Guilherme Kolling, de Washington
A imponente sede do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) fica a poucas quadras da Casa Branca em Washington. O prédio não destoa da arquitetura elegante que marca a região da sede do governo na capital norte-americana. Mas da porta para dentro, o BID é um enclave da América Latina, onde quase todo mundo que entrou ou saiu do prédio quando a reportagem esteve no local – no fim da tarde e início da noite de quinta-feira (10) –, se comunica em espanhol, ao invés do inglês.
Nesse cenário familiar a países latino-americanos, a comitiva do governo gaúcho também teve uma boa acolhida, segundo relato do governador Eduardo Leite após o encontro. A reunião com representantes da instituição financeira internacional foi considerada positiva e mais um avanço nas rodadas de discussões sobre um empréstimo de US$ 500 milhões. As negociações acontecem, pelo menos, desde o ano passado. O Estado pretende utilizar a verba para pagar precatórios, reduzindo, assim, o estoque que hoje totaliza um passivo de R$ 16 bilhões.
O governador projetou que o financiamento será formalizado no fim de 2022, considerando a tramitação que ainda precisa vencer – autorização de órgãos vinculados ao Ministério da Fazenda, bem como a adesão ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF), projetada para ser concluída no fim do primeiro semestre deste ano –, além ser feita fora do período eleitoral. “A expectativa é assinarmos até o final deste ano. Pela Lei Eleitoral, nós não podemos fazer contratações de financiamento antes do período eleitoral. Podemos fazer na janela seguinte, ou seja, entre novembro e dezembro deste ano. Está em estágio bastante avançado”, explicou Leite.
O recurso não será repassado de uma única vez, a ideia é receber o dinheiro em duas ou três parcelas ao longo dos próximos dois ou três anos. Assim, a próxima gestão do governo gaúcho, que será eleito em outubro deste ano e cujo mandato começa em 2023, é que vai receber a maior parte do recurso.
De qualquer forma, a verba é carimbada, isto é, não pode ser utilizada para gastos da máquina pública, como custeio, nem em obras. O dinheiro precisa ser direcionado para o ajuste fiscal, como estabelece o Regime de Recuperação Fiscal. A opção do governo foi pagar precatórios, um dos dois principais desafios da década para o Rio Grande do Sul segundo Leite – o outro, de acordo com o governador, é a dívida com a União.
O plano do Executivo gaúcho é usar o recurso do BID para pagar precatoristas que fizerem um acordo com o Estado e aceitarem receber precatórios com deságio de até 40%, ou seja, ganham a preferência para ter acesso ao dinheiro de um papel que chega a levar décadas para ser pago. Mas em troca, recebem menos do que o valor de face.
Levando em conta a cotação do dólar atual e a conciliação com os credores do Estado que aceitarem o acordo, quase R$ 5 bilhões do passivo com precatórios poderá ser abatido nesta operação.
A iniciativa também é vantajosa para o Estado sob o ponto de vista de prazo para pagamento. O empréstimo tem um espaço bem mais amplo para ser quitado do que o dos precatórios. Conforme determinação da Justiça, o passivo de R$ 16 bilhões em precatórios precisa ser liquidado até 31 de dezembro de 2029, o que daria mais de R$ 2 bilhões anuais.
Além do estoque atual, são inscritos, em média, cerca de R$ 400 milhões em novos precatórios por ano. Como o Estado tem pago R$ 700 milhões por ano – reduzindo o débito em cerca de R$ 300 milhões, seriam necessários mais de 50 anos para quitar a dívida se continuasse nesse ritmo.
A saída para acelerar o pagamento foi recorrer ao financiamento e fazer o acordo com credores para reduzir o rombo. O Estado está impedido de tomar novos empréstimos pela situação estrutural das contas públicas – 2021 fechou com superávit, mas foi o primeiro resultado positivo desde 2009, ou seja, após 11 anos consecutivos de déficits. A adesão ao RRF permitiria esse primeiro empréstimo do Rio Grande do Sul nos últimos anos.
Depois da visita da comitiva gaúcha ao BID – atividade que fechou o roteiro de dois dias em Washington, a segunda etapa da agenda nos EUA – o próximo passo será uma missão avançada do Banco Interamericano ao Rio Grande do Sul. Técnicos da instituição financeira deverão vir ao Estado na próxima semana, informa o secretário estadual da Fazenda, Marco Aurelio Cardoso.