Le Club: um espetáculo de casa noturna em Porto Alegre

Destaque no circuito noturno da avenida Independência e arredores, Le Club trouxe alguns dos melhores e mais bem sucedidos shows de artistas nacionais e estrangeiros

Por Marcello Campos

Destaque no circuito noturno da avenida Independência e arredores, Le Club trouxe alguns dos melhores e mais bem sucedidos shows de artistas nacionais e estrangeiros
Foi como em um daqueles filmes de sábado à noite. Em descompasso com as normas de conduta do local, o cliente é convidado a se retirar e então ganha a rua disposto à revanche. A desforra envolve um plano maquiavélico: comprar o ponto para despejar seus inquilinos. Ele procura o dono do imóvel com uma proposta irrecusável, porém acaba convencido pelo astuto senhorio a partir para a ideia de alugar outro espaço pertencente ao mesmo proprietário, não muito longe dali, a fim de montar um estabelecimento concorrente e capaz de despertar inveja em seus desafetos. Reúne os recursos, mobiliza aliados e deflagra a execução do projeto.
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No meio do caminho há um revés, com o protagonista e seus coadjuvantes batendo em retirada após um desentendimento que deixa as obras paralisadas por quase um ano. Quando tudo parece perdido, eis que dois novos personagens entram em cena para dar continuidade à trama, em uma guinada que conduz a plateia a um epílogo surpreendente. Sujeita a variações conforme as testemunhas, essa história não apenas aconteceu na vida real como está na gênese de um dos mais sofisticados e completos endereços da noite de Porto Alegre: o Le Club (1985-1992).
Instalado na rua João Telles nº 54 - em anexo ao prédio do saudoso Teatro da Ospa (1984-2008), na esquina com a avenida Independência - o empreendimento assumido pelo comunicador Fernando Vieira (1948-2020) com o publicitário e empresário artístico Jorge Salim Allem (1946-2004) brindou a cidade com um mix inédito de boate, piano-bar, restaurante e casa de shows. Tudo em alto nível de qualidade, com apelo irresistível a uma clientela mais adulta e de poder aquisitivo acima da média em relação a outros pontos boêmios da cidade.
O enciclopédico DJ Claudinho Pereira, 75 anos, explica essa história: "Na garagem onde a família Satt comandou em 1980-1982 a boate Roller - com pista de dança e outra de patinação, em meio a globos espelhados e outros quetais - e posteriormente um bar, os trabalhos seguiam frenéticos, com nome escolhido, design interno projetado por Paulo Zoppas e eu contratado para a discotecagem. Antes do anúncio da inauguração, o dono do futuro negócio brigou com seus sócios, da própria família, em um baile no Carnaval de 1985. Aí tudo ficou em stand-by, à espera de novo investidor".
Esse impasse terminaria meses depois, por intermédio do fotógrafo Floriano Bortoluzzi, outra figura onipresente na cena cultural da cidade. Inteirado do assunto, ele fez a ponte entre o cidadão e a dupla Vieira e Salim, proprietária da Empresa de Produções Artísticas e Culturais (Emprol), responsável pela Multifeira no Parque de Esteio e pela Festa Nacional do Disco em Canela (RS), além de concessionária do restaurante Choppão (ex-Barril), no estádio do Inter. Fernando ainda se desdobrava como apresentador de programas em emissoras locais de TV (Difusora, Guaíba, Pampa).
Encantados, os dois decidiram assumir o bastão, inclusive sem mexer na denominação 'Le Club' - o presidente colorado Arthur Dallegrave (1930-2008) que encontrasse outros interessados em tocar o estabelecimento típico alemão no Beira-Rio. "Dali em diante, foram 60 dias e noites de trabalho quase ininterrupto, com pedreiros, eletricistas, marceneiros e outros encarregados", relembrou Vieira, durante entrevista a este repórter em 2019. O resultado foi um espaço para até 600 pessoas em 1.100 m² finamente decorados em vermelho, azul, verde, branco, preto e dourado.
 

Uma noite de padrão elevado

Apesar de seu restaurante - refinado pela culinária de inspiração francesa - e da autoproclamada boate mais elegante de Porto Alegre (os salões Rouge e Tourquase, separados por uma porta), o Le Club é hoje mais lembrado por seu grande diferencial: os shows de padrão elevado com estrelas da música brasileira e internacional, sem perder de vista eventuais atrações gaúchas. Foram tantos ao longo de sete anos que a lista completa escapa até mesmo de quem esteve na retaguarda da casa. Depoimentos e arquivos de jornais permitem o resgate de alguns dos principais nomes.
Do brasileiro Gilberto Gil à espanhola Sarita Montiel, subiram ao palco artistas como Nara Leão, Sergio Endrigo, Elizeth Cardoso, Nelson Gonçalves, Alcione, Emílio Santiago, Maria Creusa, Cauby Peixoto, Angela Maria, Manolo Otero, Leny Andrade, Roberto Menescal, MPB-4, Francis Hime, Ângela Ro Ro, Malcom Roberts, Jessé, Rosemary, Belchior, Joanna, César Camargo Mariano, Dominguinhos, Ronnie Von, Guilherme Arantes, Marcos Valle, Golden Boys (100 vezes) e Renato & Seus Blue Caps, além de gaúchos como Edgar Pozzer, Dante Ramon Ledesma e Discocuecas.
"A casa estava sempre lotada, com ingressos esgotados antecipadamente e amplo predomínio de casais ou grupos de amigos nas mesas e camarotes", relembra a relações-públicas Martha Canozzi, 67 anos: "Mesmo que a acústica muitas vezes deixasse a desejar, os artistas ficavam impressionados pela infraestrutura, com plateia em formato de arena, acomodações confortáveis, serviço de primeira, piano preto no bar e outro branco no palco, além de uma logística que incluía patrocínios e parcerias com hotéis, companhias aéreas e empresas de comunicação".
Mas a primeira atração a cruzar o tapete vermelho sob a tenda branca estendida desde a calçada até a pequena porta dupla de vidro foi um músico do qual pouca gente ouvira falar. Sem grana para bancar um estrangeiro na abertura, em 11 de setembro de 1985, apelou-se a uma malandragem publicitária, conforme entrega Claudinho Pereira: "Salim trouxe o cantor e pianista espanhol Pablo Sebastian, radicado em Buenos Aires, e o anunciou como 'um showman vindo diretamente do Teatro Scala de Madrid'. O contrato inicial para 15 dias se estendeu por mais de um mês. Sucesso total".


A inauguração, aliás, havia sido precedida de 11 coquetéis de avant-première para que segmentos-chave espalhassem a novidade (empresários, jornalistas, publicitários, modelos, gente de moda, turismo, hotelaria). Anúncios em mídia impressa reforçavam a estratégia, bem como um sistema de permuta no qual a RBS TV cedia veiculações nos horários nobres, em contrapartida ao uso do espaço para eventos como as festas de réveillon da emissora. Tudo isso valendo-se da máquina da Emprol, cuja equipe contava com os comunicadores Magda Beatriz e Rogério Mendelski.

Na folha de pagamento do Le Club constavam até 70 funcionários. Gerentes, contadores, relações-públicas, recepcionistas, DJs, pianistas, técnicos, maîtres, garçons (todos com cursos no Senac e uniformes confeccionados sob medida), bartenders, faxineiros, manobristas, seguranças, porteiros - o ex-atacante colorado Sérgio Galocha (1948-2010) foi o mais popular, até mesmo ao barrar alguém de tênis, restrição comum nos estabelecimentos melhor gabaritados. A cidade povoada por centenas de restaurantes, bares e boates jamais tinha visto algo daquela magnitude em suas noites.

"Os patrões eram gente-fina e se davam super bem com os funcionários, que, da mesma forma, mantinham relação bacana entre si. E ainda ganhávamos muito bem, entre salários e principalmente as gorjetas generosas da nata da sociedade", garante o chileno Eduardo Munõz, 64 anos, barman nos primeiros meses da casa e que hoje gerencia o restaurante Terraville Gourmet, junto ao Belém Novo Golf Club. "Isso sem contar o fato de poder conversar com artistas e outros famosos, oportunidade que não talvez não tivéssemos em outros empregos."

Antes de partir para outros endereços icônicos (Encouraçado, Bere & Ballare, Bogart, Ópera Rock, La Camorra, Santa Mônica, Fábrica, Dado Bier, Strike, Ibiza), o relações-públicas Jacintho Pilla, 66 anos, acumulou durante três anos no Le Club tarefas de assessor de imprensa, hostess e promoter, fazendo do número 54 da João Telles um lugar de projeção, ao mesmo tempo em que contribuía para o êxito do estabelecimento. Eram jornadas de 16h às 6h, com um desgaste que o obrigou a trancar faculdade e até pedir as contas - acabou chamado de volta pelos proprietários, a quem considera padrinhos profissionais.

De excelente memória e sempre solícito (a produção desta reportagem deve muito à sua generosidade), ele compartilha: "Eu já trabalhava com eventos menores, de moda etc. Mas a porta de abertura para minha carreira foi mesmo o Le Club, que ajudou a me tornar conhecido e respeitado. Em sociedade com Eduardo Bins Ely [1959-2021], montei um mailing poderoso, com carta-branca para acionar as pessoas certas e garantir casa cheia também nos dias de semana. A gente telefonava, mandava correspondência, fazia chover". Jacintho prossegue:

"Aproximando-se o meu aniversário de 30 anos, Fernando e Salim não apenas permitiram que a data fosse celebrada na casa, como bancaram um jantar para meus convidados, por óbvio imaginando umas 150 pessoas no máximo. Eles ficaram incrédulos quando confirmei 500 presenças. Todavia, a cozinha foi preparada e o fato é que, na noite do evento, apareceram 600 amigos! Passada a comemoração, o Salim me chamou para dar os parabéns, admitindo que não imaginavam o tamanho do prestígio que eu havia construído em 11 meses de dedicação".

Saudades e histórias

Não é difícil encontrar celebridades dispostas a dividir lembranças daqueles tempos. "Quando cursava Comunicação na Pucrs, escolhi o Le Club como tema de um trabalho acadêmico sobre 'cases' de sucesso em relações-públicas e cheguei a passar uma tarde inteira lá, entrevistando todo mundo. É uma pena não ter guardado esse material", recorda a jornalista Cristina Ranzolin, 55 anos. "Só mais tarde me tornei frequentadora, fosse para assistir confortavelmente algum show ou dançar com meu namorado na época."
Memórias sobre o empreendimento de Fernando Vieira e Salim Allem também aparecem em arquivos de entrevistas de Roberto "Tatata" Pimentel (1938-2012), jornalista, professor e habitué dos mais badalados ambientes. Protagonista de peripécias catalogadas no anedotário das noites porto-alegrenses, ele adorava detalhar alguns desses episódios folclóricos. Como em um evento no qual arrancou olhares de curiosidade do pessoal em vê-lo passear pela boate com um objeto inusitado. Eduardo Munõz revela os ingredientes dessa essa receita:
"A carta de bebidas criada pela nossa equipe oferecia o 'Coquetel Le Club', à base de espumante, curaçao blue, grenadine e decorado com uma folha de hortelã. O drink foi premiado em diversos concursos do gênero e não demorou a se tornar o preferido do Tatata, que estava sempre por lá. Aí ele inventou, de improviso, uma apresentação criativa para a bebida, escondendo entre a palma da mão e a base do copo em formato longo uma pequena lanterna piscante, causando frisson ao abrir caminho pela penumbra com aquele vaga-lume alcoólico".
Por falar em presenças ilustres, várias foram as surpresas envolvendo estrelas contratadas ou de visita ao anexo requintado da Ospa. Em determinada ocasião, por exemplo, a tranquilidade do bar se rompeu pela entrada triunfante do cantor Sidney Magal, contratado para apresentações em outra casa. Com sua cabeleira cacheada e 1m93cm embrulhado em um nada discreto casaco de pele marrom, ele fez questão de dar uma canja, aproveitando que o pianista de plantão continuava por ali. Um dos garçons não se conteve: "O cara parece um urso!".
 
 

De Cauby Peixoto (1931-2016) vêm mais dois momentos merecedores de registro. No primeiro, um repentino blecaute causado por temporal bem no meio do show não foi capaz de conter o intérprete de Conceição, que partiu para uma performance à capela até que a energia fosse restabelecida, sob aplausos intermináveis. Já no segundo, o ídolo desceu do palco e - de microfone em punho - sensualmente se abraçou a um pilar decorado com espelhos, mirando o reflexo dos próprios olhos enquanto cantava mais um de seus hits românticos.

Também sobram lances envolvendo elementos da Dupla Grenal, dentre os quais havia boêmios de carteirinha. "Certa noite, o Salim [colorado, assim como Fernando] foi chamado até a recepção porque dois atletas do Grêmio insistiam em entrar de tênis, no entanto ele permaneceu irredutível", diverte-se a relações-públicas Martha Canozzi, sem revelar nomes. "Algumas semanas depois, os boleiros reapareceram de sapato social e smoking, com duas lindas mulheres, reservas para o melhor camarote e champanhe Veuve Clicquot à mesa."

Os embalos da boate não deixavam por menos, com sua pista de mármore (sempre aberta por New York, New York), sequências de luzes e os melhores DJs - Claudinho Pereira, Miguel Dalberto, Bira Machado, César "Alemão" Klinkowski, Rubens "Salsicha". O colunista Fernando Albrecht, 79 anos, estava lá em uma madrugada de 1988 quando a cantora Alcione foi tirada para bailar por um manjadíssimo político gaúcho e retornou em menos de um minuto, sozinha e furiosa: "Se esse cidadão me bolinar de novo, vou dar um chute bem no meio do saco dele!".

Situação parecida com a enfrentada pela fotógrafa Dulce Helfer, 66 anos: "Em um coquetel de lançamento, permaneci com amigos no Le Club quando um conhecido jogador insistiu em dançar comigo. Aceitei e foi um desastre, porque o cara se mexia como um troglodita. Pedi que trouxesse uma bebida e aproveitei a deixa para me refugiar em uma mesa ocupada pelos comunicadores Tatata Pimentel e Clóvis Duarte [1942-2011]. Quando o sujeito me achou de volta, entendeu tudo errado e quis bater no Bibo Nunes, que estava na cadeira pertinho da minha".

Portas fechadas

Se é verdade que a linha do tempo de qualquer casa noturna pode ser metaforicamente representada por uma curva, a do Le Club teve o seu declínio acentuado em 1991, culminando no fim de suas operações no verão do ano seguinte. Fios brancos já invadiam os cabelos de seus proprietários quando uma combinação de razões particulares, profissionais e mercadológicas acelerou o percurso descendente. O contexto foi esmiuçado por Fernando Vieira durante longa conversa no escritório do bairro Auxiliadora onde trabalhava com os filhos Fernandinho e Manoela, meses antes de falecer:
"Aquela baita estrutura não era mais minha ocupação principal ou do Salim, funcionando mais como vitrine para diversos compromissos paralelos, tanto que na fase final o negócio vinha dando prejuízo. A gente já ensaiava uma dissolução amigável da sociedade, então decidimos colocar um ponto final, mesmo com o risco de uma enxurrada de ações trabalhistas. Dos pratos ao piano, a maioria dos itens foram vendidos a uma boate de Novo Hamburgo e, quando devolvemos a chave à família Satt, restou esse capítulo bacana nas vidas de tantas pessoas mas que nunca me deu vontade de repetir".
Viúva de Fernando (o casamento foi comemorado com grande festa no local em dezembro de 1988), a empresária Antonella Vargas, 61 anos, anexa outros dois motivos: "Administrar uma casa noturna comum já é trabalhoso, imagine quando ainda se acumula um monte de atividades. Era uma rotina cansativa, mesmo com toda disposição deles. Até quando conseguiam assistir um show precisavam deixar o camarote várias vezes para atender alguém. Junto com isso, os espetáculos começaram a ficar meio repetitivos [os Golden Boys chegaram a ganhar placa pela 100ª apresentação ]".
Sem novos investidores, o ambiente se degradou, enquanto o Teatro da Ospa continuava ativo, incluindo o vai-e-vem das duas portas auxiliares (camarins e saída de público) à esquerda da entrada do antigo Le Club. Mas a noite é feita de ciclos: transcorridos oito anos, os donos do prédio sacodiram a poeira para reprisar a experiência de ali comandar casa noturna, com o undergound chique da Liquid e do Acqua Pub (2000-2006). O espaço novamente vazio desapareceria por completo em 2014, junto com os sete andares acima, substituídos por edifício comercial duas vezes mais alto. Desfecho emblemático de uma visão de futuro na qual o passado muitas vezes parece um obstáculo à cidade que agora completa 250 anos.
 

Concorrência musical

Durante quase sete anos de atividade, o Salão Rouge do Le Club coexistiu com poucos porém ótimos estabelecimentos de perfil e programação similares, nem sempre sob o mesmo alarde. Em um casarão na rua Andrade Neves (Centro), havia o bar e restaurante Porto Velho (1983-1992), com suas feijoadas, camarões à Punta del Este e uma agenda musical movimentada por trios próprios de piano/violão, baixo e bateria, mais apresentações extraordinárias que abraçavam desde novos talentos gaúchos até nomes de alcance nacional como os veteranos Tito Madi e Carlos Lyra.

Outro concorrente estava ali mesmo na Independência. No segundo andar da galeria em frente à Santa Casa, o músico Paulo Pinheiro manteve o Alambique’s (1979-1990), piano-bar marcado por espetáculos arrebatadores de samba-canção, bossa nova e samba-jazz. Uma amostra do catálogo: Lúcio Alves, Doris Monteiro, Dick Farney, Nana Caymmi, Miúcha, Luiz Carlos Vinhas, Alaíde Costa, Luiz Eça, Cláudia Telles, Pery Ribeiro, Sivuca, Pedrinho Mattar, Tamba Trio, Quarteto em Cy, Quinteto Violado, Zimbo Trio, o chileno Lucho Gatica e o mexicano Armando Manzanero.

Também não faltou uma tentativa ambiciosa de competição direta: o L’Atmosphere (1990-1996), boate e casa de shows em um prédio de três andares especialmente construído na rua Gaspar Martins entre as avenidas Voluntários da Pátria e Farrapos – com investimento de US$ 1,2 milhão em plena vigência do Plano Collor, o negócio tinha participação da família proprietária do Gruta Azul. Almôndegas, Jorge Ben Jor, Fafá de Belém, Ivan Lins e a argentina Mercedes Sosa, dentre outros tantos, foram assistidos por até 700 pessoas por noite.

Dupla dinâmica

A simples menção aos nomes dos proprietários do Le Club é suficiente para testemunhos emocionados de muitos de seus contemporâneos. Os comentários transitam entre o saudosismo e a admiração aos serviços prestados por uma dupla de porto-alegrenses cuja parceria, por quase duas décadas, está entre as mais bem sucedidas da história do empreendedorismo na cidade, reunindo qualidades pessoais e profissionais que mal cabem nas linhas a seguir.
Cria do bairro Petrópolis e aluno do Colégio Rio Branco, Fernando Derivi Vieira iniciou sua trajetória ainda estudante, organizando festas escolares - a experiência motivaria um convite para trabalhar na TV Difusora em 1968, aos 20 anos. Formou-se em Jornalismo, foi cinegrafista, assistente de estúdio, produtor e apresentador de programas de entrevistas e variedades, atividade que o tornou figura carimbada pelo público gaúcho e nos anos seguintes se estendeu à Bandeirantes, Guaíba e Pampa.
A guinada ocorreu por volta de 1980, ao cofundar a Emprol. Destacando-se no gerenciamento do conjunto musical Impacto e na realização de eventos como a Multifeira, o escritório também era responsável pela Festa Nacional do Disco (na Sogipa, depois no Hotel Laje de Pedra em Canela), bailes carnavalescos Verde e Branco (Teresópolis Tênis Clube) e Vermelho e Branco (Gigantinho), além de gerenciar o restaurante Choppão (Beira-Rio) e cofundar o Le Club.
Na outra metade do negócio estava o empresário e publicitário Jorge Salim Allem, de ficha não menos extensa. Crescido no bairro São João, foi líder estudantil e dirigente da Sociedade Libanesa, produziu eventos, capitaneou o grupo de rock Liverpool e esteve a serviço de TVs de São Paulo e Rio de Janeiro. De volta à Capital, tornou-se o "rei das feiras" e criou com o amigo o troféu Portovisão, concurso Rainha das Piscinas e outros agitos, antes de enveredarem pelo ramo noturno.
Cada qual para o seu lado com o fim amigável da casa noturna, ambos se mantiveram ligados à mídia. Salim adquiriu em 1997 a Arauto Propaganda, instalada no mesmo prédio do Morro Santa Teresa onde morava e recebia os amigos. Divorciado e com uma filha, na manhã de 5 de abril de 2004 foi encontrado já sem vida por um vigia da empresa, aos 57 anos. Hoje o seu nome está em uma praça no bairro Mario Quintana, Zona Norte da cidade.
Fernando, por sua vez, havia retomado a carreira televisiva e fundara a VF Promoções, atuante em megaeventos como a Festa Nacional da Música em Bento Gonçalves - cidade na qual se despediu sem aviso, aos 72 anos, na tarde de 16 de setembro de 2020. Planejando a retomada da atração pós-pandemia de covid, ele (que em 2008 sobrevivera a um tiro durante assalto) participava de reunião na prefeitura quando sofreu infarto fulminante, deixando esposa e um casal de filhos.
 
 
* Marcello Campos, 49 anos, é formado em Jornalismo, Publicidade & Propaganda (ambas pela PUCRS) e Artes Plásticas (UFRGS). Tem seis livros publicados, incluindo as biografias de Lupicínio Rodrigues, do Conjunto Melódico Norberto Baldauf e do garçom-advogado Dinarte Valentini (Bar do Beto). Há mais de uma década, dedica-se ao resgate de fatos, lugares e personagens porto-alegrenses.