Após um ano de 2024 em que a Bolsa apresenta um desempenho aquém do esperado em relação às projeções iniciais, com desvalorização de cerca de 7% no ano (até o dia 13 de dezembro de 2024), os analistas do mercado adotam uma postura de cautela para 2025. Ou seja, nem tanto otimismo, nem tanto pessimismo.
Sob a ótica do copo meio vazio, o mercado vê um cenário macroeconômico difícil com uma taxa Selic em tendência de alta, inflação pressionada, risco fiscal elevado e desaquecimento da economia. Na visão do copo meio cheio, está o cenário micro positivo, com ações brasileiras com bom valuation, empresas aumentando a sua receita e gerando dividendos aos investidores.
"Olhando para a Bolsa, temos uma visão neutra para 2025. Por um lado, entendemos que as ações brasileiras seguem atrativas, já que empresas mantêm fundamentos sólidos e níveis recordes de retorno aos acionistas. Por outro, juros mais altos trazem risco de ajustes baixistas nas expectativas de lucros para 2025", resume Julia Aquino, Estrategista Quantitativo da XP.
Conforme o Boletim Focus divulgado nesta segunda-feira, dia 16, a previsão do mercado financeiro para a taxa básica de juros, a Selic - hoje em 12,25% - é que chegue a 14% ao ano até o fim de 2025. Historicamente, ciclos de alta de juros tendem a penalizar a Bolsa, uma vez que, com juros mais altos, os investidores alocam seus recursos em ativos de renda fixa e diminuir em renda variável.
Por todos esses reflexos gerados à Bolsa, a condução da política monetária pelo Banco Central no próximo ano será observada de perto pelo mercado, já que será comandada por um novo presidente. Sai Roberto Campos Neto, entra Gabriel Galípolo.
Para o economista e head de renda variável da Fami Capital, Gustavo Bertotti, ainda é cedo para avaliar como será a conduta de Galípolo à frente da autarquia. Ele observa, porém, que o momento é de uma postura hawkish (agressiva) por parte do BC, jargão econômico utilizado para indicar uma tendência de subir juros para conter a inflação.
Inflação acima da meta e dólar alto preocupam agentes do mercado
Ainda de acordo com o mais recente Boletim Focus, pesquisa divulgada semanalmente pelo BC com a expectativa de instituições financeiras para os principais indicadores econômicos, a projeção da inflação para o próximo ano subiu de 4,59% para 4,6%, ou seja,acima do teto de 4,5% do sistema de metas previsto para o próximo ano.
"O cenário do ano que vem é uma inflação crescente, principalmente, durante o primeiro semestre. Com isso, o Banco Central vai ter que atuar, ter pulso firme e não ceder às pressões políticas do governo", afirma o economista Gustavo Bertotti, enfatizando a importância da preservação da autonomia do BC, representada pela Lei Complementar 179, que vigora desde 2021.
A desvalorização do real ante o dólar, que já supera o patamar de 20%, contribui para essa análise de inflação pressionada no próximo ano. Levantamento feito pela agência classificadora de risco Austin Rating mostra que o real está entre as oito moedas que mais perdeu valor frente ao dólar em 2024.
O movimento de alta do dólar se intensificou desde o anúncio do pacote de ajuste de gastos do governo federal, no fim de novembro, que, para boa parcela do mercado, veio com medidas aquém do esperado.
"O governo demorou mais de dois meses para apresentar as medidas de corte de gastos e o anúncio veio com bastante ruído ao trazer a questão de isentar o imposto de renda de pessoas que ganham até R$ 5 mil por mês sem apresentar os cálculos de como fará isso sem comprometer as contas públicas", pontua Bertotti.
Além do risco doméstico mais alto, a tendência de depreciação do câmbio observada neste ano e que deve seguir no próximo ano se explica também, conforme relatório "Onde investir em 2025" da XP Research, pela valorização global do dólar com a vitória de Donald Trump nos Estados Unidos e pela queda dos preços das commodities exportadas pelo Brasil (grãos, petróleo, minério de ferro), que caíram cerca de 15% no acumulado do ano.
A previsão de cotação do dólar está em R$ 5,99 para o fim deste ano, aponta o relatório Focus. No fim de 2025, estima-se que a moeda norte-americana fique em
R$ 5,85.
Setores para ficar de olho no novo ano
Setores mais afetados pelo aumento da Selic são Mineração e Siderurgia, Transportes e Propriedades Comerciais
GEORGE FREY/AFP/JC
Com o cenário macroeconômico posto, o economista e head de renda variável da Fami Capital, Gustavo Bertotti, sugere que os investidores da Bolsa devam priorizar para o próximo ano empresas reconhecidas por terem bons fundamentos e com forte geração de caixa, que acabam sendo menos impactadas com um clima econômico desfavorável. Assim, ele vê companhias com essas características em setores como celulose, sistema financeiro e agro. "Empresas que têm parte da receita em dólar, em um momento que o câmbio encontra-se nesse patamar, também tendem a ser mais resilientes neste cenário", acrescenta Bertotti.
Na mesma linha, Julia Aquino, estrategista quantitativo da XP, pontua que foi feita uma análise que mostrou que nos últimos seis ciclos de alta de juros, o retorno médio do Ibovespa foi de -7,3% (se excluir a alta durante pandemia, média é de -10,9%). "Assim, preferimos um posicionamento focado em nomes de carrego e forte dinâmica de lucros, com alavancagem financeira baixa, particularmente nomes dolarizados", diz
Segundo ela, com a taxa Selic aumentando, foi feita uma análise de sensibilidade dos lucros das empresas na cobertura da XP para entender melhor o impacto potencial para as ações brasileiras. Esta análise considerou três fatores principais: o impacto nos lucros, o índice preço/lucro projetado e a alavancagem medida pela relação Dívida Líquida/EBITDA de 2025.
"Assim, identificamos que os setores mais afetados pelo aumento da taxa Selic são Transportes, Propriedades Comerciais, e Mineração & Siderurgia. Esses setores são particularmente sensíveis a mudanças nas taxas de juros devido à sua dependência de financiamento e à dinâmica de gastos dos consumidores. Os setores que são menos impactados incluem Bens de Capital, Alimentos & Bebidas e Agro. Esses setores têm sua estrutura de dívida atrelada a outro índice (como a inflação), possuem hedge efetivo e/ou têm dívida em moeda estrangeira", resume.