Para o próximo ano, o Rio Grande do Sul deve contar com um maior detalhamento das ações que poderá adotar para mitigar os efeitos das mudanças climáticas. O Plano de Transição Energética Justa do Rio Grande do Sul, contratado pelo governo gaúcho com a empresa WayCarbon e o Centro Brasil no Clima (CBC), tem a conclusão prevista para ocorrer em novembro de 2025. O investimento nesse levantamento será de R$ 2,3 milhões.
A secretária estadual do Meio Ambiente e Infraestrutura, Marjorie Kauffmann, ressalta que entre os focos dessa iniciativa está o detalhamento das possibilidades futuras para a região carbonífera do Estado, já que a economia dessa localidade é ainda muito vinculada ao aproveitamento da fonte fóssil.
A secretária foi a representante do governo do Rio Grande do Sul na Conferência do Clima da Organização das Nações Unidas (COP29), realizada recentemente no Azerbaijão. Ela comenta que, durante o encontro, foi muito mencionado o tema da responsabilidade dos diversos entes federais com a governança ambiental. "Principalmente, os atores municipais e estaduais foram vistos e ouvidos na COP 29 para pensar nas políticas que de fato vão fazer alguma diferença nas metas a serem alcançadas e na adaptação e resiliência das comunidades para que possamos sobreviver a esse momento de mudanças climáticas que tem ocorrido, em especial, no Rio Grande do Sul", diz Marjorie.
Em relação aos objetivos assumidos pelo Brasil, a secretária lembra que o País se comprometeu em reduzir entre 59% e 67% das suas emissões líquidas de efeito estufa até 2035, em relação aos níveis de 2025. Particularmente quanto ao Rio Grande do Sul, ela frisa que o Estado tem uma série de medidas que buscam a diminuição das emissões, como é o caso do crescimento da geração de energia eólica, solar, hídrica e, futuramente, a produção de hidrogênio verde (combustível que é obtido por meio de eletrólise através da geração de energia por fontes renováveis).
A presidente do Sindicato da Indústria de Energias Renováveis do Rio Grande do Sul (Sindienergia-RS), Daniela Cardeal, complementa que a transição energética não envolve apenas a questão da geração elétrica, mas também a alteração do uso de combustíveis no setor de transportes e promover uma mudança justa economicamente.
No Rio Grande do Sul, a dirigente concorda que uma das ferramentas que poderá auxiliar em amenizar os impactos no clima é o hidrogênio verde. "Ele vai poder contribuir tanto na redução de carbono no segmento do agronegócio, como no setor veicular, esse é um grande diferencial", assinala a dirigente.
Ela acrescenta que para o Rio Grande do Sul não perder oportunidades na área de transição energética, é necessário também que sejam mantidos os investimentos no campo da transmissão de energia. Para isso, Daniela frisa que é preciso que o Estado esteja presente no planejamento do governo federal previsto para esse segmento, nos próximos anos.
A dirigente ressalta ainda que um dos focos da transição energética será atender fatores como segurança no fornecimento de energia, preço competitivo e compromisso com a preservação ambiental. Dentro desse perfil, a presidente do Sindienergia-RS vê possibilidades para projetos hidrelétricos e de biomassa (matéria orgânica). Já quando diz respeito às grandes potências, Daniela aponta a fonte eólica como a que tem maior potencial para se desenvolver no Estado, durante o processo de transição energética.
"O Rio Grande do Sul está com cerca de 6 mil MW em projetos (eólicos - o que representa três vezes mais do que a potência instalada de empreendimentos dessa natureza atualmente operando no Estado) em estágio avançado de licenciamento ambiental e temos todo um setor de offshore (mar) para ser explorado", indica a representante do Sindienergia-RS. Com essas possibilidades sendo confirmadas, a dirigente considera que o Rio Grande do Sul pode "virar a chave" e passar de um estado "importador" de energia de outras regiões do País para se tornar um "exportador".
Eletricidade será uma das ferramentas para a substituição dos combustíveis fósseis
Planejamento do setor elétrico será mais complexo com a entrada de novas fontes de energia como a solar
JO?O MATTOS/ARQUIVO/JCTanto na mobilidade, como em outras atividades, a eletricidade será uma importante alternativa para reduzir cada vez mais o uso das fontes fósseis. O engenheiro especialista em planejamento energético e ambiental e ex-presidente da CEEE, Vicente Rauber, considera que o carro elétrico deverá ser uma das maiores revoluções dessa época.
"Nas grandes cidades, como é o caso de Porto Alegre, dois terços da geração de gases de efeito estufa é proveniente do setor de transporte, entenda-se gasolina e diesel, fundamentalmente", comenta Rauber. Dentro desse cenário, ele prevê que haverá a valorização ainda maior da energia elétrica, que será capaz de amenizar a geração de gases de efeito estufa.
Rauber recorda que o Brasil apresenta uma vantagem nessa área, já que a maioria da geração elétrica no País é proveniente de fontes renováveis como hídrica, solar, eólica e biomassa. Em 2023, o ex-presidente da CEEE lembra que 93% da energia elétrica produzida em território nacional ocorreu através de fontes renováveis.
Esse panorama, ressalta o engenheiro, não é acompanhado por outras nações do mundo, que ainda são muito dependentes de insumos como carvão e óleo. "Mas, é mais um motivo para pressionar que esses países reduzam ou até eliminem o uso desses combustíveis substituindo-os por energia elétrica de fontes renováveis", defende.
O engenheiro, que também já exerceu o cargo de diretor financeiro e administrativo da Refinaria Alberto Pasqualini (Refap), argumenta que a eletricidade pode ser aproveitada ainda para substituir os combustíveis fósseis, além do setor de transporte. Um dos exemplos citados nesse sentido é a própria refinaria gaúcha, que pretende eletrificar uma de suas caldeiras para diminuir as emissões do seu processo produtivo. No caso do Rio Grande do Sul, Rauber vê como um enorme desafio a ser resolvido o emprego do carvão (o Estado concentra 89% das reservas nacionais do mineral). "O carvão pode ter outras utilidades que não a termeletricidade, que é muito geradora de poluição", afirma o engenheiro.
Quanto à mobilidade elétrica, o diretor de eólicas do Sindienergia-RS, Guilherme Sari, argumenta que, atualmente, ainda há obstáculos a serem superados, como a oferta de pontos de carregamento. "Porém, essa é uma demanda que vai crescer com o tempo", prevê o dirigente.
Para o diretor do Sindienergia-RS, o planejamento do setor elétrico nacional cada vez se tornará mais complexo com a entrada de novas fontes de energia, como a solar e a eólica, e novos aproveitamentos dessa geração. Soma-se a isso, o fato que os sistemas de contratação da geração de energia também ficaram mais diversificados.
Sari projeta que entre 2027 e 2029 o consumo de energia deverá aumentar no País e o Rio Grande do Sul precisará ter margem de escoamento de energia, para evitar problemas que ocorreram no passado, quando o atraso de obras de transmissão impactou o setor, impedindo a profusão de novas usinas.
Sobre a velocidade da transição energética, Rauber argumenta que, historicamente, o fator que acelera ou retarda o uso da energia renovável é o preço do petróleo. "Contudo, há alguns anos, esse não tem sido o único elemento. Hoje, o principal vetor é o reequilíbrio da natureza que a gente tem que promover", aponta o engenheiro. Para ele, a natureza já deu mais do que sinais de que é preciso encontrar um reequilíbrio. "Ela gritou para nós", enfatiza.