Corrigir texto

Se você encontrou algum erro nesta notícia, por favor preencha o formulário abaixo e clique em enviar. Este formulário destina-se somente à comunicação de erros.

Reportagem Cultural

- Publicada em 09 de Fevereiro de 2023 às 19:18

A nova atualidade de Pedro Weingärtner, 170 anos depois de seu nascimento

Pintor de paisagens ligadas ao imaginário gaúcho, como no quadro 'Remorso 2', Pedro Weingärtner ainda tem aspectos a serem redescobertos

Pintor de paisagens ligadas ao imaginário gaúcho, como no quadro 'Remorso 2', Pedro Weingärtner ainda tem aspectos a serem redescobertos


/ACERVO MARGS/REPRODUÇÃO/JC
Nascido em 1853, em Porto Alegre, e dono de uma vasta obra que levou adiante entre as últimas décadas do século XIX e as primeiras do XX, o pintor Pedro Weingärtner, morto em 1929, não deixa de ser redescoberto. Weingärtner pintou entre o final do Império e o começo da República, entre o Rio Grande do Sul e as principais cidades europeias, entre a valorização da arte acadêmica e a contestação dos primeiros modernistas. Viveu e trabalhou sob um Brasil e um mundo que atravessavam intensas e abruptas transformações e deixou dezenas de quadros, gravuras e desenhos que, hoje, ocupam lugar de destaque nos mais importantes museus de arte brasileiros e movimentam as galerias particulares. Resta, no entanto, ainda muito por saber sobre Weingärtner, sobre as especificidades da sua arte e sobre algumas das vicissitudes e motivações da sua vida privada.
Nascido em 1853, em Porto Alegre, e dono de uma vasta obra que levou adiante entre as últimas décadas do século XIX e as primeiras do XX, o pintor Pedro Weingärtner, morto em 1929, não deixa de ser redescoberto. Weingärtner pintou entre o final do Império e o começo da República, entre o Rio Grande do Sul e as principais cidades europeias, entre a valorização da arte acadêmica e a contestação dos primeiros modernistas. Viveu e trabalhou sob um Brasil e um mundo que atravessavam intensas e abruptas transformações e deixou dezenas de quadros, gravuras e desenhos que, hoje, ocupam lugar de destaque nos mais importantes museus de arte brasileiros e movimentam as galerias particulares. Resta, no entanto, ainda muito por saber sobre Weingärtner, sobre as especificidades da sua arte e sobre algumas das vicissitudes e motivações da sua vida privada.
Filho de imigrantes alemães radicados no Rio Grande do Sul, Weingärtner deixou o Estado ainda jovem, aos 25 anos de idade, impulsionado pelo aperfeiçoamento artístico ao mesmo tempo em que se via angustiado por dificuldades financeiras, principalmente após a morte do pai. Antes da partida, havia trabalhado junto ao comércio e em uma litografia, que levava o sobrenome da família, ao lado dos irmãos. É apenas com o auxílio econômico de amigos e conhecidos que pode embarcar - primeiramente com destino à Alemanha - para a que seria uma longuíssima temporada europeia. Buscar os grandes centros europeus, nos anos de 1870 e 1880, era quase como uma exigência para que um artista nascido no Sul do Brasil conseguisse tornar possível o exercício do trabalho artístico.
"Até fins do século XIX, a atividade artística no Rio Grande do Sul seria bastante limitada e incipiente. Fossem tanto estrangeiros como nativos, pintores, desenhistas, escultores e gravadores ou se adequavam a atividades produtivas utilitárias e demandas de distinção social ou se dedicavam a dar aulas", relata Francisco Dalcol, doutor em Teoria, Crítica e História da Arte e diretor-curador do Margs. "Ou então partiam para se aperfeiçoar e tentar desenvolver carreiras, como foi o caso de Pedro Weingärtner, assim como antes e depois foram os casos de nomes como Manuel de Araújo Porto-Alegre, Augusto Luis de Freitas, Libindo Ferrás, Oscar Boeira e Leopoldo Gotuzzo, todos esses considerados entre os pioneiros artistas gaúchos a conquistar autonomia atuando com suas individualidades e autorias", prossegue Dalcol, em depoimento à reportagem.
 

Paisagens do coração do Rio Grande

Obras como Tempora Mutantur são representativas da predileção de Pedro Weingärtner por paisagens e cenas regionais

Obras como Tempora Mutantur são representativas da predileção de Pedro Weingärtner por paisagens e cenas regionais


/ACERVO MARGS/REPRODUÇÃO/JC
Para Paulo Gomes, professor do Instituto de Artes da Ufrgs, a partida de Pedro Weingärtner com destino à Europa possui certa diferença em relação à trajetória comum reservada aos artistas do período. "Em 1878, aproximadamente, Weingärtner vai para a Europa e por um caminho artístico diferente, sem passar pelo Rio de Janeiro e sem ter uma pensão do governo. Ele fará um périplo pelo continente e, na França, através de uma requisição, consegue já no final do Império uma bolsa do Imperador". O pintor gaúcho passará décadas na Europa, entre Alemanha, França e Itália, entre outras viagens e eventuais regressos (nunca prolongados) ao Brasil, seja para excursões de âmbito pessoal como para realizar exposições. Seu nome, nos últimos anos do século XIX, já se torna conhecido e respeitado nas esferas da pintura brasileira - os quadros são comercializados a bom preço e as dificuldades financeiras desaparecem dos aspectos biográficos conhecidos.
Gomes, também pesquisador da obra de Pedro Weingärtner, relata que, nos anos de intensa produção por parte do pintor, a inserção e o reconhecimento não tardam também pela consonância com as técnicas praticadas no período. "Ele é um artista plenamente integrado a partir de 1880, quando começa a produzir de maneira sistemática, e de 1890, quando começa a fazer as suas grandes pinturas naturalistas, que mostram aspectos da vida do Rio Grande do Sul, como Chegou tarde!, Fios emaranhados, Kerb, dentro de uma perspectiva que apresenta aspectos regionais. Essa pintura será praticada até o início do novo século, quando começa a produzir as paisagens, diversificar a gama de atuação. Haverá a partir daí pinturas de gênero, de paisagens italianas e gaúchas", detalha Paulo Gomes.
As figuras de tropeiros e de imigrantes italianos e alemães, as paisagens de colônias do Rio Grande do Sul e olhares sobre o Pampa dividirão espaço, no corpus do pintor, com outras buscas, seja no que diz respeito aos temas (por vezes romanos ou parisienses) como às técnicas, às formas e aos suportes. "Weingärtner ficou notabilizado pela sua pintura de tremenda qualidade de execução, vinculada, sobretudo, aos princípios acadêmicos que predominavam em seu tempo e orientavam a produção artística de então. Assim, destacou-se com as suas paisagens e cenas de gênero (temas rotineiros do cotidiano e da vida diária), tendo também praticado o retrato. Ainda com relação aos princípios acadêmicos, a abordagem de Weingärtner traz elementos do neoclassicismo, do romantismo, do naturalismo e do realismo, incluindo ainda temas clássicos e mitológicos", analisa Francisco Dalcol.
 

O artista e o silêncio que o envolve

Apesar da vasta obra, ainda há muito a ser descoberto sobre pintor gaúcho

Apesar da vasta obra, ainda há muito a ser descoberto sobre pintor gaúcho


/ACERVO DOCUMENTAL MARGS/REPRODUÇÃO/JC
Durante décadas, no entanto, esteve atrelada à obra e à figura de Weingärtner uma sorte de silêncio. Não porque se tratasse de um artista maldito ou que carregasse em si elementos que poderiam provocar na crítica um rechaço político ou moral, mas um silêncio de razões, acima de tudo, estéticas. Os anos de 1920 marcariam não apenas o ocaso da existência de Weingärtner como a chegada de novos paradigmas para a crítica e a valorização da pintura. Os registros acadêmicos, canônicos por um longo período, perdiam força diante da novidade da pintura pré-moderna e moderna em grande parte da Europa e logo no Brasil. Os temas e trabalhos do artista gaúcho, descendente de alemães, que tantas vezes evocavam paisagens e cenas regionais, passaram a receber uma atenção diminuída da crítica e dos estudiosos. Após a morte do pintor, em 1929, tal silêncio, que ainda perduraria, se adensou.
"Pedro Weingärtner morre em um momento em que o Rio Grande do Sul se prepara para grandes mudanças no campo das artes. Isso naturalmente já leva a uma espécie de silenciamento do trabalho dele, que durará por aproximadamente 20 anos", diz Paulo Gomes.
Para Francisco Dalcol, esse silêncio não tocaria apenas a obra de Weingärtner, mas o conjunto da pintura acadêmica de um período que buscava ser superado pelos novos artistas. "Com a difusão das vertentes da arte moderna e das vanguardas modernistas da virada do século XX, surgiriam novos valores e postulados artísticos, e muitos artistas então reconhecidos e mesmo consagrados passariam a ser considerados ultrapassados pelas novas gerações, como representantes de algo a ser superado pela modernidade cultural e artística", afirma o curador.
 

Uma biografia por recuperar

Dafnis e Cloé (1916) é uma das obras mais conhecidas de Pedro Weingärtner, atualmente parte do acervo do Margs

Dafnis e Cloé (1916) é uma das obras mais conhecidas de Pedro Weingärtner, atualmente parte do acervo do Margs


/ACERVO MARGS/REPRODUÇÃO/JC
A obra do autor de Tempora mutantur e de Bailarinas voltaria a receber atenção de observadores e estudiosos a partir dos anos 1950, na esteira de outros acontecimentos no campo da cultura. Os pesquisadores mencionam a retomada do interesse pelo regionalismo (não apenas na pintura, mas também na literatura rio-grandense), o fortalecimento das instituições voltadas às artes no Estado (quando da sua exposição inaugural, o Margs apresentaria ao público obras de Weingärtner) e a formação de novos críticos como fatores que possibilitariam uma nova visão do conjunto do pintor. Também nos anos 1950, será publicada a, ainda hoje, principal biografia escrita sobre Weingärtner, de autoria de Angelo Guido. Os estudos se multiplicariam mais recentemente. Para Francisco Dalcol, "o que se percebe hoje é um renovado interesse pelo século XIX, com investigações que se dirigem à produção desse período histórico compreendendo-a como algo mais complexo e multifacetado do que o processo da arte moderna e depois da arte contemporânea tentaram fazer crer, na medida em que procuram suplantá-la para se afirmarem".
Desde então, outras sete décadas se passaram e, se é certo que, do ponto de vista de estudos críticos direcionados à pintura de Pedro Weingärtner, muito foi acumulado, ainda restam brechas significativas quanto à vida privada do artista. As informações principais e as datas mais relevantes têm como referência a mencionada biografia escrita por Guido, de 1956; entretanto, episódios relevantes para a compreensão da trajetória profissional e das motivações pessoais continuam desconhecidos mesmo para os pesquisadores da obra. "É difícil recuperar a vida privada do pintor porque a biografia que temos foi feita a partir de documentação que Angelo Guido teve acesso com a viúva do artista. E, à época, foi dito que a viúva, quando da morte de Weingärtner, queimou papéis e documentos do pintor, porque considerava que o importante era a obra dele, não a vida privada. Da vida privada, temos poucas informações: a biografia de Guido dá alguns marcos factuais, mas não entra em motivações ou razões", contextualiza Paulo Gomes.
Sabe-se que, no começo dos anos 1920, já em idade avançada, Weingärtner retorna ao Rio Grande do Sul. Após passar mais de quatro décadas na Europa, decide estar na cidade natal, mais próximo do cenário de várias das suas pinturas mais significativas, nos últimos anos de vida. "O retorno para o Rio Grande do Sul, especulo, é um retorno para um lugar seguro, em que ele é prestigiado. Ele dará aulas no Instituto de Artes, talvez por pouco tempo, e continua produzindo no Estado, para uma demanda local e bastante particular, com algumas exposições pontuais em Porto Alegre, em São Paulo e no Rio de Janeiro. Sobre a biografia e os últimos anos não sabemos muito mais do que isso, faltam muitas passagens e motivações importantes sobre a vida privada dele", afirma Paulo Gomes.
 

Os endereços da pintura de Pedro Weingärtner

PEDRO WEINGÄRTNER, “BARRA DO RIBEIRO” - 1918 - ÓLEO SOBRE MADEIRA  -  ACERVO PINACOTECA ALDO LOCATELLI

PEDRO WEINGÄRTNER, “BARRA DO RIBEIRO” - 1918 - ÓLEO SOBRE MADEIRA - ACERVO PINACOTECA ALDO LOCATELLI


/ACERVO PINACOTECA ALDO LOCATELLI/DIVULGAÇÃO/JC
Os quadros de Weingärtner estão presentes no acervo de alguns dos mais importantes espaços de arte e museus brasileiros. Obras como o tríptico A fazedora de anjos se encontram na Pinacoteca de São Paulo; A derrubada, por sua vez, integra a coleção do Museu de Belas Artes do Rio de Janeiro. No Centro de Porto Alegre, o caminhante pode ter a oportunidade de observar parte importante da pintura do artista. Na Pinacoteca Barão de Santo Ângelo, parte do Instituto de Artes da Ufrgs, estão quadros como Bailarinas, Solidão e Maricás. Dezenas de pinturas de Weingärtner repousam também nos salões da Fundacred, antiga Pinacoteca Aplub - atualmente fechada para a visitação do público geral. Por sua vez, o Margs conta com telas e gravuras do artista desde a sua inauguração e outra parte relevante da obra se encontra em galerias privadas e coleções particulares, nem sempre rastreáveis.
Com tantos endereços, pode-se falar em dispersão do destino (material) de Pedro Weingärtner? "Ele foi um pintor muito buscado por colecionadores privados, e vendia tudo o que produzia. À parte, haverá inserção também em instituições públicas, como na Escola de Belas Artes, para onde doará a pintura A derrubada. Há pinturas hoje no Museu Nacional, na Pinacoteca de São Paulo, que será uma colecionadora sistemática de Weingärtner dentro das pinturas de gênero, e também em instituições do Rio Grande do Sul, mesmo antes do Margs. A partir de certo momento, Weingärtner é dono de uma obra muito prestigiada, digamos que com 'fila de espera', para usar uma expressão bem contemporânea", explica Paulo Gomes.
Para Francisco Dalcol, é a produtividade do artista em vida que explica a proliferação de lugares que hoje abrigam os seus quadros: "como artista atuante, reconhecido e celebrado em seu tempo, Weingärtner encontrava ressonância no meio social também vendendo suas obras. A dispersão acaba se dando mais pelo destino dado justamente pelos compradores particulares, que mantêm ou não as obras em domínio privado, dentro ou fora de conhecimento público".
O Margs conta atualmente com 22 obras do artista, entre pinturas e gravuras em metal. No segundo semestre de 2021, uma exposição que homenageava a primeira mostra preparada pelo museu (de 1955) colocou outra vez a arte de Weingärtner em evidência. "Todas essas obras foram exibidas conjuntamente, em uma mesma parede, de modo justamente a evidenciar a presença e a representatividade da produção do artista no acervo", recorda o diretor-curador do Margs.
 

Um desafio para colecionadores

Óleo sobre madeira sem título, de 1927, é uma das obras de Pedro Weingärtner presentes na coleção da GalArt

Óleo sobre madeira sem título, de 1927, é uma das obras de Pedro Weingärtner presentes na coleção da GalArt


PEDRO WEINGÄRTNER/GALART/REPRODUÇÃO/JC
Heitor Bergamini coleciona obras de Pedro Weingärtner há mais de 10 anos. Após trabalhar como executivo em grandes empresas, afastou-se do mercado para ampliar e organizar a coleção pessoal - gesto que deu início à concepção da GalArt, galeria localizada no bairro Auxiliadora, em Porto Alegre, e focada no trabalho de artistas gaúchos. "Sempre que encontrava uma obra de Weingärtner, tratava de comprar. Para mim, é um dos grandes, está entre os maiores pintores do Rio Grande do Sul. Me interessa também a história de vida dele, a trajetória pela Europa".
"O duro de ter a galeria é que às vezes também precisamos vender. Com a obra de Weingärtner, comecei comprando desenhos. As obras dele hoje são caras e difíceis de encontrar, quem as tem ou não quer vender, ou cobra exorbitâncias", relata o colecionador.
No inverno do ano passado, a GalArt apresentou ao público os retratos, paisagens e desenhos de Weingärtner da coleção de Heitor Bergamini, a que se juntaram outras obras do pintor, cedidas por amigos colecionadores para a ocasião. O título da exposição - Pedro Weingärtner, nosso contemporâneo - é mais um reforço a respeito da atualidade do artista nascido há 170 anos.
 
* Iuri Müller é jornalista formado pela UFSM e pesquisador em Literatura, com doutorado pela PUCRS. Colabora regularmente com o Suplemento Pernambuco e com o Jornal do Comércio, entre outros.