Sob o impacto das chuvas que têm ocorrido em volume acima do ideal para o período, o agronegócio gaúcho deverá ter um 2024 desafiador. Com estimativa de forte quebra na safra de milho e a consolidação dos prejuízos no trigo, a melhor expectativa recai sobre a soja, cultura que pode, ainda, oferecer um rendimento próximo ao planejado. A oferta ajustada sustenta preços mais atrativos ao produtor, mas sem euforia, projetam analistas do mercado agropecuário.
O próximo ano será ainda de dificuldades. Espera-se uma tímida retomada do poder de compra do produtor frente a 2023, mas ainda muito abaixo dos parâmetros de 2020 e 2021, diz Índio Brasil, sócio proprietário da Solo Corretora de Cereais, de Ijuí. Com base nas informações obtidas junto a produtores e cooperativas de grãos com as quais atua, ele calcula uma safra de soja próxima da normalidade.
"O excesso de chuvas não permitirá um novo recorde, mas a expectativa é de que possamos ver uma produção acima de 20 milhões de toneladas no Rio Grande do Sul. Os preços deverão se estabilizar um pouco abaixo dos atuais, que são remuneradores ao produtor em níveis maiores que 2023 devido aos menores custos de produção."
Luiz Fernando Roque, analista de soja da Safras & Mercado, concorda com o cenário para a oleaginosa. De acordo com ele, apesar do atraso na semeadura, já que a chuva e a umidade dificultam a entrada das máquinas nas lavouras, a produção gaúcha irá se recuperar frente a 2023.
"Não dá para falar em grandes problemas ainda. Obviamente que o clima tem que ajudar. Estamos com 75% da área plantada, e sabemos que estava faltando um pouquinho de luminosidade em algumas regiões, tem excesso de umidade, mas não dá para falar em perdas produtivas importantes ainda", aponta.
Roque alerta, entretanto, para o comportamento das cotações. É que, assim como o Estado deverá ter uma colheita volumosa do cereal, a safra brasileira também será grande, mesmo com a redução projetada principalmente em Mato Grosso, devido à estiagem. Apesar de menor que a previsão inicial, a produção nacional deve chegar a 158 milhões de toneladas de soja.
Além disso, a Argentina deve voltar com força para o mercado. "E a Argentina vem de uma quebra histórica. Então, tudo leva a crer que eles obterão uma produção no mínimo o dobro do que em 2023. Serão pelo menos 25 milhões de toneladas a mais no mercado. E é isso que é um vetor negativo para preço, que serão mais baixos no primeiro semestre de 2024, porque a produção sul-americana vai ser maior", avalia.
O analista pondera que a cotação da saca de soja deva cair durante o período de colheita, entre janeiro e fevereiro.
Em relação ao milho, Índio Brasil, da Solo, vislumbra uma produção bem abaixo das expectativas iniciais. "O excesso de chuvas e a falta de sol impediram uma melhor performance. Estima-se em mais de 30% de quebra ante o potencial original, o que trará a safra para a casa de 5 milhões de toneladas e preços que não agradam os produtores".
O RS deverá colher em torno de 5,3 milhões de toneladas de milho, bem acima das 3,7 milhões da safra passada, mas abaixo das das 8 milhões de toneladas projetadas.
Quebra histórica no trigo desafia resiliência dos produtores
Cultivo do trigo foi prejudicado pelo excesso de chuva registrado no Estado
MIGUEL MEDINA/afp/jcConsiderada uma das piores safras dos últimos 25 anos, a produção de trigo volta a ficar ameaçada. A performance desastrosa da colheita que está sendo finalizada, na comparação com os dois períodos anteriores de volume e qualidade dos grãos, coloca à prova a resiliência dos produtores para as próximas semeaduras.
Com potencial inicial estimado em 5,4 milhões de toneladas, a colheita do cereal está sendo concluída no Rio Grande do Sul em cerca de 3,3 milhões de toneladas. E, desse total, entre 70% e 75% são grãos que não terão qualidade suficiente para serem utilizados pelas moageiras, e acabarão destinados para ração animal. "Então, isso traz uma realidade. Depois de dois anos em que o RS vendeu muito trigo no mercado internacional, voltaremos a importar. Isso porque, com exceção de algumas regiões mais a Oeste, nas Missões, que conseguiram colher algum trigo bom, no resto a qualidade foi lá para baixo, porque choveu muito", diz Élcio Bento, analista da cultura na empresa Safras & Mercado.
Segundo ele, os preços recuperaram até onde poderiam ir e, agora já estão no momento em que, se subirem muito, importar será mais vantajoso para as indústrias. Não há espaço para aumentar preços, que irão ficar inferiores ao passado e em uma situação também de menor produção. "Temos preços que não podem subir muito mais porque já estão equiparados com o produto que virá da Argentina. Então, a safra é bastante complicada em termos climáticos. Tivemos muito trigo prejudicado pelo excesso de chuva. Em termos de preços, está, ainda, acima da média, mas bem abaixo do ano passado", avalia Bento.
O analista da Safras vê risco de redução na área de plantio para a próxima safra, por conta do desestímulo aos produtores em função da memória recente de perdas. "É difícil falar em termos de produção, mas, ao que tudo indica, o produtor vai estar menos animado para voltar a plantar depois de ter perdido uma safra com a deste ano".
A percepção coincide com a análise do sócio proprietário da Solo Corretora de Cereais, de Ijuí, Índio Brasil. Com baixa produtividade e qualidade nesta safra de trigo, os preços desabam e desanimam os triticultores. "Infelizmente, a expectativa para o futuro será de redução de área de cultivo. É inevitável o desestimulo", finaliza.