Dos assuntos que estarão na pauta das eleições municipais de 2024 em Porto Alegre, um já está carimbado: o Plano Diretor. Isso porque o prefeito Sebastião Melo (MDB) decidiu que enviará para a Câmara a proposta de revisão da lei somente após as eleições municipais "mesmo que (o projeto) fique pronto antes".
Pelo calendário da prefeitura, dezembro de 2023 marcaria a realização da audiência pública, seguida do envio do projeto de lei para a Câmara. No entanto, segundo o governo, o texto que será enviado ao Legislativo ainda não está pronto. "Não concluímos a elaboração da minuta porque entendemos que restam pendentes alguns momentos de debate", informa o secretário de Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade, Germano Bremm, que está à frente dos trabalhos da revisão.
O cenário repete a projeção feita para o ano de 2020, quando se esperava que o trâmite dessa matéria tivesse espaço no debate eleitoral. No entanto, a pandemia de Covid-19, que ditou o rumo das discussões naquele pleito, motivou a suspensão temporária da revisão da lei que trata do planejamento urbano da cidade. O Plano Diretor pouco foi lembrado na campanha.
Em 2020, a atenção do público estava focada nos assuntos em torno da pandemia. Também contribuiu para a falta de espaço dedicado ao Plano Diretor o fato da revisão estar ainda em estágio inicial. O processo havia começado no segundo semestre de 2019 com oficinas comunitárias e foi suspenso logo no início de 2020, em março, devido à crise sanitária. As atividades participativas foram retomadas no fim de 2021.
Mas, se há quatro anos o Plano Diretor apareceu de maneira tímida nas propagandas de rádio e televisão, sendo abordado pelos candidatos apenas quando provocadas por adversários ou pela imprensa, a expectativa é que no próximo ano as campanhas eleitorais dediquem maior protagonismo ao assunto.
Essa avaliação explica, em partes, a decisão de Melo de postergar o envio do projeto para a Câmara - e assim empurrar a apreciação da matéria para o fim do próximo ano. Há um grande receio, por parte do prefeito, de "contaminar um debate que é do presente e do futuro da cidade". O inverso também é válido, já que há receio, ainda que não tão explícito, de que um assunto polêmico como o Plano Diretor domine a eleição.
Uma vez que estiver no Legislativo, a proposta de alteração da lei será tratada publicamente e receberá mais atenção da mídia, dos movimentos sociais, das entidades empresariais e, especialmente, dos vereadores. Se esse momento coincidir com a campanha à prefeitura e à Câmara, as negociações das alianças partidárias tendem a se confundir com o apoio ou não ao projeto de lei.
Soma-se a isso o contexto atual da revisão: desde outubro está suspenso o funcionamento do Conselho do Plano Diretor, atendendo a uma determinação da Justiça para realizar eleição e escolher novos representantes da sociedade para compor o colegiado. Contudo, a liminar que trata do caso coloca dúvida sobre a validade do andamento do processo até o momento, o que motiva a decisão da prefeitura de frear o trâmite.
Porto Alegre : debate profícuo para a cidade
"O importante para nós é que saia um Plano Diretor bem conversado", sustenta Claudio Teitelbaum, presidente do Sinduscon-RS, sobre postergar o envio da proposta de revisão para a Câmara para depois das eleições municipais de 2024. "Temos que fugir da politização, (pois) o Plano Diretor é uma decisão técnica", sustenta.
Empresário do setor da construção civil, Teitelbaum é o porta-voz do movimento Porto Alegre , que reúne mais de 40 entidades representativas do comércio e varejo, indústria, serviços, turismo, urbanismo, empreendedorismo e inovação na cidade. Lançada em novembro deste ano, a iniciativa busca contribuir com a prefeitura nos debates envolvendo a tramitação e a implementação da lei que rege o planejamento urbano na Capital.
Alinhado com a condução que o governo municipal dá para a pauta, o movimento Porto Alegre , embora reconheça a validade da decisão Judicial, avalia que ela se deu "abastecida por (argumentos de) movimentos políticos que parecem ser contra o desenvolvimento da cidade". Assim, o porta-voz entende que o adiamento "é prudente em nome da segurança jurídica do processo", explica.
Sobre os quatro anos em que a lei está em discussão, Teitelbaum aponta o entendimento do grupo de que o tema já foi suficientemente debatido. Ainda assim, projetando o próximo ano, o porta-voz do movimento acredita que "vai ser um debate bastante profícuo para a cidade", especialmente pelo potencial de envolver os candidatos ao Legislativo por saberem que o Plano Diretor será votado logo após a eleição.
Atua POA: oportunidade para revisar o processo
Acompanhando o processo de revisão do Plano Diretor desde o início trâmite, em 2019, o coletivo Atua POA, formado por mais de 80 grupos da sociedade civil, como entidades de classe e movimentos sociais, entende que "a etapa de leitura da cidade não foi finalizada e, antes de proposições, é preciso fazer um diagnóstico da realidade urbana de Porto Alegre com a participação da sociedade". Quem apresenta essa visão é a arquiteta e urbanista Maria Dalila Bohrer, integrante da Comissão Cidades do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB-RS) e do Atua POA.
Caso sejam seguidos os relatórios apresentados pela consultoria que presta apoio à prefeitura, a lei do Plano Diretor terá um novo modelo espacial, o plano regulador (que define as alturas, por exemplo) será separado do corpo da lei e será elaborado um código de urbanismo. Isso, porém, "não corresponde à cidade que a gente vê", pondera Maria Dalila.
Como exemplo, ela cita o alerta feito para o poder público "ver as áreas de ocupação irregular, o que não aconteceu". O mesmo vale para as alterações na lei que rege o planejamento urbano da cidade feitas especificamente para o Centro e para o 4º Distrito.
Assim, o novo prazo definido pelo governo para enviar a proposta para a Câmara é visto como "uma oportunidade de revisar esse processo, para que a comunidade tenha mais espaço". Para a representante do Atua POA, mesmo que o texto não seja apreciado antes de outubro, o adiamento da revisão para 2024 "vai ser uma pauta muito forte da eleição".