A pergunta que deve ser feita não é "isso foi provocado por mudança climática?", e sim "como as mudanças climáticas alteraram a possibilidade e a intensidade desse tipo de fenômeno extremo?". A máxima é da pesquisadora Friederike Otto, uma das responsáveis pela iniciativa "atribuição global do clima" (World Weather Attribution - WWA), colaboração internacional de cientistas para a análise de eventos climáticos. A lógica é entender o impacto que a mudança no clima tem sobre os fenômenos, pois não há mais margem para negar que está acontecendo.
Assim como em outros anos com registro de enchentes no Rio Grande do Sul, o período entre o inverno de 2023 e o outono de 2024 está sob influência do El Niño, fenômeno marcado pelas temperaturas mais altas e chuvas em excesso no sul do continente americano. Não se trata, portanto, de ignorá-lo, mas sim compreender a relação que tem com a mudança do clima. Pesquisadores do Brasil, do Reino Unido, da Suécia, dos Países Baixos e dos EUA participaram de estudo de atribuição da WWA, divulgado na segunda, que apontou a maior probabilidade e “um aumento de intensidade de 6% a 9%” das chuvas que causaram enchentes no Estado entre o fim de abril e o mês de maio devido ao aquecimento global.
E um evento climático extremo, ao encontrar fragilidades sociais e humanas no caminho, se transforma em tragédia. Moradias em áreas de risco, falta de estruturas de proteção ou de manutenção das existentes, ausência de alertas adequados e de planos de recuperação são fatores que constituem o desastre. É o cenário gaúcho no momento. Até o início de junho, 172 mortes estavam confirmadas pela Defesa Civil, 476 municípios registraram danos e mais de 2,5 milhões de pessoas foram afetadas de alguma maneira. O prejuízo para a biodiversidade é incalculável, com rios contaminados e a perda da mata, de plantações e de animais.
“Para minimizar perdas e danos, o mundo precisa estar mais bem preparado”, aponta artigo publicado em dezembro passado pela WWA com análise sobre as “condições meteorológicas extremas” de 2023 e projeção do cenário para 2024. Governos, iniciativa privada e sociedade devem, em conjunto, pactuar caminhos para a retomada da vida nas cidades e da relação do ser humano com a natureza que considere o novo normal climático.
Anos mais quentes
Em 2015 o mundo registrou pela primeira vez temperatura média 1ºC acima do nível pré-industrial. Em 2023, 1,45ºC, muito próximo do 1,5°C estabelecido pelo Acordo de Paris como limite a ser atingido até o fim do século.
Quando se fala de aumento da temperatura, a referência é a média até o período pré-industrial (para a ONU, entre 1850 e 1900). A partir de então, aumentou a emissão de gases poluentes na atmosfera devido ao uso de combustíveis fósseis na indústria, nos transportes, por exemplo.
A concentração desses gases intensifica o efeito estufa, processo natural do planeta Terra para reter o calor necessário às condições de vida. O excesso de emissões provoca o aquecimento da atmosfera e dos oceanos.
A temperatura média mais alta impacta fenômenos climáticos, provocando mudanças nos padrões até então conhecidos. Ondas de calor extremo, secas prolongadas e inundações devastadoras são consequência disso.
A data e o debate global do clima
Em 1972, mais de uma centena de países enviaram representantes à cidade de Estocolmo, na Suécia, para participarem do primeiro encontro global a debater a interferência humana na natureza. O início foi em 5 de junho, data de referência para a criação do Dia Mundial do Meio Ambiente. Aquela foi a primeira vez que o mundo debateu em conjunto o aquecimento do planeta e as possíveis consequências para o clima.