Carlinhos Carneiro celebra 25 anos de Bidê ou Balde em meio a inúmeros projetos musicais

Contando 25 anos de trajetória em diversas áreas artísticas, o incansável Carlinhos Carneiro sai-se com disco e música nova e não pretende parar tão cedo

Por Cristiano Bastos

Carlinhos Carneiro faz show especial para comemorar 25 anos da banda Bidê ou Balde, no Opinião, neste sábado (2) às 23h
É sempre Carlinhos, mesmo que mude.

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Muita música e um pouco de Masterchef

Império da Lã, uma banda sem formação ou repertório fixo, é apenas uma das manifestações da criatividade de Carlinhos
Carlinhos, além de tudo, também é fundador do Império da Lã, uma banda que ele define como "sem formação, repertório ou estilo fixo". Há 17 anos o grupo aglomera artistas provenientes das mais diversas experiências musicais em shows, homenagens e espetáculos completamente diferentes entre si. "A Império da Lã já lançou quatro álbuns de música autoral e, há 11 anos, também virou bloco de Carnaval, responsável por arrastar dezenas de milhares de pessoas no Carnaval de Rua de Porto Alegre, além de animar festas em outras cidades e estados", completa o integrante e um dos fundadores do combo, Chicão Bretanha, frisando a força-motriz que é Carlinhos. Incansável, Carneiro ainda arruma tempo para fazer mais: já lançou três EPs e dois álbuns com o seu projeto radical de música autoral, o Bife Simples, e igualmente lançou um livro de contos com o seu alter ego Só Mascarenhas, intitulado Uns Troço do Só Mascarenhas.
Fora isso, foi convidado para cantar nas reuniões das clássicas bandas dos anos 1980 Atahualpa y Us Panquis e Urubu Rei - ocupando, nada mais, nada menos, o lugar no qual um dia esteve o renomado produtor Carlos Eduardo Miranda. Somando-se a isso, ao lado de Bretanha e Flávio Santos, o Flu, Carlinhos mantém o trio Só Amor, que durante a pandemia espalhou serenatas presenciais por Porto Alegre. Nos tablados ainda produz, atua e canta no espetáculo Coração de Búfalo.
Em 2020, Carneiro voltou a trabalhar com jornalismo, como repórter do programa Minha Receita na Band, com apresentação do chef Erick Jacquin, após igualmente ter comandado atrações na rádio Ipanema FM, na MTV e no canal Octo, do Grupo RBS. Atualmente apresenta o talk show Fuga de Quatro, no canal de YouTube do Fuga Bar, em Porto Alegre. De quebra, ainda criou o microfestival mutante Baita Troço, que promove shows e a cultura por onde passa. "O cara sempre precisa ficar inventando coisa nova", segreda Carlinhos sobre sua prolífera trajetória.
 

No Flu do mundo

Álbum de Flu & Carlinhos Carneiro, Flulinhoneiro, será lançado neste sábado (13), às 20h23min no Espaço Nave, com pocket show
Carlinhos Carlinhos está às voltas com o lançamento de um disco, que chega ao mundo neste 12 de janeiro, contendo 10 músicas compostas por ele e arranjadas por Flu (que fez a produção de Spaceball, segundo single da Bidê ou Balde). Definido por Carneiro como "rock psicodélico doidão pop", o intitulado Flulinhoneiro (do subtítulo "Quem tem amigo tetudo") conta com várias participações especiais de músicos porto-alegrenses ao longo do álbum. "É, na verdade, uma grande junção de pessoas viabilizando um disco do Carlinhos, com a minha ajuda numa posição de 'segundo crooner'. As ideias iniciais para as composições, porém, são todas do Carlinhos", demarca Flu.
Com lançamento em 2019 e produção de Flu, no álbum Mini Mundo (o título refere-se à alcunha que Carlos Eduardo Miranda utilizava na internet), que marcou o retorno aos palcos e estúdio da Atahualpa Y Us Panquis, a banda fez pela primeira vez o registro de canções como Sandina e Shoobidabidooba Porto Alegre é meu lar. Entre suas 12 faixas, o disco traz, além do hit Todo mundo saca, músicas como Micose, Plus a mais e Pop básico. A iniciativa de gravá-las partiu do próprio Miranda pouco antes que viesse a falecer, em 2018. Em Mini Mundo, Carlinhos Carneiro assumiu seu lugar, tocando teclado e cantando nas gravações e shows.
Segundo Flávio Santos, a escolha de Carlinhos para ocupar o lugar de Miranda deu-se acertadamente, uma vez que Carlinhos também carrega a particularidade de "estar ligado em tudo que está rolando na música pelo mundo". Em Mini Mundo, ressalta Flu, Carlinhos não só substituiu Miranda como também colocou nos shows e nas gravações muito de si mesmo. Flávio Santos vê Carlinhos como uma força criativa da música pop não só gaúcha, mas igualmente brasileira. "O Carlinhos coloca tudo pra fora e não tem meio termo pra ele. É tudo muito visceral e, por outro lado, muito inspirador."
 

Últimas transmissões

Como integrante da Bidê ou Balde, Carlinhos Carneiro alcançou, ainda na juventude, sucesso no cenário nacional
Nos dois últimos discos lançados pela Bidê ou Balde (respectivamente Eles São Assim. E Assim Por Diante, de 2012, e Gilgongo! ou, a Última Transmissão da Rádio Ducher, de 2015, a banda prestou reverência a uma de suas grandes influências literárias na figura do escritor norte-americano Kurt Vonnegut, autor de livros como Matadouro 5 e Café da Manhã dos Campeões. Carlinhos Carneiro pontua que Gilgongo! encerra uma trilogia (que, além de Eles São Assim. E Assim Por Diante, também inclui o EP Adeus, Segunda-feira Triste, lançado em 2011) chamada Kilgore Trio (homenagem ao personagem Kilgore Trout, que apareceu em diferentes livros de Vonnegut).
Nas 26 faixas do derradeiro (ao menos por enquanto) Gilgongo! ou, a Última Transmissão da Rádio Ducher, as músicas do álbum assumem o formato de uma transmissão da emissora conhecida por Rádio Ducher. Trata-se de uma homenagem à saudosa Ipanema FM, a qual havia sido tirada do ar meses antes do lançamento do disco. Conceitual, o álbum reproduz a última hora de transmissão da imaginária Rádio Ducher (com direito à vinhetas e comerciais incluídos), antes da emissora ser extinta, abruptamente, por alienígenas que invadem os estúdios e interrompem permanentemente a sua programação, bem em meio a um programa apresentado pela lendária radialista Katia Suman.
Embora seja um álbum menos popular que os primeiros da Bidê ou Balde, em especial Se Sexo é o que Importa só o Rock é Sobre Amor! e Outubro ou Nada, o disco, com o tempo, tem arrebanhado novos fãs pelo caminho, deixando Carlinhos cheio de orgulho: "Fico sempre muito feliz e surpreso quando alguém vem me dizer que tem Gilgongo como seu disco predileto da banda. Isso prova para mim que o tempo é o maior e mais justo crítico de arte possível".
 

Uma estátua para Júpiter Maçã

Brincadeira em torno da presença de Jupiter Maçã em Chapecó vai render 'mockumentary' e música escrita por Carlinhos Carneiro
A monumental história começou com uma entrevista que o músico chapecoense Roberto Panarotto, da banda Repolho (na época também apresentador do programa de televisão Voo do morcego), fez com Júpiter Maçã em 1995. Panarotto recorda que, anos antes, em 1990, ainda como Flávio Basso, ele havia tocado com os Cascavelletes em Chapecó. Ou seja, Maçã já havia estado na cidade cujo símbolo maior é o Monumento ao Desbravador, criado pelo artista plástico Paulo de Siqueira para homenagear os primeiros colonizadores, a maioria provenientes do Rio Grande do Sul, que vieram dar no município do Oeste catarinense.
A figura do desbravador é a de um gaúcho que, na mão direita, segura um machado que simboliza o trabalho e, na esquerda, um louro, simbolizando "a vitória e a conquista das terras". Na entrevista, conta Roberto de forma divertida, Júpiter falou sobre o show dos Cascavelletes ocorrido anos atrás e perguntou o que ele achava de Chapecó. Segundo Panarotto, Maçã agiu de maneira evasiva, devido à sua pergunta, que, segundo ele próprio, era "bem ruim". Mas quando perguntou se lembrava do desbravador, o rosto de Júpiter iluminou-se e ele respondeu: "O que? Eu fui o desbravador? O primeiro show de rock em Chapecó?". Roberto, ironizando, concordou: "Sim, claro, a estátua foi feita em tua homenagem, segurando um machado e tudo".
Panarotto diz que Júpiter, que acreditou na pegadinha, com seu espírito zombeteiro, também quis saber: "Mas porque não colocaram logo uma guitarra?". Panarotto rememora que, anos depois, quando ele retornava à cidade, sempre que contava tal passagem a Júpiter, ele se matava rindo. A história virou lenda e, inclusive, várias pessoas e músicos, quando vão à Chapecó, querem conhecer a célebre "Estátua de Júpiter Maçã". Entre um dos divulgadores mais entusiastas dessa história está o vocalista e letrista Carlinhos Carneiro, fã confesso tanto de Júpiter quanto da Repolho. Carlinhos diz que sempre que pode faz questão de falar sobre a estátua nas redes sociais, tirar foto ou simplesmente comentar a respeito quando está no palco. E, numa de suas idas à Chapecó, após o falecimento de Flávio, Panarotto convidou Carneiro para dar uma entrevista no Voo do Morcego sobre a lenda da estátua.
A ida ao programa é o ponto de partida para a montagem de um falso documentário (o chamado "mocumentário") tendo a história como pano de fundo. Carlinhos Carneiro adorou o convite e a ideia, por sua vez, acabou virando também uma música, intitulada Estátua (s) para Júpiter Maçã & Banda, que vai ganhar lançamento, numa parceria entre Irmãos Panarotto e Império da Lã, no dia 21 de janeiro. Numa das vindas dos irmãos Panarotto (Demétrio e Roberto) a Porto Alegre, para gravações com o produtor Thomas Dreher, Carlinhos e uma tropa de "cavaleiros" do Império da Lã invadiram o estúdio e, juntos, deram luz à canção, a qual viaja "psicodelicamente" sobre a romaria de pessoas que vão a Chapecó para visitar o monumento supostamente jupiteriano. A faixa, adianta o inesgotável Carlinhos Carneiro, igualmente será a canção-tema do "mocumentário" que está sendo editado por um grupo de videoartistas gaúchos e que ainda não tem uma data prevista para lançamento.
 

Bidê ou Balde e Carlinhos Carneiro, em 10 músicas

Carlinhos Carneiro é o líder do projeto Bife Simples & As Guarnições Mais Preza, dentre várias outras manifestações criativas
À convite do Caderno Viver, Carlinhos Carneiro comentou 10 topázios musicais da obra discográfica da Bidê ou Balde que são emblemáticas em sua carreira de 25 anos
Mesmo que mude
É Preciso Dar Vazão aos Sentimentos (2004)
Ter feito uma música que as pessoas sempre me dizem o quanto é importante para elas, proporciona uma sensação indescritível de realização. E todas as ressignificações que ela ganhou, desde que foi lançada, passando de uma música sobre fim de relacionamento a um alento sobre a impermanência, me enchem de orgulho.
Melissa
Se Sexo é o Que Importa, Só o Rock é Sobre Amor! (2000)
Nosso primeiro single, lançado em 1999, mudou minha vida pra sempre. Depois dele não deu mais pra "brincar de música" e o bagulho ficou sério.
Me Deixa Desafinar
Eles São Assim. E Assim Por Diante (2012)
Essa surgiu num momento muito importante pra gente, em 2010, depois de um hiato de lançamentos, e foi pro topo das listas de preferências do nosso público imediatamente. Hit instantâneo, como Melissa havia sido também. Caiu no gosto das rádios, sem jabá nem nada, e virou daquelas músicas que não consigo fazer show sem cantar.
Spaceball
Se Sexo é o Que Importa, Só o Rock é Sobre Amor! (2000)
Essa não é tão badalada, mas é muito importante pra mim. Foi o segundo single que lançamos, em 99 também, e sua mistureba de referências (T.Rex, The Fall, Sonic Youth) serviam, e ainda servem, de cartão de visitas das esquisitices pelas quais prezávamos.
Matelassê
Outubro ou Nada (2002)
Essa foi, surpreendentemente, a mais pedida pelo público quando perguntei no meu Instagram quais músicas não poderiam faltar. Foi composta para um editorial de moda, de uma edição de verão da finada Revista da Atlântida, em 2001, acabou entrando no nosso álbum Outubro ou Nada e virou tema de encerramento da saudosa série gaúcha POARS/VidaNormal.
Bromélias
Outubro ou Nada (2002)
Nossa carta de saudade de Porto Alegre e das pessoas que havíamos deixado aqui, quando a banda se mudou para São Paulo, em 2001, teve um premiado clipe em plano sequência, dirigido por Marcelo Nunes, e se tornou ainda mais clássica por figurar no Acústico MTV Bandas Gaúchas. Lembro, até hoje, do dia em que encontrei o (baixista) André Surkamp e o (guitarrista) Leandro Sá compondo os acordes que acabaram se transformando nela, na sala da nossa casa em São Paulo. Fato curioso: dizem que ela ganhou plágio pelos Strokes. Que chique!
À La Minuta
Gilgongo! ou, a Última Transmissão da Rádio Ducher (2015)
Essa deliciosa bobagem sobre o popular prato da nossa gastronomia local, que teve produção de Edu K, nasceu em improvisos da banda em shows. Nossas plateias viram ela "nascendo" em vários shows - e daí sempre vem alguém me dizer que viu "quando inventaram À La Minuta" ou me xingar dizendo que "À La Minuta é com feijão, sim". Haha.
Gerson
Se Sexo é o Que Importa, Só o Rock é Sobre Amor! (2000)
Adoro a história triste que há por detrás dessa balada doce, que explode de vez em quando, sobre um viúvo e a aventura de criar um filho sozinho. Mais doido é lembrar que ela nasceu da frase "imagina ter um filho com a cara do Gerson", que eu larguei, olhando pro clássico garçom da Lancheria do Parque que tinha esse nome.
Microondas
Outubro ou Nada (2002)
Quando os guris tentaram me ensinar a tocar Melissa no violão, eu não aprendi e acabei fazendo uma música diferente. Depois eles "arrumaram" os acordes em que eu tinha inventado ela, incluíram novos, e eu desenvolvi a historinha sobre reencontrar um antigo amor (inspirado na nossa tecladista Katia Aguiar, que eu havia apelidado de Katinha Microondas, por ter reencontrado uns ex-namorados em alguma cidades por onde passamos numa turnê).
Vamos Passar a Noite de Galera
B-Side Se Sexo é o Que Importa, Só o Rock é Sobre Amor! (2000)
Essa nós fizemos pra lançar como um single de fim de ano (primeiro em 2000 e depois em 2016), e virou um celebrado lado B da nossa lavra. Surreal e absurdo, mistura a cidade mítica de Eldorado com um Réveillon regado a "muito sucrilhos com champanhe". Tremenda curtição.
 

* Cristiano Bastos é jornalista e autor de Julio Reny – Histórias de amor e morte, Júpiter Maçã: A efervescente vida e obra, Nelson Gonçalves: O rei da boemia, Nova carne para moer e Gauleses irredutíveis – Causos & Atitudes do Rock Gaúcho. Também dirigiu o documentário Nas paredes da pedra encantada.