Tradicionalmente associada ao divertimento sem compromisso, a boemia também costuma dividir mesa com as mais devotadas manifestações culturais. Mas poucos empreendedores do ramo levaram a sério essa parceria em mais de um século de história da vida social em Porto Alegre após o cair da tarde - nomes como Ovídio Chaves com seu Clube da Chave (1953-1959) e Dirceu Russi/Antônio Carlos Castro no Bar do IAB (1981-1991) estão entre as menções honrosas. Há também quem lembre do Theatro Mágico (1983-1992), fundado pelo multimídia Clécio "Caco" Zanchi e que garantiu assento na antologia dos melhores endereços noturnos da cidade.
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Bar. Restaurante. Galeria de arte. Palco para atrações literárias, cênicas e musicais, incluindo uma divertida novidade chamada karaokê. Instalado em um casarão de dois andares no limite dos bairros Bom Fim e Independência, o espaço de despojada elegância logo virou ponto de referência para um público mais exigente (embora não pernóstico), composto por "gente comum", intelectuais e protagonistas das mais diferentes áreas. O projeto havia sido deflagrado tempos antes, há quase 10 mil quilômetros de distância da capital gaúcha, explica o idealizador ao trazer para a conversa o ímpeto do jovem de apenas 22 anos e vocação para cidadão do mundo.
"Em 1982 eu estudava Turismo na Pucrs e Arquitetura na Unisinos, além de trabalhar como produtor e diretor de arte na agência Objetiva de filmes publicitários, quando resolvi me mudar para a Espanha, a fim de aprender o idioma 'na fonte'. Trabalhei durante meses como leitor de jornais para uma condessa que tinha alergia a papel e, durante esse período, acabei conhecendo em Barcelona um pequeno castelo com serviços de bar, restaurante, teatro e galeria. Essa experiência me impactou de tal forma que, ao voltar para casa no ano seguinte, já estava decidido a abrir algo assim por aqui. O primeiro passo foi achar um espaço interessante para colocar a ideia em prática."
Caminhando pela vizinhança de seu apartamento na avenida Independência, sua atenção foi fisgada pelo anúncio de 'Aluga-se' no elegante imóvel construído no início do século 20 pela família Schaan na rua Tomaz Flores nº 123, quase esquina com a José Otão. O lugar servia como luva ao conceito e ainda permitiria contato permanente com a culinarista Maria Teresa Schaan Pessano, de infância ali vivida. Responsável no jornal Zero Hora por uma coluna de gastronomia (assunto que também despertava o interesse de Caco), ela logo se tornou também professora, amiga e incentivadora do novo inquilino, que teve carta branca para promover mudanças na planta interna.
A fachada da antiga residência ganhou tinta branca em combinação a detalhes em azul-cobalto e um discreto neon a indicar o nome, criado ao natural como síntese de suas pretensões. Sem uso do térreo pelo estabelecimento, uma escada de madeira conduzia ao segundo andar, com seu corredor em tijolo-à-vista e paredes recortadas para transformar as peças originais em um amplo salão com bar, pequeno palco, 20 mesas à luz de velas e cadeiras de madeira e lona em estilo "cineasta". Elementos retrô como pôsteres de filmes, fotos, reproduções de pinturas francesas e lembranças de viagem completavam a decoração, que logo receberia outro item marcante.
"Eu já trabalhava com grafitagem quando a relações-públicas Leonor Sonnenreich me pediu para a porta do banheiro do Theatro Mágico um dos painéis do lote que eu havia produzido com essa técnica para um programa da RBS TV", conta o artista plástico Frantz Soares, 61 anos, proprietário da loja Koralle de materiais para desenho e pintura. "Ao conferir o resultado no bar, notei que o pessoal havia deixado a parede do banheiro toda branca e com vários sprays à disposição para os clientes. Não resisti e gastei toda a tinta naquele ambiente, que acabou virando uma atração adicional do bar. É uma pena que não tenham sobrado registros daquela imagem tão legal."
Despojada elegância
Ator Silvio Teitelbaum durante estreia da peça em janeiro de 1984
ACERVO CACO ZANCHI/REPRODUÇÃO/JCDe portas abertas em 7 de dezembro de 1983, o Theatro Mágico enfatizava a dedicação de Caco Zanchi em entregar à cidade um pot-pourri diferenciado e que, não por acaso, conquistou uma clientela de 2 mil pessoas por semana, de segunda a sábado. O convívio entre informalidade e sofisticação se refletia em uma agenda capaz de abrigar atrativos como um caricaturista uruguaio de plantão às sextas-feiras, recitais de poesia, shows de jazz e MPB (a cantora Adriana Calcanhotto foi um dos destaques, antes da fama nacional), gente arrastando mesas para improvisar uma pequena pista de dança ou todo mundo em respeitoso silêncio diante de espetáculos cênicos.
No verão de 1984, a casa fez jus a seu nome ao apresentar por 16 noites seguidas o monólogo Réquiem Para um Deus, escrito e dirigido pelo próprio Caco Zanchi, tendo Sílvio Teitelbaun no papel do célebre bailarino ucraniano Vaslav Nijinski (1889-1950). Tamanho foi o sucesso que a montagem foi esticada por vários meses, chegando ao Salão de Atos da Pucrs e ao interior do Estado, além de minitemporada em julho na boate paulista Madame Satã. E ainda havia os prazeres da boa mesa, sob comando do dono e auxílio de cinco de seus 16 empregados (jovens e descolados universitários), garantindo mais que um caprichado carreteiro grátis às quartas-feiras.
"A cozinha é enxuta, prática e suficiente para oferecer as excelências sugeridas pelo cardápio, que dá continuidade a uma tradição secular em uma casa que testemunhou o cotidiano de uma família por tantos anos. Ali minha bisavó preparava pães gostosos e minha mãe fazia doces que a tornaram famosa na cidade", registrou na época a especialista Maria Teresa Schaan Pessano em coluna de Zero Hora com reprodução de três receitas exclusivas - Filé Mignon à Casc Antic e os coquetéis Mário Quintana (contreau com sucos de limão, laranja e abacaxi) e Sandra Dani (conhaque, licor de menta, contreau, xarope de groselha e suco de uva).
Dentre os habituês estavam a artista plástica Elida Tessler e o psicanalista Edson Luiz Sousa, para quem o Theatro Mágico remete a "um espaço acolhedor e que colocava em cena a amplidão do mundo por um viajante generoso em compartilhar experiências". Na noite de 1º de outubro de 1984, respectivamente com 22 e 24 anos, eles ali realizaram sua festa de casamento. "Queríamos algo a ver com nossa história, mas longe dos clichês. Caco indicou um intérprete de música popular brasileira em voz e violão e definimos um cardápio evocativo de viagens, então escolhemos o goulash (prato à base de carne e especiarias), de origem húngara. Foi comovente ver os avós da Elida, imigrantes judeus, subindo a escada do casarão para se contagiar por aquele ar de juventude".
Elencada no ranking de 60 melhores pontos boêmios dentre os quase 6 mil visitados no País pela revista Bares Brasil, a casa também recebia estrelas de passagem pelo Rio Grande do Sul, como o ator alegretense Walmor Chagas (1930-2013) e sua colega carioca Tônia Carrero (1922-2018). A presença de gente ilustre ampliava a projeção do negócio, embora alguns episódios exigissem jogo de cintura na gestão de pequenas crises. "Certa ocasião, uma famosa artista cheirava cocaína no banheiro e, travada, só abriu a porta após muita insistência. Retiramos a mulher com um véu sobre a cabeça, para evitar o vexame, e a 'matriculamos' em um quarto no Hotel Plaza", revela o fundador.
Logomarca do Theatro Mágico, durante a primeira fase do empreendimento
ACERVO MARCELLO CAMPOS/REPRODUÇÃO/JCCaco ainda reivindica o pioneirismo em uma novidade na Porto Alegre de 1985: o karaokê, façanha igualmente atribuída a boate Fascinação (bairro Menino Deus), inaugurada naquele ano. De qualquer forma, o Theatro Mágico foi o primeiro e um dos poucos locais da cidade a utilizar bandas ao vivo como base sonora para o divertimento criado no Japão em 1971 e que desembarcara em São Paulo no início da década seguinte, quase sempre com trilhas pré-gravadas. "Começamos às quintas-feiras, com ampla repercussão!", orgulha-se. Transcorridas quatro décadas, a brincadeira continua em pelo menos 10 bares e boates da capital gaúcha, com direito a seletivas para campeonato mundial.
O retorno financeiro do empreendimento e o contato permanente com expoentes da cultura ocorriam em paralelo ao intenso envolvimento de Caco não só com a gastronomia, incluindo a abertura da Cantina di Zanchi (1986), na esquina da rua José Bonifácio com Santa Terezinha, em frente ao Parque da Redenção. Seus interesses também se voltavam cada vez mais para teatro, fotografia e literatura, faceta que resultaria no livro poético Espaços do Silêncio (1988) e em planos como o de montar uma sala de espetáculos no mesmo térreo do casarão da Tomaz Flores que no passado abrigara uma fabriqueta de charutos. Foi quando a vontade de retornar à Europa falou mais alto.
O retorno financeiro do empreendimento e o contato permanente com expoentes da cultura ocorriam em paralelo ao intenso envolvimento de Caco não só com a gastronomia, incluindo a abertura da Cantina di Zanchi (1986), na esquina da rua José Bonifácio com Santa Terezinha, em frente ao Parque da Redenção. Seus interesses também se voltavam cada vez mais para teatro, fotografia e literatura, faceta que resultaria no livro poético Espaços do Silêncio (1988) e em planos como o de montar uma sala de espetáculos no mesmo térreo do casarão da Tomaz Flores que no passado abrigara uma fabriqueta de charutos. Foi quando a vontade de retornar à Europa falou mais alto.
Mudança de planos
Kekê Karaoke foi atração que deu gás à segunda fase do Theatro Mágico
ACERVO CLERTON KEKÉ ABREU/REPRODUÇÃO/JCPara que nada mais o prendesse a Porto Alegre, no início de 1989 Caco Zanchi optou pela venda do ponto com tudo dentro, exceto por itens de memorabilia. A saída de cena do criador do mais vanguardista endereço noturno de sua época logo deu lugar a um novo investidor, em setembro de 1989: o empresário Rogério Aloise. Com experiência nos ramos de turismo e alimentação, ele atendera a um anúncio de venda da cantina, mas acabou adquirindo o Theatro Mágico, por razões hoje esquecidas, em negociação conduzida por um dos manos de Caco, já ausente. A aposta era inusitada para um sujeito sem qualquer familiaridade ao setor de entretenimento ou grana suficiente para o desafio, abraçado muito mais por necessidade que know-how.
"Caí de paraquedas em uma casa que sequer conhecia, aliás nem boêmio eu era", reconhece Rogério, 69 anos, em bem-humorada sinceridade. "Dei entrada com o valor de um carro Monza usado e, nos primeiros tempos de nova atividade, precisava de táxi ou lotação para me deslocar de meu apartamento na avenida Nilópolis (bairro Bela Vista) até a Independência, descendo a pé a quadra da Tomaz Flores. Na volta, chegava com cheiro de cigarro e batata frita para a missa da 7 da manhã na Igreja São Pedro. O fato é que eu não sabia exatamente o que fazer, porque a troca de mãos havia causado uma perda de clientela e era preciso dar um jeito”.
A estratégia foi mudar o foco para um público mais jovem, menos elitizado e ávido por diversão sem compromisso e cerveja a preço acessível. Conhecido pelo apelido de 'Pilha', devido a uma energia que o mantinha em constante aceleração, o novo dono recrutou no bar Kafka (avenida 24 de Outubro) a banda Os Totais para reforçar a música ao vivo e as coisas começaram a mudar, embora muito aquém do ritmo desejado. Até ser procurado pelo cearense Clerton Abreu, então radicado em Porto Alegre desde 1987 e cujo alter-ego 'Kekê' se tornara figura lendária – e ainda hoje lembrada – como o melhor animador de karaokê em todo o Estado.
“Resisti inicialmente, por achar que a ideia não tinha nada a ver”, explica Rogério. “Mas topei arriscar um teste na terça-feira e, de repente, tive casa lotada, então transferi a atração para as quartas, com filas desde o fim da tarde, mesmo que a porta se abrisse somente às oito da noite. O faturamento me empolgou a chamar o Kekê também para as noites de domingo, com igual sucesso, e o engraçado é que dessa vez fui eu que precisei convencer o cara”. Não por acaso, o show-man escolheu o lugar para sediar em 1990 várias etapas de seu torneio, inédito na cidade e que premiava os ganhadores com videocassetes, televisores, toca-fitas automotivos e caixas de champanhe.
A segunda fase do Theatro Mágico teve o seu ciclo encerrado em 1992, após quatro anos de simplicidade e improviso. Com a palavra, o protagonista: “O movimento continuava forte mas chegou um momento em que passei a me incomodar com os vizinhos, devido à algazarra da gurizada que ia embora de pileque pela rua, madrugada adentro. Além disso, os proprietários já sinalizavam a intenção de vender o imóvel e eu tinha aberto na avenida Nilo Peçanha o bar Amadheus [1991-1993]. Hoje posso dizer que erros, acertos, muito trabalho e um pouco de sorte ajudaram tudo a dar certo enquanto durou. Foi legal, porém cansativo. Eu não repetiria”.
Antes de fechar a conta, uma dose de memória afetiva. “Houve uma noite em que já não cabia mais ninguém na casa e o cantor carioca Gonzaguinha [1945-1991], em apresentação na cidade, teimou em subir após ser barrado na porta”, narra Rogério. “A insistência foi tanta que acabei autorizando a sua subida. “Sem uma mísera cadeira sobrando, ele permaneceu de pé comigo junto ao balcão, tomando caipirinha e cerveja. Conversamos, demos muita risada e, horas depois, a gente se despediu na maior camaradagem, como se fôssemos velhos conhecidos. Alguns meses depois, veio a notícia de sua morte trágica, em um acidente de carro”.
Por onde andam
Décadas após o fim do Theatro Mágico, Caco Zanchi prepara retorno ao segmento
MARCELLO CAMPOS/ESPECIAL/JCRogério Aloise virou a sua página noturna há mais de 30 anos. Com três faculdades incompletas (Administração, Economia e Licenciatura), atuou no segmento de pizzarias e presidiu no biênio 2001-2002 a Sociedade Gondoleiros, tradicional clube do bairro Floresta, Zona Norte de Porto Alegre. Morou no Rio de Janeiro, voltou, foi corretor de imóveis. Pai, marido e avô, hoje curte em um condomínio na cidade vizinha de Viamão uma aposentadoria eventualmente interrompida por desafios capazes de despertar a energia do velho 'Pilha'.
Caco também não concluiu o ensino superior. Jamais precisou, afinal sua universidade é o mundo: desde 1989, são 27 anos na Bélgica alternados com dois na Bahia e seis no Rio Grande do Sul, emoldurando experiências impactantes. Chefe de cozinha. Consultor. Tarólogo. Poeta. Terapeuta holístico. Tradutor (espanhol, francês, flamenco, inglês e italiano). Curador. Fotógrafo. Ator. Cenógrafo de filmes como o O Manipulador de Paixões (1994), estrelado pelo francês Alain Delon. Dono de uma galeria e 10 cafés, restaurantes ou bares (incluindo a segunda fase da choperia Líder, em Porto Alegre), todos com ambientes expositivos.
Uma combinação de motivos como pandemia, saúde da mãe, espírito inquieto e saudade do sol o repatriou de vez, embora "definitivo" seja para ele um conceito em permanente transformação nas últimas décadas. Mas nada de descanso. A cidade que o ensaiou para o sucesso internacional terá cortinas descerradas para novo ato: o Antuérpia Bistrô & Arte, mix de café, galeria de arte e empório em um sobrado de três pavimentos na Félix da Cunha.
“Dedicarei espaço a artigos de pequenos produtores, a fim de contribuir para a superação do grande desastre das enchentes de maio em nosso Estado”, antecipa, enquanto decide a melhor parede para um velho pôster do Theatro Mágico. A imagem é uma das poucas que restaram do casarão da Tomaz Flores, demolido no segundo semestre de 1994 para dar lugar a um prédio residencial com duas lojas no térreo – hoje barbearia e ferragem. “Aquela intensa produção cultural e criativa deixou marcas na cidade. Dediquei alguns dos melhores anos da minha vida àquele ambiente, pelo qual sou lembrado até hoje, mesmo com tanta coisa que já fiz”, emociona-se.
Kekê Karaokê: injeção de adrenalina
Nascido no pequeno município de Pentecoste (CE) e criado em Fortaleza, José Clerton Cordeiro de Abreu já fez de tudo um pouco em 65 anos de vida. Garimpeiro. Vendedor ambulante. Professor de inglês. Propagandista. Mas foi o papel do promotor e entertainer "Kekê Karaokê" que o tornou famoso, ao comandar festas com foco no divertimento musical de origem japonesa. Iniciado quase que por acaso, ao substituir de última hora o titular da função em um barzinho que frequentava na capital cearense em 1985, o trabalho deu tão certo que motivou convite de uma turista para atuar no Paraná, onde ficou por quase dois anos, até a decisão de sondar oportunidades em Porto Alegre.
Logo ampliou contatos, conseguiu emprego em uma escola de inglês na Rua da Praia e como sonoplasta de festas em bares da orla de Ipanema. Levado por uma namorada a conhecer o Theatro Mágico em setembro de 1989, convenceu o dono a contratá-lo para uma noitada semanal de karaokê, rapidamente ampliada para concorridas apresentações às quartas e domingos. Dali em diante, ele injetaria adrenalina em lugares como Bar Opinião, Porto de Elis, Vira Vira, San Ciro, Amadheus, Hangar, Amnésia e Boliche Rua da Praia, deflagrando uma trajetória que também abraçaria cidades da Região Metropolitana, Interior e Litoral.
"Meu cardápio musical tinha mais de 300 bases gravadas em fita cassete com uma faixa de cada lado, acionadas por três aparelhos", detalha. "No auge, o faturamento com cachês e participações em bilheteria me permitiu chamar uma banda para gravar em estúdio um punhado de trilhas exclusivas, com muito rock nacional e outras coisas que não estavam nos LPs de playbacks à venda no mercado. Também pude adquirir apartamento e um carro para divulgação, além de montar uma equipe com sonoplasta, iluminador e três dançarinas, as 'keketes'."
Também requisitado para eventos corporativos, ações publicitárias, campanhas políticas e até um programa de rádio na cidade de Esteio, Clerton deu por encerrada sua fase gaúcha em 2003, após 16 anos de presença decalcada na memória afetiva de quem viveu aquele tempo. "Uma separação amorosa, a morte de um grande amigo, meu pai doente no Ceará, a chegada dos aparelhos de videokê e alguns calotes que sofri me levaram a pegar a estrada de volta para casa. Cheguei a tentar um revezamento entre o Sul e o Nordeste por certo tempo, mas a logística se mostrou inviável. De vez em quando apareço por aí, onde deixei muitos amigos".
As estripulias de Kekê continuam, embora o karaokê já não seja mais o seu ganha-pão. Morando em um sítio em Caucaia (CE), ele circula por várias cidades do Nordeste em uma caminhonete com palco móvel sobre a lataria amarela, divulgando produtos e serviços por meio de dublagens, paródias cantadas e a participação constante de artistas convidados. O mesmo bom humor dá o tom em seu talk-show Talento em Foko, veiculado desde 2008 no site de vídeos Youtube e que alterna tipos populares com gente ilustre - os gaúchos Renato Borghetti, Humberto Gessinger, Berenice de Azambuja, Guri de Uruguaiana e Gaúcho da Fronteira estão nos arquivos.
Espaço interior do Theatro Mágico, que promoveu grandes momentos da boemia porto-alegrense entre 1983 e 1991
ACERVO CACO ZANCHI/REPRODUÇÃO/JC* Marcello Campos é formado em Jornalismo, Publicidade & Propaganda (ambas pela PUCRS) e Artes Plásticas (UFRGS). Tem seis livros publicados, incluindo as biografias de Lupicínio Rodrigues, do Conjunto Melódico Norberto Baldauf e do garçom-advogado Dinarte Valentini (Bar do Beto). Há mais de uma década, dedica-se ao resgate de fatos, lugares e personagens porto-alegrenses. Contato: [email protected].