Dado o ineditismo do evento climático extremo e a duração das inundações, um mês depois das chuvas mais volumosas, ainda não é possível mensurar completamente as consequências da catástrofe no Estado. É fato, porém, que a dolorosa experiência, tão próxima de todos, aumenta o foco nas responsabilizações e a pressão por medidas efetivas que atenuem as causas dos desequilíbrios ambientais.
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Para especialistas, o desastre socioambiental gaúcho coloca ainda mais urgência por resultados da chamada agenda ESG, tirando definitivamente essas práticas do mero discurso. "As empresas produzem praticamente tudo o que usamos e descartamos. Esse ciclo desempenha um papel descomunal nas alterações climáticas globais", afirma Maira Petrini, professora da Escola de Negócios e coordenadora do Grupo de Pesquisa sobre Sustentabilidade e Negócios com Impacto Social, vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Administração da Escola de Negócios da Pontifícia Universidade Católica do RS (Pucrs). Ela pontua: "Muitas empresas estabelecem metas de redução de gases de efeito estufa, mas a maioria dessas metas contabiliza somente as emissões de produção da empresa e não as emissões associadas ao uso e descarte de produtos".
Para a professora, esse é somente um exemplo de como as empresas precisam compreender mais claramente a sua responsabilidade. A média das empresas gaúchas que aderiram à pauta ESG ainda o fez de modo muito tímido, focando em projetos e não em estratégias do negócio.
"Estamos engatinhando no Estado. Há muitas iniciativas, mas não são necessariamente estratégicas, são isoladas, descoladas do negócio. Projeto é importante? É, mas não é suficiente. A gente precisa algo em termos de virada", provoca.
Segundo Mariana Bonotto, professora na Faculdade de Ciências Econômicas da Ufrgs, doutora em Administração na área de Inovação, Tecnologia e Sustentabilidade, as demandas de stakeholders e a mudança de comportamento dos consumidores pressionam para a necessária adoção das práticas ESG efetivas pelas empresas. "Não existirão negócios sem que haja vida. Não haverá vida se não mudarmos a lógica de produção e consumo. A responsabilidade de uma empresa sobre catástrofes do clima é diretamente proporcional às externalidades ambientais negativas por ela geradas em seu processo produtivo", alega.
Para a professora da Ufrgs, as maiores demandas do universo "E" são as práticas que envolvem água e energia, especialmente fatores relacionados à transição energética e às emissões atmosféricas em virtude justamente das mudanças climáticas. E isso exige fôlego financeiro: "De maneira geral, pode-se considerar que a esfera ambiental incorre num maior número de práticas com alto custo relacionado, especialmente porque muitas delas alteram o status quo da cadeia produtiva", afirma.
A consultora Andrea Pampanelli, doutora em Sustentabilidade e Engenharia pela Universidade de Cardiff/UK e pela Ufrgs, lembra que, independentemente de catástrofe, todo negócio gera impacto climático, alguns mais, outros menos. "É papel da empresa entender o tamanho desse impacto e criar estratégias que possam mitigá-lo, estendendo esta análise para toda a cadeia de suprimentos. Essa tragédia nos alerta mais uma vez que não basta resolver o emergencial. Precisamos nos adaptar e focar nas estratégias de resiliência e mitigação."
O significado da sigla
• ESG é um acrônimo para Environmental, Social and Governance - ou, em português, ASG, referindo-se à Ambiental, Social e Governança Corporativa. Suas práticas atrelam à geração de valor econômico uma preocupação com questões ambientais, sociais e de governança corporativa, de modo que a empresa assume responsabilidades e compromissos com o mercado em que atua, seus consumidores, fornecedores, colaboradores e investidores.
A sustentabilidade tem de ser um valor genuíno das empresas
Um desastre climático sem precedentes como o que assolou o Estado redimensiona significados, incluindo a noção de sustentabilidade para o meio corporativo. Todo o contexto precisa acompanhar um novo patamar. É uma mudança de perspectiva, defendem especialistas.
"É ao mesmo tempo engarrafar e comercializar água da fonte - extraída da natureza - e promover tecnologias que contribuam para a limpeza dos oceanos", exemplifica Michelle Squeff, coordenadora-geral do capítulo Rio Grande do Sul do IBGC (Instituto Brasileiro de Governança Corporativa).
As empresas só serão efetivamente relevantes na missão de reduzir seu impacto ambiental se atuarem de modo sistêmico. "Práticas sustentáveis ambiental e socialmente precisam ser adotadas de forma institucional, com foco na inovação de produtos e processos internos e também olhando para a cadeia de fornecedores ao contratar serviços", explica Maira Petrini, professora da Escola de Negócios da Pucrs.
É por isso que, ao olhar para o ESG, o pilar mais desafiador é o "G", porque dele dependem os demais. É preciso mudar mentalidades. Especialistas apontam que o principal direcionador de boas práticas ambientais no Brasil são as leis - e não uma consequência da cultura organizacional real. Um propósito socioambiental genuíno por parte das empresas ainda não é a regra.
"Nossa legislação ambiental é boa, a fiscalização é que falha", acrescenta Maira. Então, não basta. Segundo ela, nos países com os melhores exemplos, o que existe é uma combinação de Estado, de maturidade na mentalidade de empresas e de educação.
"O nosso normal é agora extraordinário"
Não há programações alusivas ao 5 de junho na Secretaria do Meio Ambiente e Infraestrutura do Rio Grande do Sul. Curiosamente, talvez nenhum outro Dia Mundial do Meio Ambiente do passado tenha sido capaz de provocar tamanha reflexão ou consciência ambiental como este ano.
Todo o governo gaúcho está voltado para uma missão inédita no País: reconstruir um Estado devastado por uma intempérie extrema, cuja intensidade é atribuída às mudanças climáticas, uma pauta global que culpa as ações do homem pelo aquecimento do planeta, entre outros usos inadequados dos recursos naturais. A catástrofe do início de maio encontrou uma secretaria às voltas com ações demandadas pelas enchentes do ano passado, o que inclui, entre outras medidas, a criação de um Gabinete de Crise, melhorias no serviço prestado pela Sala de Situação e a promessa, para o segundo semestre, de um novo modelo hidrodinâmico capaz de prever com bastante precisão quando da presença de chuvas mais expressivas no Estado. Segundo Marjorie Kauffmann, titular da pasta, o prazo previsto está mantido.
"Nós não paramos essas ações. Empenhamos milhões de reais nesta pauta, tanto para projetos como para melhorias nas estruturas de Defesa Civil. Nós ainda seguimos no processo da contratação de um serviço para a Sala de Situação que seja cada vez mais didático e protetivo. Porém, o nosso normal agora é extraordinário, temos de investir muito na melhoria das informações que precisamos receber. Fora isso, temos de reconstruir muitas cidades de forma a minimizar impactos de eventos assim. A pauta da resiliência foi ainda mais reforçada", argumenta.
Segundo Marjorie, desde o ano passado, foram criadas 494 comissões municipais de mudanças climáticas que têm recebido aporte técnico e participado de encontros para entender esse novo momento. Também foram revistos 272 planejamentos de defesas civis municipais, como condicionante do repasse de fundo a fundo. Para ela, as ações tiveram resultados: "O alcance dos alertas foi muito mais expressivo dessa vez, mesmo considerando que se tratou de um desastre maior em volume e área".
Um conselho científico foi estruturado dentro do Gabinete de Crise no ano passado. Em meados de maio, o governador, Eduardo Leite, anunciou a criação de um Comitê Científico de Adaptação e Resiliência Climática. Marjorie explica que o grupo será aproveitado dentro da estrutura da Secretaria de Reconstrução agora.
"Os componentes deste conselho estão sendo consultados a todo tempo pelo governo do Estado. Mesmo que o Comitê ainda não tenha apresentado um cronograma, já há profissionais trabalhando."