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Publicada em 23 de Agosto de 2024 às 13:06

Da vida para a história: os 70 anos do suicídio de Getúlio Vargas

Cheio de nuances na vida pública, Vargas se tornou uma figura mítica no imaginário popular

Cheio de nuances na vida pública, Vargas se tornou uma figura mítica no imaginário popular

Biblioteca Nacional/divulgação/JC
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Juliano Tatsch
Juliano Tatsch Editor-assistente
O relógio sobre a cômoda ao lado da porta do quarto presidencial marcava por volta das 8h da manhã do dia 24 de agosto de 1954 quando um estampido seco rompeu o silêncio no Palácio do Catete, então sede da presidência da República, no Rio de Janeiro. A figura mais controversa da história política brasileira estava morta.
O relógio sobre a cômoda ao lado da porta do quarto presidencial marcava por volta das 8h da manhã do dia 24 de agosto de 1954 quando um estampido seco rompeu o silêncio no Palácio do Catete, então sede da presidência da República, no Rio de Janeiro. A figura mais controversa da história política brasileira estava morta.
O dia 24 de agosto de 2024 marca os 70 anos do suicídio de Getúlio Vargas, o gaúcho de São Borja que em 1930 capitaneou uma revolução que depôs o presidente Washington Luís, iniciando um período de grandes transformações sociais e políticas no Brasil.
Getúlio era presidente do RS em 1930, tendo assumido o comando do Estado em janeiro de 1928, dando fim às três décadas de governo de Borges de Medeiros. Naquela época, os governadores eram denominados presidentes dos estados.
O Brasil vivia a época da República Velha, em que vigorava a chamada Política do Café com Leite, quando o comando da nação era alternado entre São Paulo (maior produtor de café) e Minas Gerais (maior produtor de leite).
Naquele período, quem dava as cartas na política nacional e, consequentemente, nos rumos do País, eram as oligarquias agrárias, onde o chamado voto de cabresto vigorava e as fraudes eleitorais eram tão comuns que sequer havia a preocupação em escondê-las.
O governo federal mantinha uma relação promíscua com os governos estaduais. Era a época da Política dos Governadores, um acerto realizado pelo presidente Campos Sales (1898-1902) que consistia em uma troca de favores entre o presidente da República e os governadores e presidentes estaduais. Enquanto, por um lado, o presidente do País se comprometia em não intervir nas questões regionais, os estados garantiam o apoio ao Executivo Federal nas casas legislativas, dando ao governo o pleno controle do Congresso.
Esse arranjo perdurou por praticamente toda a República Velha, estabelecendo as bases do sistema oligárquico baseado sobre o poder e a influência dos coronéis locais que, em um sistema de voto aberto, controlavam os eleitores em seu “curral” eleitoral.
Toda essa estrutura política corroída sustentada pela prática do "toma lá dá cá" foi derrubada por uma revolução/golpe engendrado por Getúlio que, aos 48 anos de idade, transformou a história política brasileira, iniciando ali, em outubro de 1930, o período que ficou conhecido como a Era Vargas.

Nascido no império, Vargas refundou a República

Vargas foi presidente que por mais tempo comandou o Executivo brasileiro

Vargas foi presidente que por mais tempo comandou o Executivo brasileiro

Museu da República/JC
Aos sete anos de idade, um gauchinho acompanhou de longe as notícias a respeito da agitação política que tomou conta da capital do País no ano de 1889. Cerca de 1,8 mil quilômetros separavam o menino Getúlio Dornelles Vargas do marechal Deodoro da Fonseca quando este, em um movimento civil-militar, depôs o imperador Dom Pedro II, derrubou a monarquia no Brasil e deu início à República naquele 15 de novembro.

Getúlio nasceu em São Borja, em 19 de abril de 1882. Ainda que fosse fruto de uma comunidade rural, com uma economia baseada na pecuária de corte, distante dos centros decisórios regionais e nacionais, a política estava no seu sangue desde a concepção.
Filho de Manuel do Nascimento Vargas, um “chimango” defensor da causa republicana e presidencialista, e de Cândida Dornelles Vargas, de família tradicionalmente “maragata”, apoiadora do federalismo parlamentarista, Getúlio cresceu em um ambiente em que a política era fruto de paixões e desavenças eram “lavadas com sangue” em nome da honra.
Sangue esse que manchou o solo gaúcho entre 1893 e 1895, quando os dois lados se digladiaram naquela que foi uma das mais violentas revoltas da história brasileira, a Revolução Federalista, que colocou em lados opostos Chimangos e Maragatos.
Assim, a política sempre esteve presente na vida de Vargas, desde a infância, passando pelo ativismo em sua época de estudante de Direito em Porto Alegre, até o derradeiro dia 24 de agosto de 1954.
De formação intelectual influenciada pelo positivismo de Auguste Comte, o Getúlio político era um homem intrinsecamente ligado ao Getúlio homem, fronteiriço, criado no Pampa, com os traços da cultura regional enraizadas em sua personalidade e modo de pensar e agir. “A defesa da diversificação agrícola e da pecuária tinha o DNA da economia gaúcha da época, o RS era chamado ‘celeiro do Brasil’. O nacionalismo era forte na fronteira, os missioneiros sempre se consideraram brasileiros da gema, pois ‘por opção’ e não por imposição. São Borja foi invadida pelos paraguaios na guerra e o pai dele foi um dos que se distinguira na defesa da cidade. A ameaça argentina era sempre uma possibilidade”, destaca o professor do Departamento de Ciências Econômicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), Pedro Cezar Dutra Fonseca.
Estudioso de chamada Era Vargas, Fonseca tratou do tema em sua tese de doutorado obtida na Universidade de São Paulo (USP) em 1987, intitulada “Vargas: O Discurso em Perspectiva e o Capitalismo em Construção”. O livro oriundo da pesquisa (Editora Hucitec) já está em sua 3ª edição.
Conforme o professor, o olhar local estava presente na visão estratégica que Vargas tinha para o Brasil. “A industrialização viria valorizar as matérias primas locais, tinha-se já a noção de cadeia produtiva: o gado fornecia o insumo para a indústria coureiro-calçadista gaúcha, por exemplo”, aponta.
Essa visão estratégica foi uma das marcas de Getúlio enquanto chefe de estado, seja como presidente eleito, seja como ditador.

A Revolução de 30

Comitiva de Getúlio Vargas em Itararé, São Paulo, a caminho do Rio de Janeiro, pós-Revolução de 1930.

Comitiva de Getúlio Vargas em Itararé, São Paulo, a caminho do Rio de Janeiro, pós-Revolução de 1930.

CLARO JANSSON/DIVULGA??O/JC
Capitaneada por Vargas, a Revolução de 30 quebrou as engrenagens de um sistema que se mantinha há quatro décadas, com ajustes e mudanças ocorridas no decorrer do tempo, mas baseado nos mesmos alicerces: poder da oligarquia agrária, eleições fraudadas e coronelismo.

Os eventos que culminaram no fim da chamada República Velha tinham por trás uma espécie de conflito silencioso entre o Brasil rural e o Brasil urbano. O País se urbanizava e o campo perdia espaço para a cidade com o início do processo de industrialização. Com isso, massas urbanas de assalariados constituíam uma nova classe média e essa força social em ascensão clamava por mais participação política. Assim, o estado oligárquico passou a sofrer contestações.
As fraudes eleitorais marcaram o pleito que escolheria o presidente para o período de 1930-1934 e que deu a vitória para o candidato governista Júlio Prestes, com 57,7% dos votos. Com a derrota nas urnas, as articulações com vistas à derrubada do poder vigente se intensificaram, colocando lado a lado militares e o grupo político que defendia a modernização do estado. Após meses de organização nos bastidores, a revolta eclodiu por volta das 17h30min do dia 3 de outubro, em Porto Alegre, com a tomada de postos militares. Era o início do fim da República Velha.

O Estado Novo

O culto ao líder foi uma das marcas do governo de vargas no Estado Novo

O culto ao líder foi uma das marcas do governo de vargas no Estado Novo

Arquivo Nacional/JC
O Vargas revolucionário de 1930 deu lugar ao Vargas ditador sete anos depois. O Brasil tinha eleições presidenciais marcadas para janeiro de 1938. Foi então que o governo de Getúlio denunciou, em 30 de setembro de 1937, um suposto plano para uma revolta coordenada pelos comunistas no País, o chamado Plano Cohen, que alegadamente pretendia derrubar o governo. O documento forjado por militares serviu de justificativa para Vargas promover um autogolpe, instaurando o regime que ficou conhecido como Estado Novo.
Ainda no primeiro dia do golpe, Getúlio determinou o fechamento do Congresso Nacional e outorgou uma nova Constituição, dando-lhe total poder, nomeando interventores os estados e a extinção dos partidos políticos.
O regime ditatorial de Vargas teve como marca a censura aos órgãos de imprensa e a criação do Departamento de Imprensa e Propaganda, o DIP, que objetivava, entre outras coisas, o estímulo ao patriotismo e o nacionalismo. Além da censura e da perseguição política, principalmente dos comunistas, o Estado Novo também cerceou direitos e garantias individuais. Por outro lado, foi durante o regime que Vargas criou a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
A ida à Segunda Guerra Mundial (1939-1945) ao lado dos Aliados foi, de certa forma, o início do fim do Estado Novo varguista, pois salientava uma contradição do regime: enviava soldados para combater o fascismo na Itália, mas tinha claras influências e ações do tipo fascista no Brasil. Movimentos de oposição começaram a surgir, aumentando a pressão sobre Getúlio que, por fim, cedeu, declarou a reabertura política, com a volta dos partidos, libertou presos políticos e marcou eleições presidenciais para 2 dezembro de 1945. Vargas, porém, foi derrubado antes disso, em 29 de outubro, por um movimento militar, sendo substituído pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, José Linhares, que permaneceu no cargo até a eleição de Eurico Gaspar Dutra.

O governo eleito pelo povo

Getúlio e João Goulart desfilando em carro aberto no RS na década de 1950

Getúlio e João Goulart desfilando em carro aberto no RS na década de 1950

Arquivo Nacional/JC
Mesmo fora do governo, Getúlio não perdera relevância. O seu apoio ao general Eurico Gaspar Dutra foi fundamental para a vitória do militar nas eleições presidenciais. No mesmo pleito, Vargas foi eleito senador, cargo que ocupou entre 1946 e 1947. Após isso, se retirou para sua estância em São Borja.
A pressão pelo retorno à política acabou por levar Vargas a se candidatar à presidência no pleito subsequente. Com o decisivo apoio do governador paulista Adhemar de Barros, Getúlio foi eleito na votação de 3 de outubro de 1950, com 48,7% dos votos.
O governo democrático de Vargas sofreu, desde o início, forte oposição comandada pela União Democrática Nacional (UDN), fazendo com o que o período fosse constantemente permeado por crises políticas.
Marcado por denúncias de corrupção, o governo também ficou na história por ter sido durante a gestão que foram criados o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e a Petrobrás. O nacionalismo e a interferência do governo na economia também foram características do período.

Um revolucionário que virou ditador, um ditador que virou democrata

Poucas figuras na história brasileira possuem uma trajetória tão cheia de nuances quanto Getúlio Vargas. De revolucionário que derrubou um sistema há décadas viciado, passou a ditador com inclinações fascistas e encerrou sua vida pública como democrata que se tornou mártir.
O professor Pedro Fonseca aponta que, em parte, a postura de Getúlio acompanha a trajetória do Brasil na primeira metade do século XX. O jovem Vargas estudante era militante do Partido Republicano Rio-Grandense (PRR), apoiador do governo estadual de Borges de Medeiros. Na década de 1930 há a crise das democracias liberais, como os Estados Unidos, a Inglaterra e a França, e os países que surgem como emergentes são ditaduras, como Alemanha (Hitler), Itália (Mussolini) e Rússia (Stalin), que se fortalecem no contexto da guerra. “A contradição é Vargas que se assume como ditador em 1937 mas entra na guerra ao lado de Estados Unidos e Grã-Bretanha (e União Soviética) para derrotar o nazi-fascismo”, destaca Fonseca.
Ao retornar ao governo, em 1951 – a primeira vez como presidente eleito – há a afirmação do Trabalhismo, com forte nacionalismo, distribuição de renda e ampliação dos direitos dos trabalhadores. “São três períodos diferentes, mas que têm algo em comum: o antiliberalismo. Vargas nunca acreditou que o livre mercado, por si só, encaminharia a solução para os problemas brasileiros. Ele defendia o capitalismo, mas acreditava que a política, e não o mercado, deveria dar as diretrizes principais para superar os problemas do Brasil”, enfatiza o professor da Ufrgs.
Os diversos “Getúlios” ajudaram a construir no mito de Vargas que permanece até hoje. Muitos o consideram o maior homem público da história da República, outros dizem que foi o melhor presidente, alguns, o maior político, e outros mais o consideram um autoritário.
Definir Vargas, é uma tarefa difícil. “Não dá para dizer que ele era um democrata, que ele era autocrata, que ele era isso ou era aquilo. Ele era tudo isso. Ele foi sendo de acordo com a história que o cercava, e fez com muito sucesso. Getúlio jogou o jogo político de acordo como esse jogo estava se apresentando na sua frente”, diz o professor do Departamento de História da Ufrgs, Luiz Alberto Grijó.
Apesar de salientar que é difícil estabelecer comparações, impossibilitando afirmar que Getúlio foi o maior político brasileiro já existente, o historiador Luciano Aronne Abreu afirma que a importância de Vargas é indiscutível. “O tamanho do Getúlio na história do Brasil é gigante. A construção do Brasil moderno passa pela Era Vargas”, destaca o professor da Pontifícia Universidade Católica do RS (Pucrs).

"Eu vos dei a minha vida. Agora vos ofereço a minha morte"

Ato final do então-presidente gerou comoção nacional

Ato final do então-presidente gerou comoção nacional

Reprodução/JC
O suicídio de Getúlio Vargas é um daqueles episódios históricos que impactam sobremaneira o país. O estampido do disparo da bala no peito, disparada por um revolver calibre .32, ainda ecoa ná história, no imaginário popular e na política, criando em torno de Vargas uma aura mítica que permanece até hoje.
Para analisar o suicídio de Getúlio, é necessário compreender o cenário político e social que havia no Brasil naquele ano de 1954.
Getúlio vinha sendo alvo de muitas críticas e forte campanha de seus oposicionistas, com destaque para o jornalista Carlos Lacerda que, desde a Revolução de 1930, combatera Vargas, inicialmente ao lado dos comunistas e, após romper com eles, tornando-se um porta-voz do conservadorismo no País.
Acusações de corrupção minavam a base governista e um atentado ocorrido na noite do dia 5 de agosto de 1954 acabou por acelerar o fim da Era Vargas. O major da Força Aérea Rubens Florentino Paz foi morto a tiros, enquanto Lacerda foi baleado no pé. O atentado da rua Tonelero, como ficou conhecido, foi atribuído a membros da guarda pessoal de Vargas. Ao saber do ocorrido, Getúlio, inclusive, teria dito: "Carlos Lacerda levou um tiro no pé. Eu levei dois tiros nas costas!".
Instalou-se uma crise política, com forte pressão pela renúncia de Getúlio. No dia 22 de agosto, um manifesto assinado por 19 generais do Exército pedia a renúncia do presidente. Getúlio chegou a consentir com a licença do cargo, mas encerrou sua vida no início da manhã do dia 24.
Desespero ou ato político?

O suicídio de Vargas é ainda hoje motivo de muito debate. Passados 70 anos, a discussão a respeito dos motivos que levaram Getúlio a tomar tal decisão permanecem em aberto e uma das principais perguntas que ficam é a seguinte:
Afinal de contas, o suicídio de Vargas foi um momento de desespero ou um ato político?
Para Luiz Alberto Grijó, não restam dúvidas de que o suicídio foi um dos grandes atos políticos de Vargas. “Provavelmente, ele viu a situação meio insustentável naquela conjuntura. Antes que venha um cabo ou um soldado com um jipe me derrubar, vou fazer uma coisa mais consistente. O suicídio teve enormes repercussões. Depois que ele se matou, tiveram manifestações públicas no Brasil inteiro, empastelamento de jornais. A morte desencadeou uma demonstração de força política”, aponta o professor da Ufrgs.
Já para o professor do Departamento de Ciências Econômicas da Ufrgs, Pedro Cezar Dutra Fonseca, o desespero estava presente naquela manhã de 24 de agosto. “Certamente foi um ato de desespero, como todo suicídio. Não creio que possa ser reduzido a um ato meramente político, embora as consequências políticas evidentemente existiram. Ele dizia que na primeira vez, em 1945, aceitara pacificamente ser deposto, pois não fora eleito, chegara ao governo por uma revolução. Já em 1954 era presidente eleito e só sairia morto, pois esta era a regra da democracia”, salienta.
O professor Luciano Aronne Abreu, por sua vez, não acredita que o suicídio tenha sido um ato de um homem desesperado. “Não foi alguém que saiu dali e se atirou pela janela ou pegou uma arma e deu um tiro no peito aleatoriamente. Ele teve tempo de escrever uma carta testamento. Portanto é algo que foi pensado como uma alternativa política”, observa o historiador.
Carta Testamento está exposta em diversos lugares do País, como essa em Erechim | NATHAN LEMOS/JC
Carta Testamento está exposta em diversos lugares do País, como essa em Erechim NATHAN LEMOS/JC
Citada pelo historiador, a carta testamento é apontada como o sinal mais forte de que Getúlio encontrou no suicídio uma forma de dar um encerramento político ao mesmo tempo que trágico e teatral à sua trajetória.
“A carta testamento é um ato político do começo ao fim”, aponta Grijó. O professor da Ufrgs salienta que, em termos políticos, se pode dizer que o ato foi uma forma de Vargas mostrar força. “Não que ele tenha pensado nisso, mas o suicídio demonstrou que ele ainda tinha uma força política."

O legado varguista

A figura de Vargas permeia o imaginário popular brasileiro. Suas posições deram origem, inclusive, a uma vertente política no Brasil, o Trabalhismo, que ainda é uma herança abraçada por partidos atualmente.
Getúlio nasceu durante o Segundo Império, era uma criança quando da Proclamação da República, vivenciou a violenta Revolução Federalista de 1893, foi deputado estadual, deputado federal, ministro, governador do RS, senador, revolucionário, ditador e democrata. Essa figura tão rica de nuances inegavelmente ocupa um lugar de destaque na história brasileira.
Para o professor Pedro Fonseca, a imagem mais forte de Vargas é de um político nacionalista e a favor dos trabalhadores. Além disso, salienta o pesquisador, ao instituir o voto feminino, Getúlio dobrou com apenas um ato o número de eleitores no País. “Até hoje os direitos trabalhistas e previdenciários vêm da chamada Era Vargas. Quase todas as tentativas posteriores são de limitar ou eliminar tais direitos, com exceção da legislação trabalhista do campo, que veio no governo Médici, e das domésticas, no governo Dilma”, aponta.
Fonseca enfatiza o fato de que Getúlio sempre teve um projeto de desenvolvimento nacional, que supunha industrialização, diversificação produtiva e aumento da produtividade do setor primário, além da defesa do mercado interno, da redução das desigualdades regionais e da redistribuição de renda. “Não era crescer o bolo para depois distribuir, nem distribuir antes de crescer: era um acompanhar o outro. Ele defendia que isso deveria ocorrer em uma economia capitalista, com respeito ao direito de propriedade, contando com parceria de empresários privados e com o mercado, mas com marcos regulatórios como a legislação trabalhista e limite ao poder dos oligopólios.”
Luciano Aronne Abreu, por sua vez, observa que falar de legado não significa dizer que o que existe atualmente foi Getúlio que criou, estabelecendo, assim, uma relação direta e linear. “Falar em legado significa pensar que esse Brasil moderno, urbano, industrializado, com legislação social, sindicatos, se deve muito àquele período. Não existia um sistema nacional de previdência, de saúde, de educação. Não existia legislação trabalhista, não existia uma legislação nacional que regulasse os sindicatos, não existia Justiça do Trabalho. Essas coisas todas emergem naquele contexto e vão se transformando e se ressignificando ao longo do tempo”, diz.
Já o professor Luiz Alberto Grijó coloca que o legado é a construção e a apropriação políticas que os que vieram depois fizeram e fazem da figura histórica. “O legado é uma é uma atualização constante”, afirma.

Ícone cultural

Tony Ramos interpretou Getúlio em filme de 2014

Tony Ramos interpretou Getúlio em filme de 2014

Copacabana Filmes/Divulgação/JC
A vida – e a morte – de Getúlio Vargas alçaram o político gaúcho à posição de uma figura icônica da sociedade brasileira. O nome de Vargas está no dia a dia dos brasileiros. Em Porto Alegre, por exemplo, é nome de avenida e de hospital. Vargas é nome escolas em Eldorado do Sul, Cachoeirinha, Viamão, Gravataí, Sapucaia do Sul, Novo Hamburgo, Parobé, Taquara, entre outras cidades do RS.
O gaúcho de São Borja também está presente na cultura brasileira. Getúlio já foi biografado diversas vezes e sua história foi contada em diversos filmes, sejam eles ao estilo de cinebiografia, sejam documentários quem buscam compreendê-lo e o período histórico em que foi protagonista.
Confira abaixo obras que retratam Vargas:
Getúlio (2014)
O filme conta com a direção de João Jardim e tem o ator Tony amos interpretando Vargas em seus dias finais de vida.
Agosto (Rubem Fonseca, Nova Fronteira)
O romance tem como pano de fundo os turbulentos dias do mês de agosto de 1954 no Rio de Janeiro.
Trilogia Getúlio Vargas (Lira Neto, Companhia das Letras)
A mais recente biografia de Vargas foi escrita pelo jornalista Lira Neto que, em mais de 1,6 mil páginas, destrincha a vida do ex-presidente desde o nascimento até a morte.
O Homem que Matou Getúlio Vargas (Jô Soares, Companhia das Letras)
Com seu humor característico, Jô Soares cria uma história fictícia em que Getúlio é morto por um anarquista fanático.

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