"Se não recebermos dinheiro - e não quero ser negativa -, qual é a nossa possibilidade? De devolvermos a concessão e entra outro." A declaração de 12 segundos da CEO da Fraport Brasil, Andreea Pal, captada e disseminada em vídeo, esquentou o ambiente em torno dos custos e, principalmente, quem vai cobrir, como e quando a despesa para colocar o Aeroporto Internacional Salgado Filho, em Porto Alegre e um dos maiores complexos do setor no País, de volta à operação.
De janeiro a abril, o Salgado Filho registrou mais de 2,2 milhões de passageiros. Sem o maior hub no Sul, a aviação nacional é afetada em cheio.
A declaração é parte de respostas que a CEO deu durante visita de deputados ao complexo na segunda-feira (10), para conhecer de perto as condições para reabertura do aeroporto. O tema das tratativas com o governo federal, que estão em pauta desde meados de maio, foi um dos assuntos do giro pelo aeroporto, que percorreu áreas do terminal e da pista.
No grupo, estavam parlamentares de oposição e da base do governo Lula. Andreea fez a afirmação sobre a concessão ao responder ao questionamento da deputada federal Maria do Rosário (PT) sobre o que a empresa poderia fazer, além de buscar a ajuda federal.
Os valores podem ir de R$ 362 milhões, "custo inicial", já levado pela concessionária ao ministro extraordinário de Apoio à Reconstrução do Rio Grande do Sul, Paulo Pimenta, a quase R$ 1 bilhão, segundo a CEO. Reunião prevista para terça-feira (18), em Brasília, entre Fraport Brasil e ministro-chefe da Casa Civil, Rui Costa, pode indicar avanços em negociações sobre recursos.
Segundo apurou o Jornal do Comércio com outros participantes da visita, a CEO, além de falar sobre a possibilidade de deixar o contrato, teria destacado as tratativas sobre recursos com a União e o interesse em se manter na concessão. "Queremos ficar e fazer o melhor", teria dito a executiva.
Mas Andreea, de nacionalidade romena e que ocupa o cargo de CEO desde 2018, quando a companhia alemã assumiu a concessão em Porto Alegre, teria também deixado claro: a concessão é para "operar o aeroporto aberto". A reportagem do JC enviou questionamento à Fraport sobre posição a respeito da concessão emitida pela executiva e aguarda resposta.
"Não gostei da resposta", disse Maria do Rosário, que visitou o aeroporto com grupo de deputados. Fotos: Felipe Dalla Valle/Divulgação/JC
"Ninguém quer que a empresa saia, mas não cabe ultimato", reagiu Maria do Rosário, ao comentar a declaração da CEO. "Não gostei da resposta, que não me pareceu adequada para uma cidade que passou por tudo isso", acrescentou a deputada, citando a tragédia climática e os impactos à Capital.
Parte da manifestação da executiva se deve à pressa da empresa na definição dos recursos públicos e quando estarão disponíveis, para poder fazer compras de itens que são dados como certos que devem ser substituídos e cuja entrega pode demorar e atrasar mais a reativação.
Rosário garante que há mobilização para auxiliar na retomada: "Trabalhamos para que o governo federal libere o que for contratual. Propusemos que se antecipasse o valor do seguro que a empresa vai receber e que depois o valor seja ressarcido", cita a parlamentar.
"Temos pressa com o aeroporto. Mas o ultimato não foi adequado. A empresa pode dizer o que pode fazer na parte financeira. Isso é manter a responsabilidade", concluiu Rosário.
O deputado estadual Felipe Camozzato (Novo), que esteve no giro de segunda-feira, lembra, em nota, que o contrato de concessão "prevê riscos para ambas as partes, poder concedente (União) e concessionária (Fraport)". "No caso da enchente, o prejuízo acima do valor do seguro, que foi aprovado pela Anac, é da União", defende Camozzato.
Esta semana o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) suspendeu o pagamento do empréstimo que a empresa fez em 2018, para custear investimentos no complexo gaúcho. A medida vale por 12 meses e serve para direcionar recursos para as necessidades pós-inundação.
Negociações e demandas para reabertura do Aeroporto de Porto Alegre
O Aeroporto Salgado Filho está fechado desde 3 de maio, devido à inundação e agora pela incerteza de impactos e medidas a serem executadas para solucionar danos à estrutura. A concessionária vem tendo encontros com áreas do governo federal em busca de recursos, que podem ir de mais de R$ 360 milhões (custo inicial já estimado) a quase R$ 1 bilhão.
Reunião prevista para terça-feira (18), em Brasília, entre Fraport Brasil e ministro-chefe da Casa Civil, Rui Costa, pode indicar avanços em negociações sobre recursos.
O deputado estadual e coordenador da Frente Parlamentar da Aviação Regional na Assembleia Legislativa (AL-RS), Frederico Antunes (PP), que estava na visita, lembra que o contrato da concessão tem cláusula que permite que qualquer uma das partes faça a rescisão "por força maior".
"A frase está fora do contexto e foi feita em meio a um comentário em que ela disse também que a empresa quer ficar. O deputado, que vem acompanhando diversas agendas com autoridades federais e do Estado sobre soluções para reativar o aeroporto, garante que a CEO "sempre reafirmou o interesse" em seguir na gestão do ativo.
Fraport analisa as condições da pista, que vão determinar o nível de intervenção para retorno da operação de voos
"O cenário da aviação é um antes e outro depois da Fraport. Se não fosse a empresa, não teria aeroporto como está hoje", opina Antunes, citando que eventual troca de gestão no complexo, só complicaria mais a situação:
"Se já estamos insatisfeitos que só vai funcionar em dezembro e queremos antecipar, trocar o gestor só pode ajudar a piorar", alerta o parlamentar, que destaca propostas que ouviu em encontros com o ministro extraordinário de Apoio à Reconstrução do Rio Grande do Sul, Paulo Pimenta, como antecipar valor de seguro, saldar créditos da pandemia de Covid-19 - a Fraport tem quase R$ 300 milhões a receber - e alongar a concessão, que é de 25 anos, de 2017 a 2042, e pode ser prorrogada por mais cinco anos.
Antunes lembra que os prazos estão ligados a respostas que se espera sobre a pista, com testes a serem concluídos até meados de julho. Mas ele cita que podem ser liberados recursos para repor a condição de geração de energia - casa de força que faz a transformação da carga que vem da rede da CEEE Equatorial - , tecnologia de informação (TI) e equipamentos, como raio-x.
"Algumas coisas poderiam estar caminhando e não estão, o que pode comprometer o prazo final", preocupa-se o deputado.
No caminho das tratativas e também da verificação da pista e prazos de resolução dos danos, técnicos da Infraero, estatal que saiu do Salgado Filho para a entrada da Fraport, inspecionaram a pista na quinta-feira (13). "Quem tem de fazer isso é a Anac (Agência Nacional de Aviação Civil)", lembra Antunes.
Depois da verificação, os técnicos teriam concordado que a conduta de análise da Fraport está adequada. A entrada em cena da Infraero foi vista como um ponto a favor de alas que defendem a reversão da concessão, tese que vem ganhando espaço em redes sociais.
O nível de dano à pista será o divisor do montante (cifra de investimento) e do tempo que pode levar à reativação de voos no local. A Fraport chegou a projetar que há chance de reabrir em dezembro, mas não deixa de registar que o fechamento é por prazo indeterminado.
Enquanto isso, faz a limpeza do terminal, que termina neste fim de semana, revisa equipamentos e coleta material da pavimentação para análise da condição do piso. Alguns voos comerciais são feitos na Base Aérea de Canoas (Baco), que já teve aval da Anac para dobrar a oferta diária, expansão que depende das companhias.
Além disso, o comanda da Baco solicitou avaliação pela Fraport de como está a pista, temendo impactos da operação de aeronaves de maior porte e peso no traçado.