A saga do divertimento noturno em Porto Alegre pode ser comparada a um quebra-cabeças no qual há peças que se encaixam de barbada, enquanto outras dependem do empenho em localizar pessoas, imagens e documentos. No caso da Looking Glass (1978-1979), primeira boate da cidade a entrar de cabeça - e pernas - no embalo do gênero 'discoteque', o fato de seus fundadores já terem 'subido para a sobreloja' impõe uma lacuna - que não impede o resgate dessa curta, porém impactante trajetória. Afinal, há a generosidade de testemunhas e protagonistas a compartilhar relatos e acervos capazes de recompor os fragmentos.
Leia as demais matérias da série Porto Noite Alegre:
• Clube da Chave: a casa noturna mais intelectual de Porto Alegre
• Boate Barbazul: um coquetel de profissionalismo na noite porto-alegrense
• La Camorra: uma boate especialmente construída na avenida Goethe
• Leia as matérias da primeira temporada da série Porto Noite Alegre aqui
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Um desses guardiões é o técnico em eletrônica e DJ Dario Hernandez, 58 anos. Emoldurado por dezenas de aparelhos em sua oficina de consertos no bairro Glória, ele preserva não só dois equipamentos sonoros dos primórdios da danceteria. Também são dele dicas precisas sobre o ciclo do empreendimento montado na primeira quadra de um dos trechos onde o bairro Menino Deus se abraça à Praia de Belas. Um personagem cuja amizade e trabalhos com um dos proprietários (além de uma memória fantástica) o credenciam, assim como o DJ Claudinho Pereira, 76 anos, de vínculos que extrapolam o fato de ter tocado na casa apenas na primeira noite.
Na gênese dessa aventura está Dionísio de Oliveira, paulista radicado na capital gaúcha e que vivia da renda de imóveis e ações - até a decisão, em 1977, de montar um caprichado prostíbulo no número 290 da rua Marcílio Dias. As instalações do futuro negócio estavam bem encaminhadas em terreno próprio e imóvel especialmente construído com dois andares, anexo residencial nos fundos e a escolha de um braço-direito: o garçom Adão Aresi, natural de Terra de Areia (Litoral Norte) e que ele havia conhecido em um inferninho no Centro. Uma correção de percurso, contudo, mudaria os planos antes do final do ano, com a entrada um sócio no lance: Sérgio Roberto Bini.
Dono do descolado salão unissex de beleza Looking Glass, na rua 24 de Outubro em frente ao Parcão, "Bina" abrira o negócio após longa temporada na Itália, com prêmio em concurso de moda e um casamento relâmpago - de papel passado - com a famosa condessa e agitadora cultural Donatella Zegna Baruffa (1921-1987). Na bagagem no retorno a Porto Alegre ele também havia trazido o deslumbramento pelo novo ritmo que invadia alguns dos melhores points da Europa e Estados Unidos (principalmente a célebre Studio 54, de Nova York), com reflexos já extrapolando as pistas luminosas e globos espelhados do planeta. Inclusive no Brasil.
O hit parade repleto de nomes como Donna Summer, Sylvester, Chic, Bee Gees e KC & Sunshine Band. Roupas brilhantes. Passos de dança. Cinemas lotados para conferir John Travolta em Os Embalos de Sábado à Noite. TVs ligadas na novela Dancing Days. Bini persuadiu Dionísio: "Esquece o cabaré, vamos abrir a primeira discoteca da cidade". Inaugurada em 6 de abril de 1978 com o mesmo nome do coiffeur do Moinhos de Vento, a Looking Glass Discotèque atraiu modelos, atletas, socialites e outras personalidades. "O zagueiro colorado Mauro Galvão e o meia gremista Paulo César Caju eram vistos em 'travoltadas' na pista", relembra Claudinho Pereira. Tudo durou menos de dois anos - o suficiente para holofotes ainda acesos em rodas de conversa sobre uma cidade já extinta.
[na foto que abre a matéria, datada de 1979, profissionais do salão Looking Glass aproveitam com entusiasmo a pista de dança da boate homônima]
Convidando a Capital para dançar
Boate Looking Glass inaugurou "oficialmente" a onda da disco music no roteiro noturno de Porto Alegre
/ACERVO MARCELLO CAMPOS/REPRODUÇÃO/JC
Antes de ganhar concorrentes como Kokeluxe (avenida Osvaldo Aranha), Crocodillo's (Plínio Brasil Milano) e Papagayus (Cristóvão Colombo), a Looking Glass inseriu "oficialmente" no mapa sonoro e luminoso das discoteques uma Porto Alegre carente de opções radiofônicas para a rapaziada. "Para se ter uma ideia, em 1978 engatinhavam na cidade três FMs, só uma delas voltada ao segmento jovem, a Cultura Pop. E nem todo mundo tinha aparelho para sintonizar", contextualiza o corretor de seguros Léo Petry, 64 anos e que então trabalhava na loja Stereomoto Discos da galeria Champs-Élysées, bairro Moinhos de Vento, além de atacar de DJ em clubes e boates.
Igualmente escassos - e às vezes precários - eram os shows internacionais, sobretudo no palco do ginásio Gigantinho, inaugurado em 1973. A escalada do gênero derivado do funk e do jazz, entretanto, vinha demostrando toda a sua força desde metade da década em LPs, fitas cassete, jornais, programas de TV e um punhado de casas noturnas que já abriam espaço - não exclusivo - àquele ritmo envolvente que desembarcava dos Estados Unidos e Europa. Baixos sincopados, baterias pulsantes, guitarras hipnóticas, metais em brasa, sintetizadores futuristas, vozes quentes, produções sofisticadas e outras nem tanto. O groove, na gíria norte-americana.
Casa inaugurada em 1978 atraiu um público fiel durante quase dois anos
ACERVO MARCELLO CAMPOS/REPRODUÇÃO/JC
Bem diferente da atual configuração era também o entorno da boate de Dionísio de Oliveira e Sérgio Bini, tendo ao lado um terreno baldio e no outro um casarão com fama de mal-assombrado, ocupado por dois idosos acumuladores de tralhas. Na calçada oposta, uma fábrica da Pepsi-Cola fazia esquina (até 1994) com uma avenida Praia de Belas de paralelepípedos e ainda não ampliada, que só ganharia o shopping homônimo em 1991. Sem contar que o Parque Marinha do Brasil, ali pertinho, recém entrava na fase final de obras que permitiriam sua inauguração em dezembro de 1978, quando a Looking Glass engatava a marcha para o seu segundo ano de agitos.
Elemento que fez a diferença na história da boate, o DJ Jorge Schuler, 67 anos, pilotou a cabine ao longo de 17 dos 20 meses de duração da Looking Glass (um desentendimento com os donos o manteve afastado por três meses). Ele trazia no currículo atuações nas boates Lacadoro, Zanzibar e Coliseu (corresponsável pelo surgimento da torcida gremista Coligay), todas na avenida João Pessoa, quando topara o convite para integrar o primeiro time da casa: "Contratamos o mesmo engenheiro responsável pelo esquema sonoro da Coliseu e ele repetiu a ideia de afixar as caixas de graves no teto, direcionadas para a pista em um alinhamento que reforçava o 'peso' das músicas".
Provocado pela reportagem, ele puxa um episódio curioso envolvendo a passagem do grupo norte-americano Village People por Porto Alegre, em outubro de 1978. Quem não se recorda dos seis sujeitos caracterizados como índio, policial, cowboy, operário, motociclista e soldado (ou marujo), cantando Macho Man e Y.M.C.A.? Pois esse conjunto-fetiche abriu no Gigantinho o seu primeiro giro internacional e, encerrado o show, deu um pulo até a Looking Glass. "O discotecário que vinha tocando comigo se envolveu romanticamente com um dos caras e acabou embarcando com a trupe para os Estados Unidos. De volta alguns meses depois, foi contratado pela Crocodillo's".
Elemento que fez a diferença na história da boate, o DJ Jorge Schuler, 67 anos, pilotou a cabine ao longo de 17 dos 20 meses de duração da Looking Glass (um desentendimento com os donos o manteve afastado por três meses). Ele trazia no currículo atuações nas boates Lacadoro, Zanzibar e Coliseu (corresponsável pelo surgimento da torcida gremista Coligay), todas na avenida João Pessoa, quando topara o convite para integrar o primeiro time da casa: "Contratamos o mesmo engenheiro responsável pelo esquema sonoro da Coliseu e ele repetiu a ideia de afixar as caixas de graves no teto, direcionadas para a pista em um alinhamento que reforçava o 'peso' das músicas".
Provocado pela reportagem, ele puxa um episódio curioso envolvendo a passagem do grupo norte-americano Village People por Porto Alegre, em outubro de 1978. Quem não se recorda dos seis sujeitos caracterizados como índio, policial, cowboy, operário, motociclista e soldado (ou marujo), cantando Macho Man e Y.M.C.A.? Pois esse conjunto-fetiche abriu no Gigantinho o seu primeiro giro internacional e, encerrado o show, deu um pulo até a Looking Glass. "O discotecário que vinha tocando comigo se envolveu romanticamente com um dos caras e acabou embarcando com a trupe para os Estados Unidos. De volta alguns meses depois, foi contratado pela Crocodillo's".
Eventos e promoções
Estabelecimento também apostava em eventos, como um concurso de dança com atores globais no júri
ACERVO DARIO HERNANDEZ/REPRODUÇÃO/JC
Consolidada a presença da discomusic nas noites da cidade, a Looking Glass recorria a uma série de iniciativas para se manter em alta, em realizações capitaneadas por Claudinho Pereira, seu cunhado Bira Machado e Sérgio “Buzun”. Notas e reportagens ressaltavam promoções de impacto, como um concurso estadual de dança promovido de forma itinerante, em parceria com a grife de jeans Ellus, causando frisson ao ter entre os jurados os atores Lauro Corona e Glória Pires, na boca do povo como o par romântico Beto e Marisa em Dancing Days. Outra tática eram os sorteios – dentre os brindes mais comentados, um par de alianças de noivado e passagens para Miami (EUA).
Gente da mídia local também garantia à casa momentos folclóricos, às vezes beirando o surrealismo. Figura onipresente nas melhores badalações, o comunicador Tatata Pimentel (1938-2012) ali estrelou uma festa em junho de 1979, tendo como ponto-alto o seu “casamento” de fraque-e-cartola com a ativista Palmira Gobbi, famosa pela defesa ferrenha da causa animal e que faleceria apenas quatro meses depois, aos 70 anos. “Comenta-se que o namoro começou nos corredores da Difusora [futura Bandeirantes], onde ele atua na TV e ela na rádio. Os anjos disseram amém, em um enlace seguido de concorrida recepção”, aderiu ao espírito da brincadeira um colunista de jornal.
O fotógrafo Roberto Grillo, 69 anos, entra na dança: “Era outro papo. Um lugar moderno, com diversão garantida, ótimo para ver os agitos da alta sociedade, incluindo mulheres lindíssimas que faziam seus penteados e maquiagens no salão do Sérgio Bini, uma pessoa brilhante e que certa vez me encomendou um catálogo para a empresa do Moinhos de Vento. Foi também a primeira casa noturna onde vi banho de espuma [ideia que alguns estabelecimentos do ramo tratariam de reprisar na segunda metade da década de 1990]”. Mas nem só dos círculos mais vips se sustentava o endereço – a classe média também comparecia em peso.
Que o diga a professora aposentada Mara Joana da Fonseca, 63 anos. Recém-saída da adolescência e então moradora do prédio 657 da avenida Getúlio Vargas (cujo térreo hoje abriga o bar Point Beer), ela percorria meio quilômetro a pé até a Looking Glass com irmãs e amigas. Todas vestidas com calça saint-tropez ou saia de cintura alta em estilo godê, blusa curta ou bustiê de couro, sandálias de salto-alto e meias coloridas de lurex como as da personagem de Sônia Braga em Dancing Days. “Uma noite eu esperava na fila que subia a escada quando aceitei o convite para entrar com um rapaz já próximo da porta. Namoramos, casamos três anos depois e tivemos um filho”, emociona-se.
"Discoberta do Brasil"
Cartaz da festa DiscoBerta do Brasil, sucesso na agenda da Looking Glass. ACERVO JUAREZ FONSECA/REPRODUÇÃO/JC
O jornalista e crítico musical Juarez Fonseca, 76 anos, editava em Zero Hora o suplemento cultural Segundo Caderno e não frequentava discotecas, por conta de uma resistência ao que considerava puro modismo e alienação consumista em tempos de ditadura militar. A repulsa acabou dando lugar a uma espécie de resposta positiva, deflagrada com êxito bombástico em uma quarta-feira, 20 de agosto de 1978: a festa Discoberta do Brasil, de repertório dançante exclusivamente nacional em pleno templo da disco music em Porto Alegre.
Fermentada pela constatação de que, nas redações dos jornais e assembleias do sindicato da categoria, meio mundo curtia As Frenéticas (grupo responsável pelo tema de abertura da novela Dancin' Days), a ideia amadurecera em conversas com amigos como Rosângela Meletti e Claudinho Pereira. Juarez aproveitava encontros sociais em sua casa para rodar somente LPs de artistas brasileiros e tinha certeza de que esse conceito daria certo em uma boate - afinal, muita gente estava a fim de sacolejar com um barulho diferente do "bate-estaca" importado.
Com a palavra, o idealizador: "Aproveitando a onda, apresentei o projeto a um dos donos da Looking Glass, Sérgio Bini, que topou na mesma hora. Bolei o nome, escolhi como logotipo o desenho de um velho e uma jovem dançando juntos (extraído de uma antiga revista), escolhi faixas de pelo menos 60 discos, determinei uma sequência a ser mixada pelo DJ e espalhei os convites". A primeira edição teve pista lotada até as 5h, motivando reprises mensais igualmente concorridas e com parte da bilheteria revertida a Juarez.
A seleção era irresistível. Black Rio, João Bosco, Gal Costa, Tim Maia, Rita Lee, Caetano Veloso, Ney Matogrosso, Chico Buarque, Jorge Ben, Gilberto Gil, Novos Baianos e, claro, As Frenéticas. Embora produções como o brega-discoteque de Gretchen fossem barradas no baile, rolava até versão mambo-discoteque para o bolero Babalu, que a cantora Angela Maria gravara em 1956. Mesclando diversão e política a bordo de gêneros como samba, rock, reggae, marchinha e frevo, o perfil democrático da iniciativa não deixava de contemplar letras contrárias à ditadura em suas entrelinhas.
Celebrada pela imprensa como um dos mais marcantes acontecimentos culturais em 1978-1979, a Discoberta do Brasil também recebeu artistas locais e forasteiros para pocket-shows e participações especiais. As bandas porto-alegrenses Utopia (de Bebeto Alves) e Bixo da Seda, por exemplo, abriram a programação de duas noitadas, ao passo que o cantor e compositor carioca Ivan Lins inseriu a Looking Glass no roteiro de lançamento de seu álbum Nos Dias de Hoje, aproveitando a passagem da turnê pela cidade para comparecer à quarta edição do evento, em novembro de 1978.
O sucesso da festa ultrapassou o círculo dos meios de comunicação, atraindo milhares de pessoas ao longo de quase um ano. Tamanha repercussão chegou ao Rio de Janeiro, merecendo elogios na coluna assinada no jornal O Globo por Nelson Motta (tão entusiasta da discomusic que tivera em 1976-1977 a casa noturna Frenetic Dancing Days). Com um detalhe curioso: transcorridas quase cinco décadas desde essa experiência inovadora, Juarez continua de ouvidos torcidos à disco music. "Nunca gostei."
Novos espelhos
Logo da New Looking, que manteve o espírito da boate original no mesmo imóvel onde tudo começou
/ACERVO MARCELLO CAMPOS/REPRODUÇÃO/JC
A alta lucratividade não foi suficiente para que a Looking Glass fechasse dois anos de agito. De saco cheio com a vida empresarial e tri a fim de nova temporada no Exterior, Sérgio Bini encerrou a parceria no segundo semestre de 1979. Ele ainda tentou uma última cartada: a venda da marca, inspirada no livro de 1871 Alice Through The Looking Glass (Alice no País do Espelho, em versão brasileira), do inglês Lewis Carroll. Mas não houve interesse de Dionísio de Oliveira, que preferiu investir na troca da placa luminosa para “New Looking”, sob o mesmo emblema – já o salão de cabeleireiros Looking Glass sobreviveria por mais algumas décadas, com outros donos e endereços.
O fato é que a mudança de nome não foi acompanhada de alterações significativas no perfil da casa, que manteve o apelo dançante mesmo com o declínio da discomusic no começo da nova década. Dionísio manteve Adão Aresi na gerência e recrutou como sócios o segurança Valdir Dotto e, em 1981, o amigo Alceu Charel – posteriormente um dos principais vendedores de LPs no Brique da Redenção. Enquanto isso, o DJ Jorge Schuler (e seus sucessores a partir de 1989, como Paulinho Pedroso e Christian Mauro) sintonizava as antenas da casa ao pop-rock e a tendências como pós-disco, tecnopop, new wave e housemusic, em um ambiente menos elitizado que o original.
Funcionário multitarefa, o responsável técnico Dario Hernandez tinha acesso irrestrito às chaves da casa. Décadas depois, ele confidencia uma malandragem envolvendo o uso da bilheteria instalada em guarita de concreto à direita da parte externa e na qual muitas vezes zelou pelo caixa. “Para atender as ligações do público, puxei até a cabine uma extensão do telefone do escritório”, diverte-se ao trazer na ponta da língua o número 33-69-79 da época de seis dígitos. “Nas ocasiões em que eu circulava pela região fora do horário de expediente e queria ligar para alguém, contava ali com uma espécie de orelhão particular, sem a necessidade de abrir grades e desativar alarmes da boate.”
Com uma longevidade pouco comum nesse nicho, a segunda boate conquistou status tão lendário quanto o da primeira, além de manter um fluxo de caixa que permitiria a Dionísio abrir na rua Comendador Coruja nº 168 (bairro Floresta) a danceteria L’Entourage (1982-1985), depois Open Mind (1985-1992). A chegada da segunda metade da década de 1990, no entanto, levou a New Looking a um processo de decadência da qual poucos empreendimentos noturnos conseguiram escapar, pelos mais variados fatores. E o fim seria decretado por conta de um episódio sombrio, por volta das duas da manhã de 22 de junho de 2000, feriado de Corpus Christi.
Com Dionísio de Oliveira morando em Tramandaí [Litoral Norte] e Adão Aresi pessoalmente desgastado por 22 anos de gerenciamento do negócio, a boate vinha recebendo uma clientela meio barra-pesada. “Naquela noite de quinta-feira eu cuidava da bilheteria quando rolou na pista um tiroteio entre membros de duas quadrilhas da Zona Sul, ferindo um dos pivôs da confusão e matando uma adolescente de 17 anos, que nada tinha a ver com a briga”, lamenta Hernandez. Os funcionários ainda tentavam se refazer do susto, quando receberam o aviso para só retornar na segunda-feira, com suas carteiras de trabalho. Estava tudo terminado.”
Com o nome New Looking, casa noturna seguiu atuando até 2000
ACERVO DARIO HERNANDEZ/REPRODUÇÃO/JC
Dali em diante, o local funcionou durante um ano como escritório informal de seus proprietários até alugarem o ponto para uma filial do Sunga Bar (2001-2003), estabelecimento de Tramandaí voltado ao público gay masculino – mesmo perfil de sua substituta, a Refugiu’s Megadanceteria (2004-2017). Um novo período de desocupação seria interrompido pela montagem de uma balada para adeptos da música eletrônica, funk e pagode: o Knox Fort Night Club (2019-2020), de existência abreviada pela pandemia de coronavírus. No número 290 da Marcílio Dias jaz atualmente um imóvel decadente, de fachada irreconhecível e improvável placa de “aluga-se”.
Essa narrativa não termina simplesmente por aí. Dionísio, Bini, Aresi e Charel viraram flashback mas a teimosia de uma turma de discotecários e antigos frequentadores em manter pulsantes os tempos áureos da New Looking inspirou a realização de um projeto responsável, desde 2016, por baladas retrô em boates, clubes e restaurantes parceiros. Hoje sob o título New Friends, os reencontros são promovidos pelo DJ Christian Mauro, da última geração da danceteria, atraindo gente de diferentes partes do Estado e que interage por meio de uma confraria com quase 500 membros nas redes sociais. Música e assunto não faltam.
Essa narrativa não termina simplesmente por aí. Dionísio, Bini, Aresi e Charel viraram flashback mas a teimosia de uma turma de discotecários e antigos frequentadores em manter pulsantes os tempos áureos da New Looking inspirou a realização de um projeto responsável, desde 2016, por baladas retrô em boates, clubes e restaurantes parceiros. Hoje sob o título New Friends, os reencontros são promovidos pelo DJ Christian Mauro, da última geração da danceteria, atraindo gente de diferentes partes do Estado e que interage por meio de uma confraria com quase 500 membros nas redes sociais. Música e assunto não faltam.
Looking Glass em LP
Detalhe da capa do LP 'Looking Glass Discotèque', lançado no segundo semestre de 1978
/ACERVO MARCELLO CAMPOS/REPRODUÇÃO/JC
Somente três casas noturnas de Porto Alegre lançaram discos com amostragem do som que rolava em suas pistas: o Turis Club, com um álbum de sambas produzido em 1971, o Encouraçado Butikin, assinando duas “bolachas” diferentes em 1976 e 1979, e a Looking Glass, cujo LP chegou às lojas em outubro de 1978, seis meses após a inauguração da boate. Neste último, dez faixas pinçadas pelo DJ Jorge Schuler enfatizavam um repertório internacional menos óbvio e que não costuma figurar em compilações de discomusic.
Expert no gênero, o produtor cultural gaúcho Zeca Azevedo, 60 anos, analisa a seleção assinada pelo selo paulista Phonodisc/Continental: “Aí está uma coletânea de primeira! São músicas que não chegaram a se tornar hits mas cujo valor está exatamente no fato de privilegiarem artistas negros em sete das dez produções, interpretadas por astros norte-americanos do soul como Al Green, Denise La Salle, Al Hudson e Lenny Williams, ex-vocalista do grupo de funk Tower Of Power. Bem que eu queria ter essa joia em minha coleção”.
No embalo da discomusic
• Looking Glass (1978-1980)
• Papagayu’s (1978-1982)
• Crocodillo’s (1978-1995)
• Kokeluxe (1978-1980)
• Discoate (1979-1987)
• Papagayu’s (1978-1982)
• Crocodillo’s (1978-1995)
• Kokeluxe (1978-1980)
• Discoate (1979-1987)
* Marcello Campos é formado em Jornalismo, Publicidade & Propaganda (ambas pela Pucrs) e Artes Plásticas (Ufrgs). Tem seis livros publicados, incluindo as biografias de Lupicínio Rodrigues, do Conjunto Melódico Norberto Baldauf e do garçom-advogado Dinarte Valentini (Bar do Beto). Há mais de uma década, dedica-se ao resgate de fatos, lugares e personagens porto-alegrenses. Contato: [email protected].