Pandemia, discordância com a Universidade Federal do Rio Grande do Sul, processo na Justiça questionando o funcionamento do conselho, tragédia climática e social, enchente, eleições: o acumulado destes fatores, somado à condução política do governo municipal, vem postergando há cinco anos a revisão do Plano Diretor de Porto Alegre. Assim, o prefeito reeleito Sebastião Melo (MDB) começou e encerrou seu primeiro mandato à frente da Prefeitura da Capital sem ter concluído a revisão do Plano Diretor, que ele diz considerar "a lei mais importante de uma cidade".
A expectativa, agora, é que o projeto de lei seja elaborado em 2025 e enviado para a Câmara no mesmo ano. Uma vez lá, seguirá o tempo do Legislativo, como o prefeito Melo costuma dizer - ou seja, não tem como precisar quando será apreciado, nem como garantir que os vereadores apreciarão a proposta no mesmo ano. Com base no histórico recente, nem mesmo o seu envio pelo Executivo pode ser dado como certo, embora, diferentemente dos outros anos, o trâmite esteja num estágio adiantado.
Soma-se a isso a recente prorrogação até o último dia de 2026 do convênio firmado entre a prefeitura e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) cujo objeto é a coordenação do projeto "POA 2030, Inovadora, Integrada, Resiliente e Sustentável", que trata da revisão do Plano Diretor. O novo prazo implicou também em aditivo no valor repassado, para a agência da ONU, para que se trabalhe em um projeto específico para tratar do bairro Arquipélago - que contempla as Ilhas da cidade, região muito atingida em maio deste ano, mas que sofre com frequência muito maior que o restante da cidade com inundações do Rio Jacuí
E como não tinha como ser diferente, o evento climático extremo que atingiu todo o Estado em maio mudou a agenda dos governos e a rotina de toda a sociedade. Assim como a pandemia de Covid-19 mobilizou novas formas de pensar moradia, espaço de trabalho e áreas públicas, a enchente de maio de 2024, a maior da história do Rio Grande do Sul e de Porto Alegre, provoca a pensar na relação entre a cidade e a natureza, área construída e corpos d'água, prevenção e mitigação. O projeto de lei da revisão, que Melo queria remeter ao Legislativo após a eleição, ficará para 2025, com uma Câmara sob nova composição.
Embora a Capital tenha um Plano de Ação Climática que analisa "riscos e vulnerabilidades climáticas" da cidade como um todo, a real adaptação acontece na soma das ações locais. É assim que o planejamento urbano pode cumprir seu papel de indutor do desenvolvimento sustentável, promovendo incentivos às boas práticas, fazendo valer a função de frear avanços indiscriminados sobre os espaços verdes a serem preservados, e fiscalizando práticas divergentes dos objetivos da cidade.
Para 2025, caberá à sociedade em Porto Alegre - e em todos os outros municípios gaúchos onde planos diretores serão elaborados ou revisados a partir deste ano - acompanhar e cobrar coerência entre o desenvolvimento urbano planejado no presente para um futuro seguro para todos.
Vai e vem da revisão
O primeiro passo do atual trâmite do Plano Diretor de Porto Alegre, que deveria ter sua revisão aprovada entre 2019 e 2020, foi dado somente no segundo semestre de 2019. Contando com o ano seguinte para os debates e a realização dos estudos, o então prefeito Nelson Marchezan Junior (PSDB, 2017-2020) assumiu o risco de correr contra o prazo. E, com a emergência sanitária da Covid-19, viu seu governo encerrar sem interferir de maneira significativa no planejamento urbano da Capital.
Com as atividades participativas suspensas entre março de 2020 e o fim de 2021, a revisão pouco andou nestes dois anos. Em 2022, já no governo Sebastião Melo, a prefeitura decidiu abrir mão das tratativas com a Ufrgs, que auxiliaria na elaboração de estudos.
Por meio do Pnud (órgão da ONU com o qual mantem convênio para intermediar a contratação de consultorias), passou a contar com apoio da Ernst & Young.
Entre o fim de 2022 e o ano seguinte, a revisão retomou algum fôlego com a realização de seminários, conferências, oficinas e reuniões em grupos, além do início da apresentação de estudos e propostas a serem seguidas no planejamento urbano da Capital.
O cenário mudou com 2023 quase fechando as portas. Prorrogando o mandato dos integrantes do Conselho do Plano Diretor por mais de três anos, o governo Melo foi instado pela justiça a realizar eleições para definir os representantes comunitários e da sociedade civil no colegiado e, somente após, dar continuidade ao trâmite.
Com o processo parcialmente parado, a atenção se voltou às eleições, no início do ano, que alcançaram número recorde de inscritos e votantes. A posse do colegiado, em abril de 2024, não aconteceu em tempo suficiente para garantir a retomada das atividades, sendo novamente impactada, desta vez pelo evento climático extremo que atingiu o Estado.