", diz. Até hoje, trata-se do 'carro chefe' dos livros de Marô.
Sua paixão e compromisso na escrita da literatura infantojuvenil se reflete também pela criatividade ilimitada que esse gênero oferece. "Nesse tipo de texto, a fantasia é infinita. Posso brincar com o que eu quiser. Em um dos meus livros, Baile das Portas, eu faço as portas dançarem , por exemplo", explica Marô. Mas quais são os cuidados necessários ao escrever para esse público? Marô adota uma abordagem cuidadosa. "Eu evito usar um vocabulário muito rebuscado ou complicado. Prefiro ser simples, mas com um texto bem cuidado, que tenha sonoridade e cadência", afirma. Ela enfatiza também a importância da musicalidade e do ritmo nas palavras.
Um processo recorrente nos livros de Marô é o trabalho conjunto com ilustradores, algo muito forte nesse tipo de literatura. A escritora e ilustradora Patrícia Langlois ilustrou o livro Olhos de Mel (2023). "Tive a honra e privilégio de fazer esse trabalho com o seu livro mais recente, uma obra que toca o coração dos leitores, trazendo uma sensibilidade única e um olhar carinhoso sobre a infância. Juntas, autografamos este livro na Feira do Livro de Porto Alegre em 2023", diz. Ela acredita que a generosidade é uma das grandes qualidades de Marô. "É agregadora e está sempre procurando incentivar os escritores em suas caminhadas, seja por meio de projetos criados por ela ou pelas instituições culturais nas quais atuou como presidente."
Para Caio Riter, quando se pensa a literatura infantil gaúcha, Marô está entre os autores presentes na consolidação de uma literatura mais voltada para as crianças - junto com Carlos Urbim, Maria Dinorah, Mary Weiss e Sérgio Caparelli. "Eles construíram espaço para que autores, como eu, por exemplo, pudessem dar seus primeiros passos no universo tão sedutor e desafiante que é escrever para as diferentes infâncias", diz. Segundo o escritor, Marô Barbieri desbravou uma área pouco explorada, e isso foi importante para a consolidação de um fazer literário voltado aos leitores iniciantes. "(E fez isso) por meio de uma escrita que respeita a infância, destituída de valores moralizantes ou de uma visão conservadora, muito vista, ainda hoje, em várias pessoas que resolvem escrever para as infâncias", revela.
Já Glaucia de Souza acredita que Marô aborda também temas relevantes e atuais em seus livros. "Como no livro Os Olhos Mágicos de João, em que o menino João vê o mundo de uma forma mágica, poética e esperançosa, com criatividade. O livro faz com que o leitor reflita acerca da criação e do respeito à natureza, através do uso criativo de materiais recicláveis nas ilustrações de Ana Terra", diz. Ela lembra que Marô também já se enveredou escrevendo livros para adultos. "Como exemplo, temos o belo e poético livro Cirandas de Villa Lobos -reinvenções, em que Marô Barbieri, a compositora Olinda Allessandrini e a artista plástica Clara Pechansky fazem suas releituras a partir de 16 peças para piano feitas por Villa Lobos, inspiradas nas cirandas, gênero de nossa cultura popular. Nessa belíssima obra, juntam-se três linguagens artísticas: Literatura, Música e Artes Visuais", explana.
 

Postura para o livro e para o conhecimento

A escritora foi patrona da 65ª Feira do Livro de Porto Alegre, em 2019

A escritora foi patrona da 65ª Feira do Livro de Porto Alegre, em 2019

/LUIZA PRADO/ARQUIVO/JC
Como Marô passou boa parte da infância e da adolescência trocando de cidades, devido à vida militar do pai, ela conta que não cresceu com uma biblioteca de fato. "Mas era interessante, porque cada vez que nos mudávamos, as primeiras coisas que eu queria levar eram os meus livrinhos e também as histórias em quadrinhos. Naquela época, na década de 1950, foi quando os quadrinhos da Disney se desenvolveram muito, e eram mais fáceis de encontrar do que livros, pois havia poucas livrarias, principalmente em cidades menores", diz.
Ela pensou em fazer Arquitetura para acompanhar o trabalho do pai, que era engenheiro do exército, mas a paixão pelas palavras e pela leitura acabou falando mais alto. Acabou optando pela faculdade de Letras, na Pucrs. "Sempre gostei muito de línguas e quando tive que escolher, na faculdade, eu escolhi francês. Porque eu gosto muito da civilização francesa e de como ela teve uma participação bem determinante na história mundial", diz Marô.
Ela diz que não tem um autor favorito específico. "Eu gosto muito do Ítalo Calvino, da Virginia Woolf, do Josué Guimarães, eu gosto do Moacyr Scliar", diz, citando alguns. Em sua casa, é possível ver uma grande estante cheia de livros de autores. "Se olhar ali nas minhas prateleiras, vai ver todo tipo de livro e, com certeza, todos me influenciaram de algum modo", conta. Marô segue, então, apontando escritores, entre eles alguns que admira e de quem é amiga, como Cíntia Moscovich e Claudia Tajes. Ela é também leitora do Tabajara Ruas. E na literatura para crianças? Em suas prateleiras há livros de autoras clássicas na área, como Ana Maria Machado, Ruth Rocha e Tatiana Belinky.
Uma parte importante da vida de Marô também é aquela em que se dedicou a lutar pelas profissões em que atua, tanto como professora, quanto como escritora. Ela lembra de participar ativamente no sindicato de professores. "Junto com um grupo de colegas, formamos uma chapa para concorrer às eleições e vencemos. Eu sempre tentei ter uma postura equilibrada e, por isso, acabavam me respeitando. Sempre busquei alternativas que evitassem confrontos diretos, preferindo resolver as questões de maneira pacífica e construtiva", revela.
Além disso, atuou em diversas associações representativas da área da literatura no Rio Grande do Sul. "Ela não se limitou à sala de aula; expandiu seu impacto através de sua atuação como Presidente da Associação Lígia Averbuck, enquanto fui diretora do Instituto Estadual do Livro, e acompanhei de perto a sua liderança na Associação por três gestões, contribuindo significativamente para o setor", conta Patrícia Langlois.
Marô foi Presidente da Associação Gaúcha dos Escritores (Ages). A atual presidente da instituição, Liana Timm, diz que uma das realizações da escritora, e que perdura até hoje, foi a criação, em 2003, da premiação de livro do ano. "Transformou-se num dos mais importantes prêmios de literatura do Rio Grande do Sul, e está vivo até hoje. Patrona da Feira do Livro de Porto Alegre em 2019, Marô Barbieri tem o reconhecimento de seus pares pelos serviços que prestou e ainda presta em defesa dos escritores e escritoras, criando ótimas possibilidade para o desenvolvimento do hábito da leitura na infância e juventude e levando a literatura para todos os cantos deste Brasil", diz.
A autora lembra do convite para presidir a Ages, em um momento difícil. "Fizemos uma eleição e comecei a minha primeira gestão, chamando pessoas, fazendo mais atividades, porque escritores costumam ser solitários, cada um fica mais no seu canto. Aí eu falei, 'não, vamos criar essa parte mais social'. Então, vieram as ideias dos almoços, jantas e, depois, dos encontros", explica.
 

Empreendendo na literatura

Marô Pinheiro, sobre publicar os próprios livros: "Eu acabava fazendo boa parte do trabalho da editora (de qualquer modo)"

Marô Pinheiro, sobre publicar os próprios livros: "Eu acabava fazendo boa parte do trabalho da editora (de qualquer modo)"

/DIEGO LOPES/CRL/DIVULGAÇÃO/JC
Quando começou a escrever seus livros, Marô logo percebeu algo importante: ela mesmo poderia cuidar da publicação. Na verdade, ela chegou nesta resolução depois de alguns episódios importantes. "Eu acabava fazendo boa parte do trabalho de uma editora, o trabalho de divulgação também era eu que fazia. Comecei a ficar incomodada com isso", comenta. Então, um editor lhe pediu para ir até Alegrete, porque uma escola particular havia comprado 50 exemplares de seu livro A Caneta Falante. "Na época, eu ia ganhar mais ou menos um real por cada livro vendido, e era uma viagem de 16 horas, ida e volta. Pedi um cachê mínimo e negaram. Então, não fui. Depois disso começaram a espalhar boatos sobre mim, que eu era 'difícil'. Mas tudo o que estava pedindo era valorização do nosso trabalho como escritores", conta.
Então, no próximo livro, seu sexto, Marô conta que decidiu arriscar. Tudo isso na década de 1990, em que não era tão comum lançar o livro e trabalhá-lo sozinha. "Como eu estava fazendo a minha clientela, eu fui na cara, na coragem e no crédito: resolvi fazer o meu sexto livro por conta própria. Convidei uma ilustradora amiga e combinei de ela entrar com 20% do valor da impressão, enquanto eu fiquei com 80%. Fizemos 1.000 livros, eu fiquei com 800 e ela com 200 e saímos para vender", diz. No fim, ela conseguiu vender todos os livros, recuperou o dinheiro investido e ainda sobrou para fazer o próximo livro.
Para Patrícia Langlois, Marô é uma verdadeira empreendedora no campo literário. "Além disso, ela os distribui, demonstrando uma força criativa e dinamismo, participando de Feiras de Livros municipais - inclusive foi Patrona da Feira do Livro de Porto Alegre em 2019 - e de diversas Feiras de Livros escolares", aponta. Foram nessas andanças pelas feiras do livro do interior que o escritor e presidente da Academia Rio-Grandense de Letras, Airton Ortiz, conheceu Marô. "Ela é muito requisitada, pois além de ser ótima escritora é também professora, com habilidades e técnica para fazer palestras para os alunos mais jovens. A literatura da Marô, com dezenas de livros publicados, agrada não só aos pequenos leitores como também tem uma forte influência nos jovens escritores, pois ela é uma referência no gênero infantil. Suas histórias são bem construídas, os personagens bem delineados, levando para os leitores o que de melhor se espera da literatura infantil", comenta Ortiz.
Marô Barbieri diz que já foi patrona de mais de cinquenta feiras do livro ao longo de sua carreira. Um dos momentos mais marcantes de sua trajetória foi em 2019, quando foi homenageada na Feira do Livro de Porto Alegre. "É como tu ganhares um Oscar aqui no Rio Grande do Sul. E, para mim, foi importantíssimo por dois motivos: porque reconheceu o meu trabalho de anos e anos e anos de dedicação à formação de leitores e de mediadores de leitura, e em segundo lugar, principalmente porque foi uma homenagem à literatura para crianças. Ficou assinalado que a literatura para crianças é importante. É tão importante quanto a literatura para adultos", diz.
A escritora também observa que a literatura infantil tem ganhado mais reconhecimento nos últimos anos, um avanço que atribui ao trabalho incansável de muitos escritores, além do apoio da Câmara do Livro, que incentiva a realização de feiras literárias em diversas cidades. Barbieri relembra com carinho suas participações em pequenas cidades, como Sinimbu, perto de Santa Cruz do Sul, onde toda a comunidade se reúne em eventos literários, mostrando o impacto e a importância dessas iniciativas para a promoção da leitura.
 

Bibliografia parcial

Capa do livro Olhos de Mel, obra mais recente de Marô Barbieri (com ilustrações de Patricia Langlois), de 2023

Capa do livro Olhos de Mel, obra mais recente de Marô Barbieri (com ilustrações de Patricia Langlois), de 2023

/PATRICIA LANGLOIS/DIVULGAÇÃO/JC
Devido ao grande número de livros publicados pela autora, optamos por selecionar algumas das obras
Tinoca Minhoca - Ed. do Brasil-1991
A Caneta Falante - Editora Ática - 1993
Zica, a formiga-bruxa - Edição da Autora - 1996
O Feitiço da Receita - Edição da Autora - 1997
Pipoca Bailarina - Edição da Autora - 1998
Pernas pra que te quero - WS Editor - 2000
Um país diferente - INNOVA/MB Empreendimentos - 2004
Os olhos mágicos do João - INNOVA/Autora - de 2005 a 2023 - 7 edições
O Baile das Portas - INNOVA/Autora - de 2006 a 2022 - 3 edições
Pequenos segredos de jardim - Edição da Autora - de 2010 a 2014 - 2 edições
A Princesa que Não Sabia Chorar - Cia. dos Baixinhos - 2010
Dinahi - Edição da Autora - 2018
Tinoca Minhoca e o campeonato de ondas gigantes - Edição da Autora - 2019
Tinoca Minhoca, aventuras no skate - Edição da Autora - 2022
Olhos de Mel - Edição da Autora - 2023
 

* Rafael Gloria é jornalista, mestre em Comunicação (Ufrgs) e editor do site Nonada Jornalismo.

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