Priscila Pasko, especial para o JC *
Um mapeamento serve para traçar contornos geográficos de uma região, ou reunir um conjunto de informações. Mapas comunicam. Indicam os caminhos que podem ser percorridos e o que será encontrado no percurso; eles guiam e auxiliam na localização, emprestam uma noção do espaço, indicam direções.
Ao encontro desta proposta, um mapeamento está sendo elaborado para as Artes Visuais do Rio Grande do Sul, com o intuito de rastrear, sobretudo, o perfil socioeconômico de agentes culturais - que não se restringem apenas aos artistas. A iniciativa é do Colegiado de Artes Visuais, uma das instâncias pactuantes e assessoras do Sistema Estadual de Cultura do Estado. O material coletado servirá para a instrução de políticas públicas culturais, que devem se apoiar nestes dados e nas estatísticas produzidas. Interessa saber nesta investigação quem são os produtores das artes visuais, quantos são, qual o seu perfil ou ainda onde atuam.
A proposta do mapeamento conta com uma previsão legal, a qual determina que um dos instrumentos de gestão seja composto por sistemas de informação, mapeamento e banco de dados. O colegiado pretende, no decorrer do tempo, destacar a importância de pesquisas sobre o campo das artes visuais no Rio Grande do Sul, sobre as instituições públicas e privadas e sobre a natureza das cadeias produtivas do segmento.
Coordenador do Colegiado Setorial de Artes Visuais, Guilherme Mautone diz que o mapeamento não é um capricho da classe, mas uma política pública. "Agora surgiu um momento peculiar para a gente, pois nos interessa mapear o que aconteceu durante o período pandêmico e como os agentes culturais e as artes visuais estão agora." A pesquisa pretende contemplar o período entre 2020 e 2023.
O papel do mapeamento como instrução de politicas públicas é o de desempenhar uma análise fidedigna das condições sociais, culturais e artísticas. Para Mautone, que também é Doutor em Filosofia (Ufrgs), pesquisador e crítico de arte, é importante saber como o Rio Grande do Sul está organizando as práticas culturais, qual é a situação dos artistas, curadores, críticos, montadores, arte-mediadores, arte-educadores, entre outros agentes.
Falar em uma tradição de coleta de indicadores culturais no Brasil talvez ainda não seja o mais adequado. O professor de Economia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), com atuação no núcleo de Economia da Cultura, Stefano Florissi, diz que apenas recentemente a cultura e a criatividade começaram a ser levadas "realmente a sério na economia, particularmente em nosso País." Mas o cenário está mudando.
Segundo Florissi, somente através de dados é possível embasar políticas culturais, tanto no sentido estratégico - de atingir os pontos que mais demandam ação - como no caso do dinheiro público, ao contar com boas justificativas de uso de recursos escassos de maneira específica.
Outro fator importante é acrescentado pelo professor. "Da mesma maneira que uma pessoa precisa se conhecer para se apreciar e se aprimorar, o setor cultural precisa conhecer a si mesmo, para perceber a sua importância, desenvolver amor-próprio e perceber sua relevância econômica e social". Para ele, estes estudos colaboram da mesma forma para que os agentes culturais se sintam parte de uma construção de sociedade para além do abstrato, de uma forma concreta e que só os indicadores podem mostrar. Trata-se de um exercício que desenvolve a autoestima e intensifica o próprio processo de criação quantitativo e qualitativo da cultura, acrescenta Florissi.
Construindo caminhos
Wagner Mello é artista - com produção voltada para desenho, colagem e pesquisa em fotografia a partir dos acervos de família - e educador social. Tem 43 anos, nasceu e mora em Porto Alegre. É artista "em tempo integral", e atua em diversos projetos. Ele vem participando de exposições em espaços institucionais, como o Museu de Arte do Rio Grande do Sul (Margs), a Casa de Cultura Mario Quintana (CCMQ), o Centro de Cultura Ordovás, o Cité Internationale Des Arts, além de integrar a coleção pública do Margs.
Desde 2019, Mello compartilha um ateliê com a artista Mitti Mendonça. Em 2021 os dois abriram o Figa de Guiné, um espaço autônomo de arte voltado não apenas as suas respectivas produções individuais, mas que também dialoga com outros artistas. O lugar também oferece cursos e oficinas e comercialização de obras de arte dos dois e as de parceiros.
Mello conta que a sua trajetória nas artes se deu de forma autônoma. Por não ser do ambiente acadêmico das artes visuais, teve que percorrer um caminho “repleto de erros, descobertas e desafios”, criando redes e estabelecendo relações que possibilitassem a ele espaços para trabalhar.
O artista diz ter se inscrito em muitos editais e de nunca obter alcance ("infelizmente, os entraves foram sempre maiores que as possibilidades de acesso"). Com o tempo, Mello percebeu que precisava entender sobre projetos e, desde um período anterior à pandemia, tem procurado saber sobre processos burocráticos e necessários para a viabilização dos mesmos. "É importantíssimo que esse mapeamento (das artes visuais no RS) possa abranger a pluralidade da produção artística do Estado, para que as políticas de incentivo que venham a ser criadas possam, de fato, dar conta de uma produção que extrapola a academia, mas que coexiste e amplia o diálogo". Agora, o artista acredita que possui mais noções sobre o setor, com o próprio desenvolvimento da carreira, algo completamente diferente dos primeiros tempos de atuação.
Direções, metodologias e análises
Levantamento em torno das artes visuais do Estado será dividida em comitês
/DEISE HAUENSTEIN/DIVULGAÇÃO/JC
O Mapeamento Setorial das Artes Visuais do Rio Grande do Sul será desenvolvido em cinco etapas, que estão distribuídas entre três comitês: o articulador, coordenado por Cristina Arns; o científico, sob o comando de Guilherme Mautone, ao lado de outros professores-pesquisadores das universidades gaúchas que contam com cursos de Artes Visuais em suas grades curriculares; e o comitê técnico, que ainda não definiu a coordenação.
Entre 2021 e 2022, foi realizado o primeiro movimento de articulação, no qual Cristina Arns contatou pesquisadores das universidades para compor o comitê científico, encarregado de construir as bases teóricas que delimitarão o mapeamento. Entre as universidades que deverão compor os comitês, estão a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), a Universidade Federal do Rio Grande (Furg), a Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (Uergs), a Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), a Universidade Federal de Pelotas (Ufpel), a Feevale, Universidade de Caxias do Sul (Ucs) e a Universidade de Passo Fundo (UPF). Nesta primeira fase, também foi feita a montagem da minuta, a articulação com pesquisadores, agentes culturais, órgãos do governo do Estado, instituições e o convite para que os interessados participassem dos debates nas plenárias do colegiado.
A partir de agora, parte-se para a segunda etapa: a formatação do projeto na qual será apresentada a base teórica. A metodologia escolhida deve ser híbrida, ou seja, o uso da análise documental daqueles que já disputaram editais do Estado e das leis emergenciais, e pesquisa com entrevista.
Assim que os instrumentos de pesquisa estiverem prontos, Cristina inicia a aproximação com espaços de formação, de pesquisa, de exposição e comercialização. "A gente pretende chegar nos agentes individuais, não apenas nos artistas. Temos curadores, historiadores de arte, críticos. Não se trata de um catálogo de artistas'', enfatiza ela. O objetivo é localizar e saber quais tipos de práticas visuais ocorrem em todas as regiões do RS. O que será questionado nos formulários ainda está em discussão. Contudo, a própria comunidade pode se dirigir ao colegiado para sugerir. ''Cada agente, no local em que se encontra, sabe das dificuldades e das decisões que foi obrigado a tomar em vista da realidade local.''
Na terceira etapa, a construção de testagem que está por ser definida será desenvolvida entre o primeiro e o segundo semestre. A quarta etapa envolve a coleta e compilação dos dados, culminando em um relatório estatístico. Por sua vez, na quinta etapa será feita uma análise destes resultados e as proposições que formularão indicadores, ou seja, um olhar sobre a realidade para dar início a ações de curto, médio e longo prazo.
O mapeamento pretende levantar dados de atuação profissional de agentes individuais e institucionais nas nove regiões funcionais do RS. Para a professora e pesquisadora do Departamento de Artes Visuais da Ufrgs e integrante do Comitê Científico do mapeamento, Bruna Fetter, a partir disso será possível compreender melhor as aproximações e as diferenças entre as diferentes localidades. Bruna acredita que é preciso estar atento para aquilo que o mapeamento excluirá. ''As lacunas das diferentes regiões nos contarão muito sobre o que deverá receber investimento: se em capacitação, estrutura institucional ou apoio por meio de editais.''
Como professora, Bruna enxerga no mapeamento possibilidades de colher importantes informações. ''Isso permite, principalmente aos estudantes de artes e jovens artistas, vislumbrarem perspectivas de inserção e atuação profissionais variadas'', o que garantiria, conforme aponta a professora, subsistência e remuneração para além da representação por uma galeria, configurando diferentes possibilidades em suas trajetórias profissionais.
O Mapeamento Setorial das Artes Visuais que está sendo elaborado pode deixar um modelo a ser implementado pelas gestões futuras. É a intenção de Mautone. ''Seria positivo que essa estrutura criada pelo colegiado com a sociedade civil pudesse ser repetido, replicado''. Não é a primeira pesquisa, pondera Mautone, mas é a que vai tentar contemplar informações em um aspecto mais amplo.
Estudos para potencializar as artes
Tarson Núñez realizou estudo sobre cadeias produtivas das artes visuais
/MARCELO G. RIBEIRO/ARQUIVO/JC
Outras pesquisas ou tentativas de mapeamento já foram realizadas. Em 2022, o cientista político e pesquisador Tarson Núñez realizou um estudo sobre as cadeias produtivas das artes visuais. A iniciativa resultou em uma Nota Técnica publicada em novembro do ano passado pelo Departamento de Economia e Estatística. Neste estudo, ele buscou analisar os dados estatísticos disponíveis sobre as artes visuais, além de apresentar uma análise estrutural das relações do mundo das artes visuais com a economia. A nota pode ser acessada no site da Secretaria do Planejamento.
O objetivo, conta Núñez, era o de compreender os mecanismos dos distintos mercados onde atuam os profissionais das artes visuais, tanto no âmbito do chamado “sistema das artes” (museus, galerias, universidade), quanto em outras áreas da economia como um todo. O estudo mostrou que, quando se avalia o peso das artes na economia, é possível constatar que o mercado convencional das artes (galerias, museus, leilões) é quantitativamente pequeno. “Mas existem muitas outras atividades onde os artistas visuais exercem sua atividade no mercado, agregando valor a muitas outras atividades econômicas.”
Para o cientista político, conhecer a realidade e ter à disposição bancos de dados estruturados sobre cada um dos setores da cultura é fundamental para pensar políticas públicas para o segmento. Por isso Nuñez destaca o papel da esfera pública e das universidades. Porque a formulação de propostas que sirvam para potencializar o papel econômico dos setores culturais depende do conhecimento que se tem dos agentes da cultura, quais são as suas necessidades e potencialidades.
No período em que a Historiadora da Arte Mel Ferrari assumiu a gestão como coordenadora do Colegiado Setorial de Artes Visuais do Rio Grande do Sul (2019-2021), uma das metas era a criação do Plano Setorial das Artes Visuais. No entanto, quando as discussões sobre a temática iniciaram percebeu-se que não existiam dados sobre o setor. "Como construir políticas públicas sem entender quem são esses agentes, onde eles se localizam e quais suas formas de trabalho?'', indaga Mel. Então um mapeamento online do setor foi implementado.
A metodologia foi discutida nas reuniões do pleno do colegiado e um formulário foi lançado para que pessoas atuantes nas artes visuais do RS respondessem. Mel conta que o grupo imaginava que através das redes do colegiado seria possível atingir um grande número de pessoas, mas dois fatores comprovaram o contrário. ''O primeiro é entender que o Estado é grande, e sem a ajuda de instituições locais não chegaríamos a todos profissionais do setor. Nossa rede ampliou nos últimos anos, mas precisamos ainda de mais engajamento e divulgação''.
O segundo problema foi a pandemia. O formulário, na época, circulava junto a pesquisas sobre a Lei Aldir Blanc, o que causava certa confusão no público. Assim, a gestão decidiu encerrar o mapeamento enquanto a pandemia estivesse em vigor. O número de adesão foi de 374 respostas.
A baixa participação preocupou, pois não foi identificado se tratava-se de falta de divulgação ou de uma percepção de que o mapeamento não era sobre si ('eu não sou artista, pois essa não é a minha atuação principal, então não vou responder'). Apesar de a quantidade de respostas não ser significativa, Mel destaca, por exemplo, que, em relação ao Perfil do profissional de Artes visuais, foi identificada uma falta de representatividade, visto que 90% das pessoas que responderam são brancas e 98% são cisgênero. Quanto à escolaridade, 76% possuem graduação completa.
A maioria também respondeu que era formada em Artes Visuais. Mel diz que os resultados fazem sentido, se a atuação for pensada a partir da figura do artista. Mas o mapeamento das artes visuais, conforme ela enfatiza, não trata somente desta categoria. Estão envolvidos pesquisadores, historiadores da arte, museólogos que trabalham com obras de arte, educadores, montadores de exposição, molduradores, iluminadores, arquitetos, jornalistas culturais. ‘’Precisamos ter esse entendimento para que o mapeamento consiga mostrar toda a cadeia de valor que as artes visuais possui’’, conclui.
Sobre a atuação, o mapeamento conseguiu identificar que o grau de profissionalização também é preocupante. Há muita precarização quanto à remuneração e instabilidade. Grande parcela dos profissionais atua no setor de forma voluntária ou como estagiários, bolsistas universitários e contrato de MEI.
Mel descobriu recentemente que o assunto do mapeamento é antigo. Ela, que está trabalhando para o Museu de Arte Contemporânea do Rio Grande do Sul (MACRS) e o Instituto Estadual de Artes Visuais (IEAVI), se deparou com um panfleto do ano de 2006. O material já indicava que o mapeamento era uma das prioridades daquela gestão. "Infelizmente ele nunca foi consolidado, mesmo sendo uma das instâncias do Sistema Nacional de Cultura".
A importância dos agentes da cadeia produtiva
Falta de incentivo prejudica autoestima dos artistas, afirma Wagner Mello
/ANTONIO MAINIERI/DIVULGAÇÃO/JC
Além das dificuldades já mencionadas em tentativas anteriores de mapeamentos, há uma peculiar; o fato de muitos participantes não se considerarem artistas ou profissionais da cultura por exercerem outra atividade como a principal.
A historiadora da arte Mel Ferrari conta que, quando as pessoas foram indagadas sobre as atividades que exerciam, 90% das respostas marcavam mais de uma categoria, sendo as mais mencionadas: artista visual, professor/arte educador, pesquisador e estudante. ''Os profissionais das artes visuais precisam recorrer a diversas áreas de atuação para seguir na área, nunca foi fácil, e é por essa razão que precisamos de dados para criar políticas públicas que fortaleçam o setor.''
Para a coordenadora do Comitê de Articulação Cristina Arns, existe ainda o mito do criador individual. Há negligência ou descaso sobre a importância dos outros agentes que fazem parte da cadeia produtiva ou dos sistemas de arte. ''Não se cria apenas aquilo que se exibe ou se comercializa. Cria-se, também, um modo de apresentação, experiências, eventos e condições de pesquisa e formação continuada'', explica Cristina, reforçando que o mapeamento não pretende abarcar apenas artistas.
Esse parece ser mesmo um grande nó que parte da ideia de quem é identificado como artista, comenta Wagner Mello. Essa lógica limita a atuação, como se o artista fosse aquele que se mantém unicamente da profissão, reflete o educador social (''como se vivêssemos em um país que torna isto de fato possível''). Ele aponta a falta de incentivo por parte do Estado, além de todo o contexto que aniquila a autoestima dos artistas, de modo geral, e sobretudo dos que atuam a partir de uma existência atravessada pelo recorte social e de raça. "A autoestima dos artistas pretos e periféricos é atravessada por esse viés, e quando trazemos a questão do gênero é ainda mais difícil, basta analisar a visibilidade e o alcance da produção das artistas negras no sistema das artes."
De certa forma, o mesmo foi identificado no mapeamento da dança, elaborado em 2020, outra única iniciativa de mapeamento ao lado das artes visuais. Syl Rodrigues tem 35 anos, é bailarina, pesquisadora das danças afro-diaspóricas e graduanda do curso de Licenciatura em Danca, na Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (Uergs). Atualmente ela é professora de dança no Centro da Juventude, no bairro Cruzeiro, em Porto Alegre, e em Viamão. Além disso, é responsável pelo núcleo de Dança do conteúdo extracurricular em uma escola particular. Syl comenta que se mantém financeiramente porque ministra aulas, caso contrário, se fosse apenas bailarina, não conseguiria viver exclusivamente desta renda para pagar aluguel, alimentação e atender as necessidades que dois filhos adolescentes exigem.
Mesmo cursando uma graduação na área e contando com uma vivência em dança desde os 12 anos de idade, Syl percebe uma lacuna no desenvolvimento dos profissionais, principalmente no que se refere ao empreendedorismo e à organização financeira. Para ela, a falta de conhecimento do cenário da dança provoca lacunas, sobretudo para os profissionais pretos. "Percebo uma grande distância em relação a editais e políticas públicas ao enxergar a dança como área de conhecimento e de potência cultural", aponta. Segundo a professora, perceber-se como parte da sociedade faz com que profissional da dança se sinta capacitado, como pessoa física, a acessar os editais disponíveis.
Reconhecer-se como categoria
Mapeamento da dança no Rio Grande do Sul está em andamento desde 2020
/DANIEL AMARO/DIVULGAÇÃO/JC
No mesmo ano em que a pandemia foi anunciada, as discussões sobre o mapeamento da dança no Rio Grande do Sul começaram. A pesquisa era prevista, já que há anos ela constava no plano da dança do Estado e ainda não havia sido realizada. Em 2020, portanto, ocorre a criação do questionário, da plataforma e a definição da metodologia de pesquisa pelo Colegiado Setorial de Dança. A coleta de dados se deu em 2021. A análise dos dados coletados ainda está sendo feita. A coordenadora do mapeamento e professora da Universidade Federal de Pelotas, Maria Falkembach comenta que o estudo se mostra importante para que a categoria se reconheça como grupo, saiba quem é além de percepções meramente intuitivas.
A professora comenta que uma das tantas informações relevantes do mapeamento indica que a maioria daqueles que trabalham com dança se divide em outras atividades ou profissão. "Essa questão é muito importante para se pensar em editais que levem em conta a participação de pessoas que não vivam exclusivamente da dança. O problema é que, na área, a gente não trabalha só com isso justamente porque a renda da dança é muito baixa".
Janaína Ferrari tem 33 anos, é dançarina, coreógrafa e professora. É licenciada em dança desde 2017, mas sua trajetória na área iniciou em 2008 na cena das danças urbanas. Ela comenta que, antes da pandemia, até o início de 2020, sempre contou com outros trabalhos, para além daquele que realizava com a dança, para complementar a renda. No meio da pandemia retornou para a cidade natal, Gravataí, onde pode focar no trabalho de professora e criadora junto ao Coletivo Grupelho, o qual faz parte. "Alguns editais emergenciais e auxílios para artistas me ajudaram muito, além da redução de custos de vida fora da Capital".
A dançarina é vencedora do Prêmio Açorianos de Dança 2022 como Melhor Intérprete por Ilha (foto que abre esta matéria), do Coletivo Grupelho, onde atua também como diretora e criadora. Janaína também é vencedora do Prêmio Açorianos de Dança 2019 de Direção em Tiger Balm // Experimento Cênico (segunda foto desta reportagem).
Atualmente Janaína consegue viver do seu trabalho artístico como professora de dança e por trabalhos maiores que surgem juntamente do Coletivo Grupelho, trabalhos esses muito mais direcionados ao campo das artes visuais. "Sinto que sempre encontro dificuldades no campo dos editais. Por serem poucos, por muitas vezes exigirem trajetória específica ou trajetórias muito longas", reclama. Ela acredita que o maior obstáculo seja o número pequeno de editais que atendam categorias diversas das artes, que contemplem montagem de novos trabalhos e pesquisa e deem chance para quem tem trajetória mais curta.
Tarson Núñez, que também está fazendo a análise dos dados do mapeamento da dança, conta que as universidades tiveram um papel fundamental. Foi possível mapear profissionais da dança em todo o Estado, em um processo de busca ativa que mobilizou a categoria. O resultado, conta Núñez, foi uma amostra de mais de 1.700 questionários que apresentou um quadro, indicando quem são os profissionais da dança, onde trabalham, quanto ganham, que tipo de atividade realizam. Atualmente os pesquisadores que coordenaram o mapeamento preparam uma publicação onde serão feitas análises e reflexões acerca dos dados obtidos.
* Priscila Ferraz Pasko (1983 - Porto Alegre) é escritora, jornalista freelancer na área cultural e graduanda em Bacharelado em História da Arte (Ufrgs). É autora do livro de contos "Solo rachado por dentro" (Figura de Linguagem, prelo), "Como se mata uma ilha" (Zouk, 2019) - Prêmio Açorianos 2020 na categoria conto. Também integra a coletânea Novas contistas da literatura brasileira” (Zouk, 2018).