Eleito para um novo mandato como governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB) projeta anunciar um novo ciclo de investimentos com recursos do Estado em 2023.
A ideia do tucano é concluir no próximo ano aportes do
Programa Avançar, anunciado no ano passado e que, neste ano, deverão chegar R$ 5 bilhões. A soma de obras executadas até 2023 deve ir a R$ 6,5 bilhões.
Paralelamente, Leite espera formatar um pacote de novos projetos para os anos seguintes de governo, a serem executados a partir de 2024. Além de recursos de privatizações - a próxima, da Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan), cujo leilão pode ocorrer na segunda-feira, tem lance mínimo de R$ 4,1 bilhões -, o Estado projeta R$ 1,5 bilhão ao ano de aporte com recursos próprios. Mas esse valor pode ser reduzido em função do impacto na receita com a redução das alíquotas de ICMS de combustíveis, energia e telecomunicações, de 25% para 17%.
A tendência é que o percentual siga, mas não há um acordo de como a União compensará os estados e municípios. Se não houver repasse ou contrapartida federal, a tendência é que o Estado reduza os investimentos para manter o equilíbrio fiscal.
Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, o governador eleito ainda projeta ações prioritárias na educação em 2023, comenta a reestruturação de secretarias, novos blocos de concessão de rodovias estaduais, o andamento de grandes projetos privados para o Rio Grande do Sul e fala de iniciativas de desburocratização e simplificação tributária.
Jornal do Comércio - Qual é o objetivo da reestruturação do governo, com divisão de algumas secretarias estaduais?
Eduardo Leite - Estamos fazendo uma revisão geral da estrutura do governo. Neste último ciclo, o desafio era fiscal, arrumar as contas, reorganizar o Estado. Uma vez que o Estado tenha retomado a capacidade financeira de investimentos, se tornou evidente a dificuldade operacional, em função da estrutura de secretarias finalísticas. O Estado fortaleceu-se na crise na área da Fazenda e da Procuradoria (Geral do Estado), e as secretarias finalísticas se fragilizaram. Então, estamos reorganizando o Estado para ter capacidade de entregas com mais agilidade, é o foco desse próximo ciclo do governo. Agora que temos recursos, temos que ser capazes de fazer investimento.
JC - O governador Ranolfo Vieira Júnior (PSDB) projeta executar R$ 5 bilhões até o fim do ano. E liberar R$ 1,5 bilhão para o próximo ano. O senhor planeja concluir todo o Avançar em 2023?
Leite - Tem projetos com especificidades, estamos promovendo essa revisão, mas a ideia é buscar a conclusão do ciclo de investimentos do Avançar em 2023.
JC - Executar R$ 6,5 bilhões do Avançar até 2023?
Leite - Execução completa do Avançar até o final do próximo exercício. E paralelamente buscar, até o início do segundo semestre, lançar um novo pacote de investimentos desse novo ciclo de governo.
JC - Seria para execução nos anos seguintes, depois de 2023?
Leite - Exato. O grande desafio do ano que vem é concluir esse ciclo de investimentos e lançar o novo ciclo. Com a nova estrutura, no primeiro semestre, vamos trabalhar no lançamento das bases dos programas estruturantes do novo ciclo de governo, buscando consolidar a estrutura de investimentos, para no segundo semestre apresentar o grupo de investimentos que pretendemos fazer nos anos seguintes. E, paralelamente, resolver questões fundamentais, como a receita do Estado, em função da queda das alíquotas de ICMS, a privatização da Corsan.
JC - O recurso da privatização da Corsan vai ser carimbado para investimentos do Estado?
Leite - A legislação estabelece que recursos de privatização não podem ser utilizados no custeio, tem que ser utilizado para amortizar dívida ou para investimento. O que se pretende é que o recurso da privatização da Corsan vá financiar investimentos.
JC - Alguma outra fonte de receita para investimentos?
Leite - Garantindo o equilíbrio das contas do Estado, tem o superávit desse ciclo que está se encerrando, ainda não temos números fechados. E no Regime de Recuperação Fiscal tínhamos uma projeção original, nas receitas previstas pelo Estado, de algo em torno de R$ 1,5 bilhão para investimentos por ano. Claro, essa realidade se altera na medida em que há redução das alíquotas, interfere nas contas do próprio Regime de Recuperação Fiscal.
JC - Qual é a solução para a queda de receita com a redução das alíquotas de ICMS? Podem ser mantidas, mas a compensação ainda não está bem definida.
Leite - Pois é isso que estamos aguardando definição. Estamos no momento de incertezas em relação às receitas do Estado, tendo em vista este equivocado encaminhamento. A redução das alíquotas é desejada, mas a forma como foi feita, punindo a receita dos entes subnacionais... Aguardamos o desfecho, como será feita a compensação, se com recursos transferidos da União para estados, com redução do pagamento da dívida ou na compensação da dívida que seria paga pelo Estado. Estamos em um momento de incerteza sobre parcela significativa do orçamento.
JC - O senhor já falou com outros governadores eleitos?
Leite - A preocupação é comum. Em 2019, trabalhávamos com uma realidade própria de dificuldade financeira. A diferença, agora, é que os desafios não são exclusivos nossos, outros estados estão enfrentando o mesmo tema. É de preocupação nacional, de prefeitos, governadores. Por isso nos gera a expectativa de que haja solução comum a ser trabalhada entre União e estados.
JC - Mesmo com essa incerteza, a projeção é de que dê para equilibrar as contas. O orçamento de 2023 prevê R$ 3,7 bilhões de déficit, mas a ideia é terminar pelo menos com déficit zero.
Leite - O Estado estará com as contas em ordem em 2023. A diferença é que se tivermos as receitas subtraídas do Estado por esta decisão (de reduzir o ICMS) restabelecidas, seja na forma de compensação, seja parte da arrecadação do imposto, por acordo no STF, vamos poder aumentar investimentos. Ou seja, onde o Estado pode cortar? Fizemos reformas na máquina pública, revisão das carreiras, reforma da Previdência... A despesa com a folha de pagamento caiu de 2019 a 2021, de 78% da receita corrente líquida para 58% da receita corrente líquida do Estado. Então, fizemos as reformas possíveis, o servidor já deu sua parcela de contribuição para buscar o reequilíbrio das contas. Daí para frente, onde o Estado consegue contingenciar são nos investimentos. O restabelecimento das receitas virá em favor de investimentos no Estado.
JC - As concessões de rodovia que ficaram para 2023, serão feitas em um momento em que o mercado esteja mais confiante?
Leite - O cenário é de expectativas em relação ao novo governo federal, a política econômica e cenário de juros, custos na tomada de financiamentos para investimentos em obras de infraestrutura. Gera esta condição de stand by dos investimentos mais vultosos em infraestrutura por parte do setor privado. Nas concessões de rodovias, temos a revisão do bloco 1, por conta da decisão, depois de ouvir a comunidade, de que a ERS-118 não tenha praça de pedágio. Isso vai ensejar uma revisão do projeto. E no bloco 2, revisões pontuais sobre posicionamento de praças de pedágio. Esperamos ter condições de lançar os editais no 1º semestre.
JC - E se tiver sinalização do mercado, de que o ambiente é "vamos aguardar". O Estado pode esperar para lançar editais?
Leite - Naturalmente, queremos participação intensa de empresas. Se o ambiente não for favorável, fazer algum tipo de revisão, mas nossa expectativa é lançar no primeiro semestre.
JC - Do ponto de vista tributário, tem previsão de novos setores serem retirados do regime da Substituição Tributária (ST) do ICMS no próximo ano?
Leite - É um esforço contínuo que a Secretaria da Fazenda tem feito, conversando com setores econômicos para a evolução, a inteligência de dados para melhorar a fiscalização da Secretaria da Fazenda sobre o ICMS. E que nos permite avançar na retirada da Substituição Tributária em determinados produtos. Vários já foram feitos nesse ciclo de governo, vamos continuar nesse esforço.
JC - E na simplificação tributária, qual é a meta pra 2023?
Leite - Nosso esforço é, até 2024, que a emissão da nota fiscal se torne a única obrigação do contribuinte, tirando guia de informação e apuração como obrigação acessória, por exemplo. É uma evolução que vai acontecendo. Recentemente, empresas optantes do Simples passaram a poder emitir a nota através do aplicativo nota fácil, simplificando bastante a operação. É um processo contínuo de facilitação para que a energia do empreendedor fique em como ampliar negócios e gerar empregos, e não em como administrar a relação com o Fisco.
JC - Nessa questão de ambiente de negócio, está prevista a criação de uma Agência de Desenvolvimento. Avançou esse projeto durante a transição?
Leite - Nossa ideia é constituirmos algo com a participação do governo, mas fora da estrutura do governo, em parceria com o setor privado.
JC - Então não vai ser subordinada à Secretaria Estadual de Desenvolvimento?
Leite - Não, ainda está se fazendo o bechmarking, olhando o funcionamento de outras agências de promoções, experiência exitosas. Naturalmente terá relação próxima com a Secretaria do Desenvolvimento, trabalhar com muita sinergia, mas não com uma relação de subordinação, não será uma estrutura estatal.
JC - Vai ser implementada com o governo já em andamento?
Leite - Com a estrutura nova, o governo vai trabalhar na implementação dessa política de promoção comercial, uma agência estruturada, vamos dialogar com o setor privado para que se constitua fora do governo, mas com participação do governo.
JC - Há grandes projetos privados com avanços previstos para 2023. Usinas eólicas que poderão ser construídas, já que em março os blocos de linhas de transmissão deverão estar concluídos. Que atenção o governo dará a esses projetos em 2023?
Leite - A atenção vem desde o início deste ciclo de governo, trabalhamos para agilizar processos de licenciamento ambiental das linhas de transmissão, responsáveis por destravar, viabilizar investimentos em geração de energia, porque não havia como escoar a energia, por falta de linha de transmissão. O esforço do governo está na facilitação dos processos de licenciamento para esses empreendimentos de geração de energia, de investimento relevante e geradores de um grande volume de empregos.
JC - O complexo a gás em Rio Grande, com a mudança no governo federal, Ministério de Minas e Energia, Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), pode atrasar? Ou pode ser positivo para o projeto do Grupo Cobra sair do papel em Rio Grande?
Leite - A relação que se estabelece para viabilizar o empreendimento da termelétrica a gás é com a Aneel, órgão de Estado. Esperamos que os desdobramentos sejam em favor do investimento, que interessa ao Rio Grande do Sul e ao Brasil. Esperamos que a troca de governo não gere sobressaltos. E que a relação com o governo eleito, através dos responsáveis para Minas e Energia, seja em favor do empreendimento, que é socialmente e economicamente muito relevante.
JC - Hidrogênio verde é um projeto com um horizonte de 10 anos. Tem algum marco de avanço previsto para 2023?
JC - Com a McKinsey...
Leite - Isso, a McKinsey foi contratada, vai estabelecer esse plano estratégico para dar viabilidade à implantação de uma usina de hidrogênio verde, que amarra todas as pontas das potencialidades e iniciativas que devem ser tomada pelo governo para dar viabilidade ao negócio.
JC - Educação é a sua prioridade nesse novo mandato. Que entregas projeta para 2023?
Leite - Começa com a reestruturação da secretaria, para aprimorar a estrutura e a performance. Na parte de infraestrutura, a Secretaria de Obras sendo reforçada com uma Subsecretaria para Obras Escolares. Tem a implementação do Parc, Plano de Alfabetização em Regime de Colaboração, em parceria com os municípios nas suas redes, um programa de alfabetização em que o Estado vai fazer um monitoramento dos resultados das escolas municipais e premiar as com melhor desempenho. E também dar apoio técnico e recursos para as escolas que observem rendimento aquém do necessário. Além do nosso grande compromisso, a ampliação do Ensino Médio em tempo integral, começar essa expansão no ano que vem a ponto de chegarmos até no final do mandato com 50% das escolas em regime de tempo integral.
JC - A sua interlocução com o governo federal tem sido como o vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin (PSB). Como está?
Leite - Tenho trocado ideias, expressado preocupações, mas também dado o espaço para um governo que está se organizando, fazendo recrutamento das pessoas, definição das estruturas. É um momento de organização das equipes que vão assumir. O diálogo é bom, mas ainda é incipiente.
JC - Mas o senhor se encontrou pessoalmente pelo menos com o Geraldo Alckmin, certo?
Leite - Sim, sim. E dois dos ministros anunciados são ex-colegas governadores, Rui Costa (PT, Bahia) será o chefe da Casal Civil, e Flávio Dino (PSB, Maranhão), será Ministro da Justiça. Então, embora tenhamos diferença do ponto de vista ideológico, sempre tivemos muito respeito e isso me deixa bastante confiante que teremos uma relação harmoniosa.
JC - O senhor já manifestou que a sua prioridade é o governo gaúcho. Mas aceitou presidir o PSDB nacionalmente em 2023. Como pretende conciliar o governo e a presidência de um partido que busca ser relevante?
Leite - As condições que estabeleci, quando recebi o apelo do partido para assumir a presidência, eram de que organizássemos de forma a não prejudicar o meu desempenho como governador, onde está o meu compromisso. E é assim que vamos fazer. Darei a minha colaboração dando diretrizes, coordenando trabalhos, mas com a operação partidária delegada a colegas do partido que vão, junto com a executiva, dar o desdobramento das decisões, para que eu possa ter a dedicação ao governo do Estado, como deve ser.