Esta reportagem abre a segunda temporada da série Porto Noite Alegre, publicada sempre na última sexta-feira do mês no caderno Viver. Confira aqui as edições anteriores da série.
Reza a cartilha boêmia que seus adeptos não devem passar para o outro lado do balcão, sob risco de encontrarem sarna para se coçar. Mas há exceções honrosas, e a história de Porto Alegre mostra que a pulga ter o próprio cachorro pode dar certo, ao menos por algum tempo. Que o diga certo sobrado do bairro Rio Branco onde o jornalista, poeta, compositor e violonista Ovídio Moojen Chaves (1910-1978) converteu sua residência em uma das mais célebres casas noturnas do Sul do País entre novembro de 1953 e abril de 1956, antes que o caminhão de mudanças a levasse para o Menino Deus e o Centro até o final daquela década.
Sem luxos, mas esbanjando charme, o número 618 (hoje 624) da rua Castro Alves, esquina com Mariante, catalisou as atenções de uma Capital dividida entre mentalidade conservadora e pretensões cosmopolitas. Logo virou ponto de convergência de uma elite cultural refinada, gente de imprensa e outras figuras de destaque social. Homens e mulheres. Todos fisgados por uma programação de música, artes plásticas, teatro e literatura em um espaço com bar, palco mignon, piano e galeria de exposições na "sobreloja". Para dançar, dava-se um jeito nos poucos espaços sem mesas ou grupos de conversa.
Não se tratava de mero trocadilho com o sobrenome de seu dono. Finésse adotada por uma boate homônima no Rio de Janeiro em 1953-1955, o "clubinho" da Capital oferecia chaves para que sócios (pagando mensalidade) guardassem a bebida de sua preferência em escaninhos de um armário próximo à copa. "Ovídio era meu herói e deixava que eu ficasse horas ancorado no balcão, com uma cuba-libre que durava a noite inteira", relembraria o jornalista e escritor santoangelense Fausto Wolff (1940-2008) em crônica de 2006 para o Jornal do Brasil. "Eventualmente, alguma mulher se apiedava de mim e me levava para a casa dela."
Mostras, peças cênicas, coquetéis, palestras, recepções, shows, recitais e até serenatas radiofônicas ao vivo se intercalavam com altos bate-papos madrugada adentro, em um espaço para pouco mais de 50 pessoas. Palavras umedecidas por uísque e revigoradas por sopa de cebolas ou picadinho com milho-verde. Na trilha sonora, acordeonistas como Victor Canella e pianistas do naipe de Aristides Villas-Boas, sem contar atrações sul e centro-americanas. O dono sentado com seu exclusivo violão de 13 cordas ("confeccionado com madeira de um guarda-roupas", dizia-se) ou circulando sorridente por uma concentração de gênios por metro-quadrado raramente vista nessa parte do globo.
Erico Verissimo. Mario Quintana. Iberê Camargo. Danúbio Gonçalves. Carlos Scliar. Edgar Koetz. Vitório Gheno. Gilda Marinho. Forasteiros afamados como Cecília Meirelles, Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, Nicette Bruno, Renata Fronzi, Ivon Cury, Agostinho dos Santos e até um João Gilberto pré-bossa nova, nos oito meses em que fez de Porto Alegre um de seus refúgios antes de conquistar ouvidos mundo afora. Não por acaso, a agremiação acabou assumindo status de ponto turístico informal, conforme indicado em seus poucos anúncios - dispensáveis para um endereço onipresente em notas, colunas, reportagens e comentários boca-a-boca.
Espaço vanguardista de diversão e cultura
Sobrado no bairro Rio Branco conquistou a boemia refinada com um cardápio repleto de música e outros atrativos
/ACERVO MARCELLO CAMPOS/REPRODUÇÃO/JC
O Clube da Chave protagonizou um movimento típico de seu tempo: as casas noturnas de dimensões relativamente pequenas, perfil mais intimista e onde a clientela feminina era muito bem-vinda. Riviera, Vogue, Cotillon, Radim, Michel, Je Reviens, Gay-Time, Vila Sueca, Cote D'Azur, Maxim's, Scotch, Black Horse. Fincados sobretudo em um perímetro abrangido pelo Centro e bairros próximos, esses recantos elegantes sintetizam uma fase de transição entre os dancing-cabarés dos anos 1940 (American, Marabá, Castelo Rosado) e as modernas casas noturnas (Baiúca, Crazy Rabbit, Encouraçado Butikin) que se firmariam nas décadas seguintes.
Ao fazer da boemia um negócio (nem sempre lucrativo), Ovídio Chaves já ostentava um produção consistente em poesia e incursões como letrista de música popular. Tinha 44 anos - um coroa para os padrões da época - e se desvinculara das atividades em rádio e jornal para assumir emprego de gabinete na Secretaria Estadual da Educação. Mas era um novato no ramo de boates, e nem seu espírito bonachão ou as boas relações nos mais variados círculos se mostraram suficientes contra dores de cabeça na fase inicial do empreendimento. Se dinheiro não o tirava o sono, por outro lado havia uma série de desconfianças e mal-entendidos a contornar.
O movimento constante e com alta frequência de mulheres bonitas naquela esquina do pacato bairro Rio Branco causou estranhamento à vizinhança e, de imediato, encrespou os bigodes da Delegacia de Costumes, desconfiada do funcionamento de um rendez-vous ou algo do gênero. 'Até alguns amigos pensaram se tratar de outra coisa", desabafou a um repórter do jornal Última Hora em dezembro de 1954, mais de um ano após a inauguração. "Inúmeras foram as dificuldades que enfrentei para montar um ambiente decente, onde os intelectuais pudessem reunir-se à vontade, sem os limites da vida provinciana mas dentro da mais estrita moralidade."
Baixada a poeira, o sobrado rapidamente se firmou como opção vanguardista de diversão e cultura nas noites de Porto Alegre. Ainda é possível encontrar testemunhas como o artista gráfico, pintor e professor aposentado Joaquim da Fonseca, 88 anos. Ele conheceu esse cenário quando aluno do Instituto de Belas Artes e diagramador da Revista do Globo, por volta de 1955: "Os sócios podiam levar convidados, e foi assim que entrei algumas vezes com minha turma, levado por um amigo desembargador. A configuração simples e elegante dava ares de uma casa familiar charmosa e acolhedora, com sofás e bancos altos junto a um balcão de madeira no bar".
Cartão de visita restaurado, produzido pelo artista Vitório Gheno
ACERVO VITORIO GHENO/REPRODUÇÃO/JC
A reminiscência é endossada pela servidora estadual inativa Neusa Barcellos Lima, 83 anos, viúva do violonista Raul Lima (1924-2015), cofundador do Conjunto Melódico de Norberto Baldauf e, a exemplo de Ovídio, um discípulo do mestre das cordas Octavio Dutra (1884-1937). "Eu me recordo muito bem dessa boate ma-ra-vi-lho-sa, que deixou tantas saudades!", emociona-se. "Era um ambiente super gostoso para conversar e ouvir músicas sempre agradáveis. E a todo momento havia pessoas conhecidas da cidade, em momentos de diversão ou mostrando coisas interessantes, sempre em um clima do maior respeito."
O artista plástico e então decorador de interiores Vitório Gheno, responsável pelo lay-out interno do clube, contribui com a memória fantástica de seus quase 100 anos a se completarem em outubro. "Quando surgiu a proposta de se realizar uma exposição do pintor e meu amigo João Fahrion (1878-1970), ele resistiu de início, mas acabou concordando em ceder alguns quadros", relembra. "Foi um tremendo sucesso, com fila do lado de fora, só que alguém furtou um dos trabalhos. Deixamos passar alguns dias, publicamos uma nota em jornal e nada. O Fahrion ficou possesso, quase brigamos, apesar de eu não ter culpa alguma. Nunca recuperamos a tela."
O artista plástico e então decorador de interiores Vitório Gheno, responsável pelo lay-out interno do clube, contribui com a memória fantástica de seus quase 100 anos a se completarem em outubro. "Quando surgiu a proposta de se realizar uma exposição do pintor e meu amigo João Fahrion (1878-1970), ele resistiu de início, mas acabou concordando em ceder alguns quadros", relembra. "Foi um tremendo sucesso, com fila do lado de fora, só que alguém furtou um dos trabalhos. Deixamos passar alguns dias, publicamos uma nota em jornal e nada. O Fahrion ficou possesso, quase brigamos, apesar de eu não ter culpa alguma. Nunca recuperamos a tela."
"Organização Ovídio Chaves"
Anúncio da "Organização Ovídio Chaves", que se tornou famosa na Porto Alegre de meados do século passado
/ACERVO MARCELLO CAMPOS/REPRODUÇÃO/JC
Avesso à ideia de que seu negócio envolvesse fins lucrativos, Ovídio fazia questão de brindar a classe artística local com descontos de até 50% e outras cortesia, além de praticar um desprendimento bastante comum e nada recomendável para empresas frequentadas por amigos do dono: a tolerância aos penduras. As finanças seguidamente no vermelho eram colocadas nos eixos com dinheiro do próprio bolso e eventuais "mordidas" a conhecidos ou passadas de chapéu entre simpatizantes da nobre causa. "É bem verdade que às vezes o esquema compensa", amenizava o poeta, auxiliado na recepção e gerenciamento do lugar pelo casal Augusto e Nora Arrioli.
Ele também não se contentava em apoiar somente os talentos emergentes da música, teatro, literatura ou artes plásticas. Havia toda uma mobilização em prol da velha guarda da classe, por meio de ações solidárias como a destinação integral do lucro de diversos espetáculos para a Casa do Artista Riograndense, fundada no final dos anos 1940 pelo músico e radialista Antônio 'Piratíni' Amábile (1906-1953) e que tinha no sobrado da rua Castro Alves um prolongamento imaginário - vínculo explicitado inclusive em estilosos cartões-de-visita ilustrados para o clube pelo colaborador permanente Vitório Gheno, dono de um estilo inconfundível.
O saldo geral das aventuras - com ou sem prejuízos financeiros - se mostrou positivo a ponto de motivar Ovídio a duas novas investidas no primeiro semestre de 1955, com a abertura praticamente simultânea de mais dois bares-boates: o Ivanhoé, com som mecânico e pista de luz-negra no famoso castelinho de pedras do Alto da Bronze (Centro), e o Piano-Drink, com música ao vivo em um trapiche de madeira sobre palafitas na orla do Guaíba próximo ao atual ginásio Gigantinho (Praia de Belas), em tempos pré-aterro. Surgia a "Organização Ovídio Chaves", espécie de selo de qualidade atribuído ao primeiro conglomerado noturno da cidade.
Ovídio Chaves, acompanhado do seu folclórico violão de treze cordas
ACERVO MARCELLO CAMPOS/REPRODUÇÃO/JC
Motivos hoje desconhecidos decretaram a transferência do Clube da Chave para o casarão de número 1.343 na avenida Getúlio Vargas, próximo à rua Barbedo (Menino Deus), em abril de 1956. Na calçada oposta à do terreno onde se realizava a feira agropecuária futuramente conhecida como Expointer, a intensa programação do endereço original não apenas se manteve como ganhou "a melhor pista para se dançar" - no ano seguinte, recebeu com simpatia um tal de rock'n'roll. O sucesso das três casas estimulou Ovídio a diversificar sua veia empreendedora, com a montagem de uma churrascaria anexa, a Galpão Gaúcho, de "comida regional e doméstica".
"Cumpre assim a 'organização' a tarefa de oferecer à cidade e seus forasteiros uma vida social à altura de seu desenvolvimeno, com atividades artístico-culturais e sociais para os elementos da boemia aristocrática que gosta de se divertir em boa paz", registrou a Folha da Tarde. Entre o pessoal da noite, um consenso: não visitar ao menos um dos quatro locais impossibilitava qualquer sujeito de dizer que conhecia Porto Alegre para valer. Pois o clube ia às mil maravilhas quando o dono do imóvel na Getúlio Vargas pediu sua desocupação para que ali fosse instalada uma clínica geriátrica, que alguns anos depois daria lugar ao Hospital Doutor Frederico Kierfer.
Restou ao mais famoso empreendimento de Ovídio um terceiro e último endereço, entre agosto de 1958 e o final do ano seguinte: o número 404 da rua Doutor Flores, quase esquina com a avenida Salgado Filho, no Centro. Sem repetir o sucesso dos dois pontos anteriores, o negócio acabaria murchando junto com o Ivanhoé e o Piano Drink - na conta pesaram fatores pessoais, financeiros e outras desmotivações. Qualquer chance de retomada da trajetória de rei da noite seria sepultada de vez em 1961, com um convite do então recém-empossado presidente João Goulart para trabalhar como diretor de redação na Rádio Nacional do Rio de Janeiro.
"Cumpre assim a 'organização' a tarefa de oferecer à cidade e seus forasteiros uma vida social à altura de seu desenvolvimeno, com atividades artístico-culturais e sociais para os elementos da boemia aristocrática que gosta de se divertir em boa paz", registrou a Folha da Tarde. Entre o pessoal da noite, um consenso: não visitar ao menos um dos quatro locais impossibilitava qualquer sujeito de dizer que conhecia Porto Alegre para valer. Pois o clube ia às mil maravilhas quando o dono do imóvel na Getúlio Vargas pediu sua desocupação para que ali fosse instalada uma clínica geriátrica, que alguns anos depois daria lugar ao Hospital Doutor Frederico Kierfer.
Restou ao mais famoso empreendimento de Ovídio um terceiro e último endereço, entre agosto de 1958 e o final do ano seguinte: o número 404 da rua Doutor Flores, quase esquina com a avenida Salgado Filho, no Centro. Sem repetir o sucesso dos dois pontos anteriores, o negócio acabaria murchando junto com o Ivanhoé e o Piano Drink - na conta pesaram fatores pessoais, financeiros e outras desmotivações. Qualquer chance de retomada da trajetória de rei da noite seria sepultada de vez em 1961, com um convite do então recém-empossado presidente João Goulart para trabalhar como diretor de redação na Rádio Nacional do Rio de Janeiro.
Da penumbra à escuridão, mas sempre aberto à poesia
Antiga sede do Clube da Chave, sobrado na Castro Alves hoje abriga uma clínica
/MARCELLO CAMPOS/ESPECIAL/JC
As mesmas ligações com o PTB que proporcionaram o retorno à imprensa, bem como a presença de simpatizantes do comunismo na emissora, culminaram no trecho mais sombrio do percurso de Ovídio. Incluído na caça às bruxas da ditadura que sequestrou o Brasil em 1964, foi demitido e conheceu a covardia da tortura nos porões do Exército. “Meu pai chegou a ficar desaparecido por dois meses”, testemunha o marchand Luciano Moojen Chaves, 67 anos, residente em Cabo Frio (RJ) e caçula da escadinha de três filhos do poeta com a advogada, professora e antropóloga Hermínia Berthier Machado Chaves (1931-1994). Foi salvo graças à interferência do marechal gaúcho Cordeiro de Farias, ex-interventor do Rio Grande do Sul.
“Quando finalmente o soltaram, estava uns 20 quilos mais magro”, emenda o primogênito Luiz Antônio Chaves, 70 anos e radicado em Passo Fundo (RS) como aposentado da extinta telefônica CRT. Irmã do meio e moradora de Copacabana, a psicóloga Maria Lívia, 69, adiciona: “Ele não costumava comentar conosco essa experiência triste, nem seu passado boêmio no Sul, creio que por seremos ainda bem jovenzinhos na época. Das melhores memórias de meu pai, guardo os almoços animadíssimos ao lado dos amigos e do violão, com muita música, poesia e arroz-de-carreteiro. E do papel e caneta sempre no bolso para os momentos de inspiração.”
O eterno poeta passou a viver em autoexílio quase clandestino (apesar da casa sempre com visitas) na ilha fluminense de Paquetá, produzindo textos não assinados para a revista Manchete e outros veículos, além de trabalhos para a Biblioteca Nacional e editoras – gentileza de velhos amigos. Retomou a escrita e, autodidata em quase tudo o que fazia, mostrou talento como artesão de bolsas e cintos de couro, vendidos na feira que ajudou a fundar com jovens hippies na praça General Osório, em Ipanema. Até que o seu coração escrevesse a última estrofe, durante cirurgia coronariana em 3 de agosto de 1978, cinco dias após completar 68 anos de um enredo digno de filme.
Na Porto Alegre que deflagrou a aventura empresarial de Ovídio Chaves (e à qual jamais retornou), seu nome consta em placa de rua do bairro Santa Rosa de Lima, na Zona Norte. Uma homenagem modesta e longínqua dos dois únicos pontos ainda de pé nesse itinerário boêmio: o sobrado da Castro Alves e a pequena fortaleza medieval no Alto da Bronze. O primeiro hospedou loja de surf e, desde 1980, abriga uma clínica médica. Já o outro serviu para que um político escondesse a amante dos olhares da cidade, antes de virar centro cultural e residência particular. Caso raro de preservação em uma capital sem a menor cerimônia em varrer do mapa a história não contada nos livros.
Personagem multifacetado
Detalhe da capa de 'Capricornius', um dos livros (e único romance) publicados por Ovídio Chaves
/MARCELLO CAMPOS/ESPECIAL/JC
"Ovídio era primogênito de sete filhos [incluindo cinco mulheres] e o único intelectual", depõe o sobrinho Ricardo "Kadão" Chaves, 71 anos, fotógrafo e editor da coluna Almanaque Gaúcho no jornal Zero Hora. Filho do jornalista, compositor e político Hamilton Chaves (1925-1985), ele define como "meio obscuros" os motivos que levaram a família a trocar Lagoa Vermelha (Região Nordeste do Estado) por Porto Alegre, no final da década de 1920. "É provável que ele tenha se estabelecido antes na Capital, estimulando assim o pai, de personalidade forte e dado a aventuras, na decisão de tomar o mesmo caminho com o restante da turma."
Lacunas biográficas à parte, a trajetória iniciada como músico de acompanhamento em filmes do cinema mudo na cidade interiorana encontrou na metrópole um ambiente propício a seus múltiplos talentos. Foi diretor artístico da Rádio Gaúcha nos anos 1930, cronista da Folha da Tarde (sob o pseudônimo "Sheriff"), violonista, poeta e compositor, antes de fundar o Clube da Chave. Seu xote Fiz a Cama na Varanda, lançado em disco de 1944 pela amiga Dilú Melo, repercutiu nacionalmente com dezenas de versões - até Nara Leão o gravou. São de sua autoria, ainda, Alecrim, Sonho de Amor, Menino dos Olhos Tristes, Toada do Jangadeiro e Meia Canha, dentre outras.
Composição de Ovídio Chaves, 'Fiz a Cama na Varanda' foi interpretada por vários artistas
ACERVO MARCELLO CAMPOS/REPRODUÇÃO/JC
Seus versos obtiveram reconhecimento ainda maior, sob elogios de colegas do primeiro time. Cecília Meirelles, Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, Mario Lago. O mesmo afago recebeu de conterrâneos como Erico Verissimo, Lila Ripoll e Mario Quintana - que carinhosamente o chamava de "Ave Noturna". Compartilhada com leitores de jornais e revistas, a produção poética também gerou nove livros do gênero - Cancioneiro (1933), Anel de Vidro (1935), Uma Janela Aberta (1938), ABC de Paquetá - Guia Poético da Ilha (1967), o póstumo Chão de Infância (1980) e os inéditos Diário Morrer, Mini-Sonetos e Vício Literário. E com espaço para um romance, Capricórnius (1945).
A consagração literária veio aos 57 anos. "Sem aviso, em 1967 minha mãe inscreveu os originais do ABC de Paquetá no Concurso Nacional de Poesia Olavo Bilac, da Academia Brasileira de Letras", conta o filho Luciano. "Ao saber pela imprensa que havia sido laureado com o primeiro lugar e por unanimidade do júri, teve medo de ser preso novamente e então buscou esconderijo na casa de uns camaradas no bairro da Urca. Mas no dia da entrega do prêmio mudou de ideia e decidiu comparecer à cerimônia na ABL (com sessão de autógrafos), junto com dona Hermínia, eu e meus irmãos Luiz Antônio e Lívia, todos adolescentes. Nenhum agente da repressão apareceu".
* Marcello Campos é formado em Jornalismo, Publicidade & Propaganda (ambas pela PUCRS) e Artes Plásticas (UFRGS). Tem seis livros publicados, incluindo as biografias de Lupicínio Rodrigues, do Conjunto Melódico Norberto Baldauf e do garçom-advogado Dinarte Valentini (Bar do Beto). Há mais de uma década, dedica-se ao resgate de fatos, lugares e personagens porto-alegrenses.